Uma equipa de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) está a trabalhar na descoberta de antídotos contra o veneno das serpentes e de novos medicamentos com base nas moléculas dos diferentes venenos produzidos por estes animais. É precisamente uma dessas moléculas que figura na capa da mais recente edição da revista Nature Reviews Chemistry, ilustrando um artigo que está já no topo da lista dos artigos mais vistos em revistas de qualquer área científica. 

A molécula em questão está presente no veneno de uma das serpentes mais venenosas do mundo: a mamba-negra (Dendroaspis polylepis). “Funciona como um superanalgésico com uma potência comparável à da morfina. Quando a serpente ataca e morde, a presa não sente dor e não fica tentada a contra-atacar”, explica Pedro Fernandes, investigador responsável pelo projeto Murderous Venom, que deu origem ao artigo “The Chemistry of Snake Venom and its Medicinal Potential”

A imagem, desenhada a computador pelo estudante do doutoramento em Química da FCUP, Alexandre Pinto, ilustra uma toxina de três dedos, parente da que é extraída do veneno da mamba-negra que se liga a canais iónicos sensíveis ao ácido e que provoca um potente efeito analgésico. 

O fundo azul e amarelo é inspirado no quadro “A Noite Estrelada” de Van Gogh e pretende representar o caleidoscópio de sensações físicas e mentais que podem resultar da injeção de um veneno ou de uma componente dele.

“O poder curativo do veneno de serpente ganhou renovado interesse na época moderna. O conhecimento científico facilitou o aproveitamento do veneno, uma mistura com dezenas a centenas de toxinas proteicas, para fins medicinais. Existem já no mercado um número considerável de fármacos desenvolvidos a partir de veneno de serpente, alguns dos quais de vastíssima utilização em doenças cardiovasculares, tendo já salvo um número incontável de vidas, provavelmente mais que as vidas que a serpente tira”, denota o docente da FCUP.

A mamba-negra é uma das serpentes mais venenosas do mundo e o seu veneno tem uma molécula que funciona como um superanalgésico com uma potência comparável à da morfina.

Projeto com financiamento reforçado

O projeto “Murderous Venom”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), e que teve início em 2021, está já a dar resultados promissores e conquistou recentemente mais dois financiamentos para uso de supercomputadores: um da infraestrutura HPC PRACE e um outro a nível nacional, também da FCT, através da RNCA – Rede Nacional de Computação Avançada.

“O funcionamento de novas toxinas está a ser finalmente compreendido, novos antídotos foram já descobertos in silico e estão prestes a ser testados experimentalmente”, acrescenta o docente da FCUP. O projeto tem ainda uma parceria com uma empresa farmacêutica de referência que está em vias de concretização, para facilitar e catalisar o desenvolvimento de novos fármacos.

Por detrás deste trabalho estão os investigadores do Departamento de Química e Bioquímica da FCUP, Pedro Fernandes, Maria João Ramos e Ana Luísa Oliveira. Neste estudo participam também investigadores da Universidade da Costa Rica (Costa Rica), da Universidade de Cuenca, no Equador, da Fundação Oswaldo Cruz, Rondônia, no Brasil, e na Universidade de Tezpur, na Índia. 

O “Murderous Venom” tem tido também a ajuda e colaboração de outros investigadores e estudantes da FCUP e originou várias participações no IJUP, entre as quais a de Juliana Amorim, que apresentou uma comunicação oral, e a de Joana Ribeiro da Silva, que apresentou um póster. Ambas foram premiadas pelas suas apresentações, a primeira na edição de 2021 e a segunda na edição deste ano