José Oliveira

66 anos, nascido no Porto e residente em Leça da Palmeira, Matosinhos.


Foi docente da FADEUP durante quase quatro décadas, tendo-se aposentado muito recentemente. Ao longo da sua carreira, desempenhou diversas funções de relevo na instituição, incluindo as de Diretor de Curso, Co-coordenador de uma unidade de investigação, Presidente do Conselho Científico e 

Sub-Diretor. Em conjunto com outros docentes, esteve na génese da primeira unidade de I&D da FADEUP, o CIAFEL.


“Tenho um agradecimento a fazer a todos os colegas, funcionários não docentes e aos estudantes por tudo quanto ajudaram na minha atividade profissional, pelas deferências para comigo e pelo trato impecável e respeitoso que tiveram e têm ", José Oliveira

O Professor foi durante quase quatro décadas docente da Faculdade, de onde se aposentou muito recentemente. O que o motivou a ser professor?

A motivação para ser professor radicou no facto de ao longo do meu processo de instrução e formação ter tido o privilégio de ter tido excelentes professores. E quando me refiro à excelência, quero com isso dizer que o eram em distintos planos: enquanto pessoas com elevadíssimo nível intelectual e cultural, com uma dimensão humana formidável e como pedagogos. Ainda hoje tenho bem presente a memória de alguns dos meus Professores do 1° ciclo do ensino básico do Colégio João de Deus (no Porto), de alguns do 2° ciclo dos ensino básico e secundário da Escola Gomes Teixeira e do Liceu D. Manuel II / Escola Secundária Rodrigues de Freitas. Alguns desses verdadeiros Mestres, foram para mim modelos pelo exemplo, que tiveram um papel importante na minha opção de me tornar Professor.  

 

E porquê a área do Desporto? Quando percebeu que era esse o caminho que gostaria de seguir?

A opção pela área do Desporto aconteceu com naturalidade em função das experiências de infância e da adolescência. De facto, entre todos aqueles que fazem parte da minha geração, não terão sido muitos os que desde o pré-escolar e no 1° ciclo do ensino básico tenham tido sempre presente, como parte do processo de formação, a oferta de ensino de Educação Física. Frequentei o pré-escolar no Externato Nossa Senhora da Paz (Porto) e, depois, o 1° ciclo do ensino básico no Colégio João de Deus (cujas instalações são agora a Escola EB 2/3 de Augusto Gil, no Porto) e em ambas as instituições fazia parte do processo educativo a oferta da disciplina de Educação Física, a qual era leccionada por profissionais diplomados pelo INEF, sendo de relevar a raridade à época não apenas da oferta pedagógica, mas também da leccionação por profissionais qualificados. Recordo bem a satisfação e o prazer que tinha nessas aulas e reconheço o quão importantes foram para a minha formação. Além do que anteriormente referi, quando tinha 8 anos de idade, uma associação de moradores do Bairro do Viso, local onde residi, formou um Grupo Desportivo que aos fins de semana proporcionava às crianças residentes sessões de prática de mini-Basquetebol, num campo de terra batida sem marcações de terreno e cestos móveis verticais sem tabelas. Essa experiência foi o gatilho para uma prática continuada, tornando-me praticante federado da modalidade de Basquetebol até idade adulta, em clubes como a Educação Física do Norte e depois o CDUP. Tudo isto, somado ao facto de durante a frequência do Liceu poder ter acompanhado atividades de ensino da Escola de Instrutores de Educação Física do Porto (no famoso Barracão que estava implantado nos mesmos terrenos do Liceu), fez crescer em mim o desejo de me tornar treinador de Basquetebol e professor de Educação Física. Naturalmente, quando concluí o Ensino Secundário e depois de ter feito o exame nacional de acesso ao Ensino Superior (e realizado o então chamado “ano de serviço cívico”), ingressei no Instituto Superior de Educação Física do Porto (ISEF), no seu terceiro curso, depois da sua criação em 1975.

Concluindo, a minha escolha pelo Desporto resultou de anos de experiências positivas de atividade desportiva, ao exemplo indelével de alguns meus professores, como referi na pergunta anterior, resultando numa escolha madura, por vocação.

 

Gostava que nos falasse um pouco da sua ligação à Faculdade. Como se iniciou essa ligação? Que memória guarda desses primeiros tempos?

A minha ligação à Faculdade iniciou-se como estudante da Licenciatura em Educação Física, no Instituto Superior de Educação Física do Porto (agora FADEUP). Do meu tempo de estudante, lembro com saudade o ambiente quase familiar entre todos os corpos da instituição, de um certo sentido de corpo e missão pelo facto do ISEF ser uma unidade orgânica recém-entrada no sistema universitário e que se queria afirmar dentro da Universidade do Porto (U.Porto) e projectar-se para fora. Lembro, também, o elevado sentido de entreajuda entre estudantes. Guardo também a memória da escassez de recursos de apoio ao estudo, como por exemplo, uma biblioteca que na altura eu diria ser quase embrionária do que podemos hoje dizer o que é ser uma verdadeira Biblioteca. Disso resultava uma estratégia de mitigação solidária entre estudantes que custeavam os custos de deslocação de colegas à Faculdade de Motricidade Humana para recolherem cópias de documentos de apoio ao estudo, ou mesmo de deslocação a Madrid a uma conhecida livraria que tinha em venda diversos manuais ou livros de desporto. Guardo na memória a proatividade dos estudantes no convite a colegas já licenciados para participarem em tertúlias abordando temas que se consideravam importantes para a formação. Todo esse ambiente e a qualidade de alguns docentes, entre os quais alguns que pertenciam aos quadros de outras unidades orgânicas da U.Porto, despertaram em mim o desejo de poder vir a integrar o quadro docente da instituição. 

Depois de concluída a Licenciatura, cumpri o serviço militar obrigatório, fiz a profissionalização em serviço (estágio pedagógico) e exerci atividade docente nos níveis de ensino básico e secundário. Nesse período, fui candidato num concurso documental de recrutamento de Assistente Estagiário de Fisiologia, mas o Professor Paulo Santos [ndr: docente já aposentado da Faculdade] foi o candidato admitido nesse concurso.  Em 1988 abriu um concurso de recrutamento de Assistente Estagiário de Treino Desportivo, tendo eu sido o candidato admitido e tendo iniciado funções em Fevereiro de 1989. O sonho tornou-se realidade. Iniciei a minha atividade docente na lecionação das unidades curriculares de “Bases de Treino Desportivo” e de “Estudos Práticos – Basquetebol”, no curso de licenciatura. O primeiro semestre de atividade não foi fácil; um mês após a minha admissão tive que desenhar do zero os programas das unidades curriculares e preparar todas as aulas, a cada semana. Mas recordo bem a solidariedade de todos os colegas e guardo boa memória dos bons momentos passados com os estudantes, em sala de aula e noutros contextos.

Nos primeiros anos da minha atividade académica, a Faculdade trilhava ainda um caminho de afirmação dentro e fora da Universidade. A melhor memória que guardo desse tempo era o sentido de missão, o verdadeiro “espírito de corpo”, o empenho e emulação que percorria os docentes, os funcionários e também justo referir, os estudantes, em tudo em que estivéssemos envolvidos. Lembro, por exemplo, que as provas académicas (de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, ou de Doutoramento) eram participadas por todos os colegas e mesmo funcionários não docentes. Lembro, também, o apoio e orgulho interpares quando um de nós era convidado a participar em encontros científicos ou atividades de extensão universitária. Eram tempos bem diferentes dos de hoje.

 

Qual foi o maior desafio que encontrou enquanto professor?

Estar preparado para cumprir bem as tarefas que me estavam atribuídas, e corresponder às expectativas daqueles com quem e para quem trabalhei. Mas fui sempre consciente que para cumprir e fazer bem, teria que ter vontade, dedicação e atitude profissional responsável.     

 

Com quase 40 anos como professor universitário, seguramente muita coisa terá mudado nesta área. Que mudanças mais significativas encontra na docência atual relativamente ao início da carreira.

Eu diria que as mudanças no exercício das funções docentes, decorreram de mudanças profundas do contexto social, económico e do paradigma do ensino universitário.

A sociedade alterou-se profundamente desde o tempo em que fui estudante e me tornei docente universitário. As alterações sociais mais profundas que afectaram o ensino superior foram a sua democratização, traduzidas no aumento das oportunidades de acesso levando à massificação do ensino, mas igualmente a transformação dos mercados laborais devido à globalização, bem como a diversificação e especialização de conhecimento, competências e áreas de intervenção profissional. Além disso, ocorreram rápidos e substanciais progressos no conhecimento e nas suas aplicações. Tudo o que mencionei, de forma simples e sumária requereu uma alteração do paradigma do sistema de ensino universitário, na sua organização, estrutura e missões. A oferta formativa aumentou e o processo de formação estratificou-se em termos de nível e diversificou-se quanto aos objetos de estudo e de qualificações profissionais. Consequentemente, o perfil do docente universitário também se alterou, desde o nível de qualificação exigido à entrada no sistema, do nível e profundidade de conhecimento e competências científicas e pedagógicas para corresponder às necessidades e aspirações dos estudantes e instituições do ensino superior, mas também no que respeita às capacidades de valorização do conhecimento e da sua translação para a sociedade. Todas estas alterações implicaram e implicam que os docentes universitários, eles próprios, como noutras profissões, tenham que estar continuamente a atualizar conhecimentos e a desenvolver novas competências.

 

Além de docente, desempenhou diversas funções de relevo na Faculdade, entre as quais Diretor de Curso, Presidente do Conselho Científico e Sub-Diretor. Qual foi a função mais gratificante que desempenhou?

Todas elas.  Nenhuma foi menos gratificante que outra. Mas gostaria de deixar claro que, tal como respondi anteriormente à questão de “...qual o maior desafio que encontrou enquanto professor”, tive sempre presente durante a minha carreira na FADEUP que a aceitação do exercício de funções, implica a autoconsciência e a compreensão das exigências e responsabilidades de cargos e funções, avaliando criticamente se estamos ou não preparados para as assumir. Durante bastantes anos da minha carreira não tive desejo de ocupar certos cargos ou funções de gestão ou governação, porque as minhas prioridades eram mais centradas no crescimento e desenvolvimento qualitativo do exercício das atividades de investigação e de ensino ou transferência de conhecimento. Mas, no plano moral e até ético, sempre entendi não ser razoável ficar sempre na zona de conforto de não aceitação de outras responsabilidades, desde que sentisse que as aprendizagens necessárias e as experiências amadurecidas vividas me qualificavam para o exercício de certos cargos e, naturalmente, isso fosse da vontade e conveniência de quem me nomeasse ou elegesse.

Assim, devo confessar que ter sido membro de comissões científicas ou de acompanhamento de ciclos estudos, membro da comissão de ética, Diretor de Curso, Co-coordenador de unidade de investigação, Presidente do Conselho Científico ou Sub-Director, foram cargos e responsabilidades exercidos com satisfação e prazer e que aconteceram quando achei dever estar disponível, portanto, não por imposição ou a contragosto. 

 

Olhando para trás, para estas quase quatro décadas, o que gostaria de dizer ao José Oliveira profissional da FADEUP?

De nada me arrependo e estou bem com a minha consciência. A minha carreira foi fruto da evolução das circunstâncias institucionais e pessoais, como aliás o foi para vários outros colegas da FADEUP geracionalmente mais próximos de mim. Não fui perfeito; terei tido falhas e virtudes, mas senti-me e sinto-me bem confortável com “a minha pele”. Por isso, nada de especial tenho a dizer a mim próprio. Tenho é um agradecimento a fazer a todos os colegas, funcionários não docentes e aos estudantes por tudo quanto ajudaram na minha atividade profissional, pelas deferências para comigo e pelo trato impecável e respeitoso que tiveram e têm.  

 

Se o Professor José Oliveira tivesse de escolher “o momento” da carreira, qual seria esse momento?

São vários, mas como me pedem um, elejo a co-criação do Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer (CIAFEL), como marco pessoal e institucional importante. Depois de ter concluído o meu Doutoramento, no ano de 2002 os Professores Jorge Mota e José Alberto Duarte desafiaram-me a, conjuntamente com eles, empreendermos a formação de uma unidade de investigação e a candidatura à FCT para o seu financiamento. Será importante recordar que, à época, a FADEUP era a única unidade orgânica da U.Porto que não tinha formalmente constituída qualquer unidade de I&D, com ou sem financiamento.  Além disso, a nível nacional, em instituições congéneres à FADEUP, apenas existia uma unidade de I&D com acolhimento na Faculdade de Motricidade Humana (da Universidade Técnica de Lisboa), o CIPER. Em 2004, o processo de candidatura resultou na formalização do CIAFEL como unidade da rede FCT, com financiamento próprio. Destaco este momento, por entender que se constituiu numa alteração importante para o crescimento e desenvolvimento da atividade de investigação e infraestruturas associadas e para a formação pós-graduada na FADEUP, sobretudo de nível de Doutoramento. Desde a sua criação há 20 anos, o CIAFEL contribuiu para o enriquecimento patrimonial da FADEUP e para a projecção da sua imagem a nível nacional e internacional e sustentou com sucesso a formação pós-graduada de inúmeros estudantes.

 

Que imagem gostava que os seus estudantes guardassem do Professor José Oliveira?

Gostaria que me recordassem como alguém comprometido com eles nas suas aspirações e necessidades académicas e pessoais.

 

Com tantos anos de Faculdade certamente passou por alguns momentos marcantes. Lembra-se de alguma história que possa partilhar connosco?

Lembro um que foi marcante para mim academicamente, mas igualmente porque teve algo de caricato. Quando finalizei e entreguei a minha tese de Doutoramento nos serviços académicos - redigida em língua inglesa - e requeri a realização de provas públicas, o meu orientador, o Professor José Soares, confidenciou-me que gostaria que o Júri integrasse colegas de outras nacionalidades que não portuguesa e, por isso, sondou-me acerca da minha disponibilidade para que a apresentação da tese e a conversação com os arguentes ocorresse em inglês. Isso seria algo que nunca antes tinha ocorrido na FADEUP, mas eu aceitei o desafio, confirmado posteriormente pela decisão do Conselho Científico em propor um Júri em que entre outros elementos, participavam os Professores Jens Bangsbo e Jan Cabri na função de arguentes. Por razões de agenda do Professor Jens Bangsbo, as provas públicas tiveram que ser marcadas para um sábado, o que foi também novidade. Claro, será bom dizer que me preparei para o desafio da apresentação da tese e discussão em língua inglesa, treinando intensamente. O meu circuito cerebral da fala estava plenamente em modo anglófono.

No dia das provas, conforme é habitual, o Doutorando era “encerrado” numa sala ao lado do Auditório, esperando que ocorresse a entrada do Júri. A espera era dura, o “nervoso miudinho” apertava. Eis que entra na sala onde me encontrava a Dona Isabel Claro, a Diretora de Serviços que habitualmente secretariava as provas académicas, comunicando-me que, pelo facto de o Professor Jens Bangsbo não ter comparecido à hora prevista e não ser possível esperar mais, o Presidente do Júri e os restantes elementos presentes decidiram dar inicio às provas com substituição do arguente nomeado em falta. Como o Professor Jan Cabri entendia a língua portuguesa, deliberou o Júri que a apresentação da tese deveria ser em língua Portuguesa, tal como a discussão com os membros do júri. Então, tudo se desmoronava após o treino intenso e havia que pôr em “off” o modo anglófono.

Depois das formalidades, quando o Professor Jorge Bento, presidente do júri, me deu a palavra para fazer a apresentação da tese, entrei no modo de improvisação instantâneo “traduzindo” para a língua portuguesa a narrativa construída em língua inglesa. E assim foi, durante cerca de quinze minutos, quando no decurso da minha improvisação vejo um vulto com uma mochila nas costas, a descer as escadas do auditório e a dirigir-se à Diretora de Serviços que imediatamente falou com o Presidente do Júri, enquanto eu continuava o meu monólogo dirigido aos elementos do Júri e à audiência. É então que sou interrompido pela secretária das provas, informando que chegado o Professor Jens Bangsbo, tudo recomeçaria, de novo, mas voltando ao anteriormente previsto com as provas a serem em língua inglesa.

Moral da história.... Preparei-me, aceitei um repto, adaptei-me dinamicamente às barreiras e constrangimentos, alcancei o desígnio ao ter sido aprovado, cumprindo uma aspiração pessoal e uma exigência de carreira. Além do mais, aprendi que em todas as facetas das nossas vidas, devemos prepararmo-nos para o previsto e... para o imprevisto.

 

Qual é a sua maior realização?

Os meus estudantes, que são a razão de ser das instituições de ensino e de ser Professor. Alguns, por mérito próprio, são hoje excelentes profissionais com enorme reconhecimento, acreditando eu ter contribuído com uma pequena parte para o seu sucesso.

 

Como ocupa os tempos livres?

Ocupo o meu tempo livre com a família e os amigos, sou apreciador e consumidor de música – sobretudo clássica e jazz - e de outras artes, em especial as artes visuais. Sigo desportos vários e, para além disso, por puro prazer, sou enófilo, que de forma puramente amadora se interessa por apreciar o vinho e estudar as diversas facetas de procedência (localização geográfica e características vitivinícolas do território), do tipo e dos estilos e da composição varietal.

 

Quer deixar algum conselho aos estudantes da Faculdade?

Não será conselho, mas antes um alerta. Agarrem todas as oportunidades, não alijem as responsabilidades próprias e não adiem nada do que tem que ser feito a cada momento. A felicidade, o bem-estar e as realizações pessoais e profissionais dependem em primeiro lugar da atitude de nós próprios. 

 

E planos para o futuro?

Os meus planos são muitos para que a vida continue com paixão. Mas como esta entrevista já vai longa e tem que terminar, para os conhecerem, teriam de me entrevistar uma outra vez!

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