José Soares


Tem 66 anos, nasceu e reside em S. Mamede de Infesta, Matosinhos.


Aposentou-se recentemente como docente da FADEUP, onde coordenou o Gabinete de Biologia do Desporto e lecionou na área da Fisiologia. Ao longo da sua vasta carreira profissional, dedicou-se à melhoria do desempenho de pessoas e equipas, tanto no desporto de alto rendimento como em ambiente corporativo. Enquanto fisiologista, participou num Campeonato do Mundo de Futebol com a Seleção Nacional de Portugal, foi campeão nacional de futebol ao serviço do Boavista FC, acompanhou diversos pilotos de carros e motos, de onde se destaca o português Miguel Oliveira, e colaborou em missões espaciais. É autor de seis livros e mais de 60 artigos científicos. Como consultor, colaborou com diversas empresas. 


"...as recordações da faculdade são muitas, com algumas contrariedades, mas recordações incríveis, com pessoas fantásticas e momentos inesquecíveis. ",  José Soares

Foi durante quatro décadas docente da Faculdade, de onde acaba de se aposentar. O que o motivou a ser professor?

Sinceramente, não consigo encontrar uma razão. Eu sempre fui um mau aluno no liceu, mas um apaixonado pelo desporto. Depois nos 2 últimos anos do liceu, melhorei o meu desempenho e passei a ser um aluno razoável. Mas no antigo 5º ano, atual 9º, fiz provas para entrar na antiga escola de Instrutores de Educação Física. Nos testes físicos, fiz uma entorse do cotovelo e tive de adiar a minha entrada para Educação Física. Foi a minha sorte, porque continuei no liceu e depois entrei para o antigo ISEF [ndr: atual FADEUP] e, aí, tomei juízo e já fui um aluno “mais suportável” e acabei por ser convidado pelo Professor Eugénio Carvalheira (nunca o esquecerei) para Assistente. E aí começou a minha carreira até ao passado dia 31 de janeiro. Cerca de 43 anos a lecionar.

 

E porquê a área do Desporto? Quando percebeu que era esse o caminho que gostaria de seguir?

Sempre adorei desporto, até porque jogava andebol, e com um nível razoável para a altura. Eu, em nada, fui muito bom. Fui sempre razoável, mas percebi que era o desporto que me realizava. Ainda fiz uma experiência de um ou dois anos como treinador, mas foi uma desgraça. Até tive bons resultados, mas ser treinador era algo para o qual não tinha competências intrínsecas. E saí!

 

Gostava que nos falasse um pouco da sua ligação à Faculdade. Como se iniciou essa ligação? Que memória guarda desses primeiros tempos?

Eu tenho sido um felizardo. Comecei por ser Assistente do Professor Carvalheira, que me tratou de forma incrível. Ao fim de dois ou três anos, percebi que aquilo que eu gostava mesmo era de fisiologia. Deram-me todas as condições para mudar de área, e foi à fisiologia que dediquei toda a minha vida. Numa primeira fase, estava muito sozinho e tive de procurar apoios. Tive a sorte de contactar o Professor Nuno Grande, que me apoiou sempre, estimulando a começar a trabalhar com o modelo animal. Colocou o biotério das Biomédicas à minha disposição, e foi assim que dediquei mais de 10 anos da minha vida a trabalhar com animais de laboratório. Como estava sozinho (só mais tarde entrou o Professor José Duarte, que me deu uma ajuda preciosa), tive de estagiar na Anatomia Patológica do Hospital de Santo António com um neurologista que me deu todo o apoio (Dr. António Guimarães). Como queria trabalhar com músculo esquelético, encontrei um autor em Colónia e escrevi-lhe uma carta (não havia mails…) a pedir para me receber. E assim foi. Com a ajuda do Reitor da altura, Professor Alberto Amaral, a quem estarei grato eternamente, comecei o meu doutoramento com o Professor Appell, de Colónia, Alemanha. Uma jornada incrível de aprendizagem. Por isso, as recordações da faculdade são muitas, com algumas contrariedades, mas recordações incríveis, com pessoas fantásticas e momentos inesquecíveis.

 

Qual foi o maior desafio que encontrou enquanto professor?

O meu maior medo era acabar a aula, que decorava (verdade…), antes do final do tempo… Na altura, corria com frequência e aproveitava esses momentos para dizer a aula enquanto corria… Mas, rapidamente, percebi que esse receio não se justificava. Aprendi que, mais importante que o tempo que dedicamos a qualquer tarefa, é a energia que colocamos nas coisas. E, por isso, o maior desafio era manter os alunos interessados, motivados e entusiasmados com os temas. Para isso, era necessário transmitir paixão e intensidade. Não sei se consegui, mas tentei…

 

Com 40 anos como professor universitário, certamente muita coisa mudou nesta área. Que mudanças mais significativas encontra na docência atual relativamente ao início da carreira?

Muitas coisas mudaram, mas, talvez o aspeto mais relevante seja a diferença nos alunos. As inúmeras solicitações, a (des)informação constante e a necessidade de estarem sempre ligados, retiram duas coisas importantíssimas na aprendizagem: atenção e curiosidade. Este é um aspeto que tem tido um impacto enorme até na minha motivação enquanto Professor. Como dizia um Professor da Colômbia, às vezes sinto que perdi a guerra contra as redes sociais, a informação baseada em nada, os telefones e os portáteis.

Contrariamente ao que se possa pensar, na minha modesta visão, este acesso fácil aumenta ainda mais a desigualdade. As pessoas que têm ambientes familiares e pessoais mais ricos e diversificados podem ser mais críticas face ao que lhes chega. Aqueles que vivem em ambientes mais desfavorecidos e turbulentos, não são apenas presas mais fáceis, como não têm quem lhes possa servir de apoio e sentido crítico.

Talvez esteja a ser um pouco “velho do Restelo”, mas é também por começar a sentir isso que decidi sair antes dos 70! Já chega de “rabugice”.

 

Olhando para o longo percurso enquanto docente, o que gostaria de dizer ao José Soares profissional da FADEUP?

Dizia-lhe que poderia, em muitos momentos, estar mais calado (falo, indiscutivelmente, demais), ter sido mais racional e ter apoiado mais os meus alunos e, até, os meus colegas.

 

Se o Professor José Soares tivesse de escolher “o momento” da carreira, qual seria esse momento?

Sem dúvida, o contacto com pessoas que me fizeram crescer: Professores Alberto Amaral, Nuno Grande, Carvalho Guerra, H.-J. Appell, Tony Sargeant, etc. Não cito ninguém da Faculdade para não ferir suscetibilidades e não ser injusto. Abro apenas excepção para o Paulo Cunha e Silva, porque já não está entre nós e com quem tanto aprendi. Conhecer estas e outras pessoas foi decisivo para a minha formação como Homem, e nunca conseguirei agradecer o seu apoio na minha carreira.

 

Que imagem gostava que os seus estudantes guardassem do Professor José Soares?

Um tipo bem-disposto, honesto, que adorava dar aulas, que dava 110% em tudo o que fazia e que, que eu saiba, nunca prejudicou voluntariamente um aluno. Ah, e já agora, que não faltava (penso que se contam pelos dedos de uma mão as aulas que faltei sem ser por motivos extremos).

 

Com tantos anos de Faculdade certamente passou por alguns momentos marcantes. Lembra-se de alguma história que possa partilhar connosco?

Foram tantos momentos. Reuniões do Conselho Científico muito acesas, para não usar outra expressão, as futeboladas com os colegas, as festas (quando ainda éramos todos amigos), as conversas/risadas com os meus colegas do Gabinete. A este propósito, os melhores momentos que passei na Faculdade foram com os meus colegas da Fisiologia. Pessoas que, para além de serem profissionais de excelência, são pessoas adoráveis. Vou mantê-los para o resto da minha vida.

Um momento que me pôs os nervos em franja, e que não vou esquecer, foi quando troquei uma chave de um exame e as notas foram péssimas. E só me apercebi quando um aluno veio ao meu gabinete e me disse que tinha tido 3 e achava que ia ter 18 ou 19… Fui ver, e estava tudo errado. Já agora, o aluno teve mesmo 19! Fiquei sem dormir, mas, felizmente, conseguimos resolver rapidamente e tudo ficou sanado. Mas foi um susto…

 

Em duas ou três palavras, a sua passagem pela Faculdade…

Realização profissional, paixão e, infelizmente, algumas noites mal dormidas (sei que foram mais do que 2 ou 3 palavras…).

 

Qual é a sua maior realização?  

Pessoal, a minha Família. Profissionalmente, foram muitas. Muitas mesmo. Ter estado em Campeonatos do Mundo, especialmente com a Seleção Nacional de Futebol na Coreia/Japão 2002, Europeus (infelizmente nunca nos Jogos Olímpicos), ter sido campeão nacional de futebol pelo Boavista FC, acompanhar atletas, ter criado um programa de exercício clínico num hospital, ter ajudado a criar o programa de exercício para mulheres com cancro da mama na Mama Help, ter contribuído para as vitórias de alguns atletas (ainda que pouco), acompanhar o Miguel Oliveira [ndr: piloto de motociclismo], ter participado como “scientific lead” no Projecto Fuel da Deloitte, ter contacto com uma missão à Estação Espacial Internacional (obrigado, Emiliano), colaborar com o Motor and Sport Institute em Madrid, participar num projecto digital para a Unilabs, ser “scientific lead” de um projecto digital com a empresa Iron, acompanhar pessoas que todos nós conhecemos e que me deram a confiança de os “treinar” fisiologicamente para serem melhores líderes, colaborar com outras faculdades, etc. Enfim, fiz muitas coisas e espero continuar a fazer.

 

Como ocupa os tempos livres?

Mesmo quando estou a trabalhar, tenho um prazer tão grande, na maioria das vezes, que não sei se isso são “tempos livres”. Eu tenho uma vida óptima. Não me posso queixar de nada. Só agradecer, mas gosto muito de ler, de fazer exercício e de estar com os meus amigos e com a minha Família. PS. Também faço Lego!

 

Quer deixar algum conselho aos estudantes da Faculdade?

Que aproveitem esta fase da vida, mas não a desperdicem. Não se “auto-sabotem”. Sejam curiosos!

 

Que planos tem para o futuro?

Viver e deixar viver!

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