Eduarda Sousa-Sá


Tem 39 anos, é natural de Vila Nova de Famalicão e reside em Sabah Al-Salem, no Kuwait. 


Profissionalmente, docente universitária e investigadora. Recentemente, integrou a lista "Mulheres na Ciências 2025", publicação que distinguiu as 107 mulheres cientistas portuguesas mais influentes. 


"...tudo aquilo que nos foi ensinado e transmitido,

foi também demonstrado e comprovado através da Ciência,

não deixando margem para dúvidas.", Eduarda Sousa-Sá

A Eduarda foi estudante de licenciatura na FADEUP. Quer falar-nos do seu percurso? O que tem feito após concluir a sua licenciatura?

Sim, eu fui estudante de licenciatura na FADEUP. Terminei a minha licenciatura em 2009, na altura de transição para os cursos que contemplavam o novo Tratado de Bolonha e, portanto, eu diria que foram uns tempos um bocadinho conturbados devido a essa situação.

Depois de terminar a licenciatura, como é óbvio, fui à procura de emprego, mas o nosso país passava por uma crise económica bastante complicada, que se sentiu especialmente na nossa área do Desporto, da atividade física, do Desporto por lazer e recreação. Portanto, foi de facto muito difícil encontrar emprego.

Eu diria que, como quase todos os recém-licenciados em Educação Física e Desporto, os empregos de mais fácil acesso, nessa altura da nossa carreira, eram aqueles mal remunerados e precários, ligados às aulas nos ginásios, aulas de natação, treinos de Desporto (seja qual for a modalidade), e foi isso que eu fui fazer. Trabalhei durante dois anos após terminar a minha licenciatura, entre ginásios e piscinas, sendo que, ao mesmo tempo, eu era atleta federada de voleibol.

Passados esses dois anos, decidi que queria continuar a minha formação académica e inscrevi-me no mestrado na FADEUP. Apesar de ter frequentado este mestrado durante dois meses, entendi que, se calhar, era melhor para a minha formação global experimentar outra instituição, que me desse uma visão diferente daquela que a FADEUP já me tinha dado, de alguma forma, durante a minha licenciatura. E então transferi o meu mestrado para a Universidade do Minho, no campus de Gualtar, em Braga.

Fiz então um mestrado lá, durante dois anos, na via do Ensino de Educação Física, mantendo sempre um emprego em part-time e o voleibol como atleta federada. Após o término do mestrado, voltei ao mercado de trabalho, para perceber exatamente o que é que queria fazer como profissão para os 40 anos seguintes, e deparei-me com um mercado de trabalho, na nossa área, que continuava bastante complicado, com condições de trabalho difíceis e injustas. Portanto, procurei outras hipóteses.

Foi nessa altura que fui trabalhar para o grupo Inditex, num cargo de gestão, que nada tendo a ver com a minha área, oferecia melhores condições de trabalho do que aquelas que eu tinha tido até ao momento. Passados apenas sete meses de estar a trabalhar no grupo Inditex, concorri a duas bolsas de estudo na Austrália para realizar um doutoramento - uma garantida por uma universidade e a outra era garantida pelo governo. Concorri às duas, ganhei ambas e, só após ter percebido que as tinha ganho, é que percebi que aquilo era real, e que eu tinha que decidir se queria aceitá-las ou não.

Aceitei e, portanto, mudei-me para a Austrália no final de março de 2016, sendo que comecei o meu doutoramento na Universidade de Wollongong em abril do mesmo ano, tendo terminado em maio de 2019.

O final do meu doutoramento levou-me de volta a Portugal, para um post-doc na Escola de Enfermagem na Universidade do Minho. A intenção era ficar mais ou menos um ano, um ano e meio, e depois regressar à Austrália, para uma posição na mesma Universidade onde fiz o doutoramento - o que não se concretizou devido à pandemia de Covid-19.

Uma vez que os meus planos de regressar à Austrália não se puderam realizar, tive de procurar emprego novamente no meu país. Estive apenas cinco meses sem emprego e fui contratada pela Universidade Lusófona de Lisboa em agosto de 2020. Estive nessa instituição até janeiro de 2025, a lecionar e a fazer investigação, e, no mesmo mês, mudei-me para a American University of the Middle East, no Kuwait, e estou cá desde então.

 

Porque escolheu a área do Desporto para a sua formação? Quando percebeu que era esse o caminho a seguir?

Não foi uma escolha fácil de fazer, uma vez que tenho uma apetência natural para a área das Humanidades, apesar de ter crescido a dizer que queria ser médica. No entanto, a atividade física fez parte de toda a minha vida; desde que me lembro, estive sempre rodeada de pessoas bastante ativas - desde os meus familiares mais próximos (Mãe, Pai e irmã) ao meu grupo de amigos.

Com o passar dos anos de formação académica, ou seja, até ao 12º ano, comecei a desenvolver um interesse maior em entender como é que funciona o corpo humano - não no sentido médico ou clínico, mas mais num sentido fisiológico, de como é que este movimento me pode trazer mais saúde. No fundo, sempre me interessei bastante em perceber de que forma é que eu posso ajudar os outros com comportamentos naturais, ou seja, atividade física, que lhes possa trazer benefícios de saúde que durem, preferencialmente, a vida toda.

Este foi sempre o ponto diferencial no meu pensamento. E, portanto, apesar de as minhas notas do ensino secundário serem consideravelmente mais altas em todas as disciplinas que estavam relacionadas com as Humanidades, eu optei pela via mais difícil para mim, que foi seguir Ciências e, especificamente, a área do Desporto.

 

Quais foram os aspetos da formação na FADEUP que mais influenciaram a sua carreira?

Em primeiro lugar, e sem pensar muito, eu diria que sem dúvida o rigor (no verdadeiro sentido positivo do conceito). Todos os meus professores na FADEUP eram pessoas que trabalhavam com rigor, mas que também conseguiam transmitir esse conceito e explicar a sua importância aos estudantes — o que não é tarefa fácil.

Outro especto que merece ser mencionado é o ensino através de dados/factos reais. Ou seja, tudo aquilo que nos foi ensinado e transmitido, foi também demonstrado e comprovado através da Ciência, não deixando margem para dúvidas.

Por último, mas não menos importante, a amizade e o sentido de comunidade. Sendo uma instituição relativamente pequena, os estudantes conhecem-se praticamente todos e geram-se relações bastante interessantes, de amizades que perduram até hoje. Aliado a esse sentido de comunidade, termino com o saber trabalhar em grupo e em equipa - algo que, atualmente, é raro.

 

A Eduarda é um dos 107 nomes destacados na edição de 2025 do livro Mulheres na Ciência, publicação que reúne histórias de sucesso de mulheres cientistas portuguesas. Como reage ao ver o seu nome entre as homenageadas?

Quando recebi o email a informar-me de que tinha sido uma das Mulheres escolhidas para receber este prémio, confesso que foi com algum espanto, mas também com muito orgulho do meu percurso e gratidão para com todas as pessoas que me ajudaram (seja de que forma for) a chegar onde estou hoje e a ser a pessoa que sou.

Acho que esta iniciativa - Mulheres na Ciência - é muito importante, não só a nível nacional, mas também a nível internacional, embora não tenha o destaque que merecia nos meios de comunicação social. Apesar de haver cada vez mais mulheres a fazer investigação, os reconhecimentos públicos continuam a ser mais atribuídos a homens e são também mais amplamente anunciados os prémios atribuídos a Homens do que os prémios atribuídos a mulheres.

Mas, no fundo, olho para este prémio como um reconhecimento pelo meu percurso académico e pelo trabalho que tenho feito até ao momento. Ao mesmo tempo, sem as pessoas que me rodeiam, praticamente nada do que eu atingi até hoje teria sido possível. Este prémio vem em meu nome, mas é também um bocadinho de todas as pessoas que me ajudaram, quer a nível pessoal, quer a nível profissional.

 

Foi durante vários anos investigadora do CIAFEL, centro de investigação sediado na FADEUP, e tem centrado muito do seu trabalho de investigação no estudo dos comportamentos do movimento, ao longo das 24h, em crianças e adolescentes. O que motivou o seu interesse por estes temas? Quais os principais resultados que tem obtido?

Sim, de facto a minha ligação ao CIAFEL é longa e bastante produtiva, quer a nível profissional, mas também a nível pessoal. O meu interesse pelo estudo dos comportamentos de movimento em crianças e adolescentes foi bastante influenciado pelos dois supervisores que guiaram meu doutoramento – a Professora Doutora Rute Santos e o Professor Catedrático Tony Okely.

Sendo duas pessoas bastante diferentes, mas com visões de investigação bastante alinhadas, tive muita sorte naquilo que pude experienciar e aprender com eles durante o meu doutoramento. E foi através de várias conversas que tivemos que consegui perceber que aquilo que eu queria fazer na investigação era contribuir para o bem comum da sociedade, mais especificamente através do estudo dos comportamentos de movimento das crianças e adolescentes, e de que forma é que isto influencia a sua saúde física, cognitiva e emocional - a curto prazo, mas também a longo prazo.

De forma muito sucinta, os comportamentos de movimento ao longo das 24 horas são três: o sono, o comportamento sedentário e a atividade física. Estes três comportamentos, até há uns anos, vinham a ser estudados de forma isolada; no entanto, recentemente percebeu-se que, para uma visão mais holística da saúde, nós devemos analisá-los de forma conjunta - ou seja, num período de 24 horas.

Os principais resultados que o nosso grupo de investigação tem obtido, maioritariamente na Austrália (através de um projeto denominado Get-Up), mostram que as crianças que não cumprem, com regularidade, as recomendações relativas à duração e qualidade do sono apresentam pior saúde emocional, pior desenvolvimento cognitivo e também pior saúde física - por exemplo, pior aptidão cardiorrespiratória - quando comparados com as crianças que cumprem as recomendações.

Também obtivemos resultados muito interessantes no que diz respeito ao comportamento sedentário, mais especificamente ao tempo sentado, em que percebemos que as crianças que passam menos tempo sentadas durante longos períodos -  e que quebram esses períodos com mais frequência - apresentam melhores níveis gerais de saúde.

O resultado mais diferenciador será, talvez, o de termos percebido que a conjugação perfeita - ou próxima da perfeição - destes movimentos ao longo das 24 horas do dia gera resultados muito positivos na saúde das crianças e dos adolescentes.

A importância de estudarmos e intervirmos nestas idades mais precoces traduz-se no facto de sabermos, enquanto investigadores, que os hábitos adquiridos durante a infância tendem a perdurar durante a nossa vida.

Ou seja, quanto mais saudável for a nossa população infantil e juvenil, mais saudável será a nossa população adulta no futuro – e esse é, provavelmente, o maior contributo que eu posso deixar à comunidade.

 

É atualmente docente numa universidade do Kuweit, a American University of the Middle East. Não sendo esta a sua primeira experiência numa universidade estrangeira, quais os principais desafios que encontrou na adaptação ao ambiente académico de um país tão diferente de Portugal? 

Em termos de adaptação ao ambiente académico, confesso que a adaptação não foi extremamente difícil, devido ao facto de já ter passado alguns anos na Austrália e, sendo esta uma universidade americana, reger-se pelos currículos americanos também. As barreiras que aqui encontramos são, maioritariamente, de outra natureza.

No entanto, eu diria que a principal dificuldade será a falta de literacia desportiva demonstrada pela maioria da população. Adicionalmente, e uma vez que a maioria dos professores universitários são estrangeiros, o sentido de comunidade fica um bocadinho difundido.

 

Voltando à FADEUP, do que se recorda com mais saudade dos tempos de estudante da Faculdade?

Sem dúvida, das amizades e de todas as histórias que aconteceram durante o nosso percurso na FADEUP. Desde sestas a acontecerem a meio da tarde no fosso olímpico; torneios de voleibol que aconteciam quase por geração espontânea; conversas interessantes e prolongadas com alguns professores; os jogos galaico-durienses; os campeonatos nacionais universitários; toda a preparação física e mental antes de uma apresentação para o Professor Botelho… mas também de toda a entreajuda que existiu sempre que foi necessário.

 

Recorda-se de alguma história curiosa/divertida que a tenha marcado enquanto estudante da Faculdade e que possa partilhar connosco?

Como é possível imaginar, a maior parte destas histórias não devem ser partilhadas por mim desta forma, principalmente porque nenhuma delas me inclui apenas a mim própria e não dizem respeito só a mim, sendo que todas elas têm quatro coisas em comum: a Ana, a Fabiana, a Tété e as equipas de voleibol.

 

Qual é a sua maior realização até hoje?

Sendo que a minha carreira é ainda curta, a minha maior realização profissional até hoje será, talvez, ter tido a oportunidade de inspirar os meus estudantes (alguns) a serem melhores profissionais, melhores pessoas, e eventualmente, seguirem uma carreira de investigação, através da qual possam fortalecer o seu contributo à sociedade. Acrescento a isto o facto de já ter alcançado alguns marcos, na minha curta carreira, bastante mais cedo do que aquilo que eu antevia quando iniciei o meu percurso.

 

Como ocupa os tempos livres?

Os meus tempos livres são ocupados de três formas bastante diferentes, mas todas elas me dão a possibilidade de relaxar a mente: atividades físicas (habituais e novas); ler livros ou aproveitar a praia e o mar.

 

Quer deixar algum conselho aos nossos estudantes?

O Conselho que vou deixar é bastante cliché, mas é muito verdadeiro: aproveitar ao máximo os tempos de estudante - quer em relação ao estudo, quer em relação à diversão - sempre com bastante responsabilidade à mistura, percebendo que aqueles anos vão ter um fim e que, inevitavelmente, vão sentir saudades.

Aproveito também para aconselhar os jovens estudantes a tentarem construir e/ou aumentar a network o mais cedo possível, para que lhes seja mais fácil a entrada e permanência no mundo do trabalho.

 

O que espera do futuro?

Espero anos felizes e produtivos, em termos profissionais, mas também pessoais, e quero muito poder continuar a fazer parte de equipas multi e interdisciplinares, com presença constante em projetos nacionais e internacionais, de forma a poder dar o meu melhor contributo à sociedade de agora, mas também à sociedade do futuro.

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