Foi estudante de mestrado na FADEUP, na altura FCDEF. Gostava que nos falasse sobre o seu percurso profissional… O meu percurso profissional começa, por incrível que possa parecer, na minha infância e juventude. E porquê? Porque esta foi uma fase da vida experimentada de forma intensa, ativa e feliz. Intensa, porque o meio ambiente onde cresci permitia estar permanentemente em atividade física, em contexto natural ou codificado, e isso proporcionou um desenvolvimento motor com consequências no meu gosto pela atividade desportiva, seja ela lúdica ou federada. Foi em ambiente de floresta, mar, montanha, rua, campo, quer seja ela desportivo ou rural. Tudo isso resulta no ingresso no antigo (antiquíssimo) ISEF (1978), com regresso aos Açores em 1984. Nesse ano, dei início à atividade letiva, que durou até 1990, altura em que fui convidado para Chefe da, na altura, recém-criada Divisão de Cultura e Desporto da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, onde permaneci 8 anos (1990-1998). Durante todo esse período, fiz parte, em regime de tempo parcial, de equipas técnicas responsáveis por processos de treino e competição de clubes da ilha Terceira, que participavam em competições nacionais (II e III divisões) de futebol. No ano 2001, vim para Lisboa para trabalhar no Instituto Português do Desporto e Juventude como técnico superior e concluir o meu mestrado na FCDEP-UP, que, entretanto, tinha iniciado no ano 2000 e, em simultâneo, a partir de 2006, sou convidado para colaborar com a Federação Portuguesa de Futebol e com os seus Gabinetes Formação e de Seleções Nacionais. Finalmente, em finais de 2020, recebo o honroso convite para ser Diretor Regional do Desporto da Região Autónoma dos Açores (RAA), cargo que atualmente desempenho com o óbvio despreendimento de quem está a cumprir uma missão sem caracter definitivo, mas com grande responsabilidade e sentido do dever. E porque escolheu a área do Desporto para a sua formação superior? Quando percebeu que era esse o caminho a seguir? Julgo que terei respondido na pergunta anterior quando digo: A escolha da área do Desporto para a minha formação Universitária: - “…… começa, por incrível que possa parecer, na minha infância e juventude. E porquê? Porque esta foi uma fase da vida vivida de forma intensa, ativa e feliz. Intensa, porque o meio ambiente onde cresci permitia estar permanentemente em atividade física, em contexto natural ou codificado, e isso proporcionou um desenvolvimento motor com consequências no meu gosto pela atividade desportiva seja ela lúdica ou federada.” Foi este o facto, a par do interesse e gosto pela área do treino, que me levou à opção então tomada. Escolheu a FADEUP para o curso de mestrado. Porquê a FADEUP e de que forma a formação que obteve influenciou o seu percurso profissional? Na altura, 1999, a Direção Regional da Educação da Região Autónoma dos Açores tinha um protocolo com a FCDEF-UP que, para além da frequência no mestrado, permitia apoio à realização do mesmo, caso residíssemos e trabalhássemos nos Açores. Melhor explicado, promovia financiamento aos estudantes de mestrado para fazer face às despesas com a viagem e estadia na cidade do Porto, durante a fase curricular. Para além desse fator, acresce a particularidade de ter feito a minha formação inicial em Lisboa, o que me levou a acreditar que o mestrado numa outra academia, com visões distintas das iniciais e proporcionadas por professores de elevadíssima qualidade, com quem nunca tinha privado, poderia ser enriquecedore desta minha nova experiência formativa. Outro facto relevante é que iniciei os estudos de mestrado 13 anos após o início da minha experiência profissional, o que permitiu chegar ao desafio académico com outra bagagem prática que, disso não tenho dúvida, me possibilitou usufruir com prazer esta nova fase da minha formação. É desde 2020 Diretor Regional de Desporto da Região Autónoma dos Açores. Quais foram os maiores desafios que encontrou na função? O primeiro desafio é o mesmo que, julgo eu, todos os responsáveis públicos devem ter quando no exercício das suas funções: - Deixar melhor do que o que encontrou. Posto isto, temos uma primeira fase de estudo do “Estado da Arte”, para depois dar início à operacionalização das intenções. Como se operacionaliza? 1 – Identificando a realidade através de estudos cientificamente válidos, e isso está feito através do DESpertar e outros estudos a encomendar, que vamos abordar na resposta seguinte. 2 – Alterando normas legais, que subsistiam por demasiado tempo, com a intenção de modernizar a prática e fazer chegar os recursos a quem efetivamente mais necessita deles, e com eles mais desenvolvimento desportivo promover. 3 – Afinar e melhorar toda a contratualização publica feita com o Movimento Desportivo Associativo da RAA, de molde a que cada Contrato Programa tenha associado ao financiamento que promove fatores de desenvolvimento desportivo a “entregar” pelo segundo contratante à Região no final do Contrato Programa. 4 – Criar planos estratégicos que levem à consecução de três grandes objetivos: a) Antecipar e melhorar a intervenção na área do desenvolvimento motor, promovendo programas que façam chegar às crianças das idades mais baixas estimulação motora apropriada e desencadeadora de competências motoras adequadas ao escalão etário de cada um; b) Aumentar a prática desportiva Federada na RAA e, concomitantemente, que os praticantes desportivos da RAA entrem no circuito dos resultados de elevado mérito desportivo (pódios, participações em SN, participações em competições de elevado nível); c) Gerar uma onda de aceitação dos benefícios da atividade física na saúde e no bem estar, ao mesmo tempo que se cria um programa dedicado a fazer acontecer, em toda a RAA, oportunidades de prática física regular de natureza não competitiva, proporcionadas pela sociedade civil, movimento associativo desportivo e organismos oficiais, de molde a conseguirmos uma população mais ativa e preocupada com os seus índices de pratica física, que, por sua vez, levam à saúde a ao bem estar, despenalizando o Sistema Regional de Saúde e beneficiando o tecido produtivo da Região. Mencionou atrás o DESpertar, programa do qual foram recentemente apresentados os resultados e que se carateriza como projeto de larga escala, coordenado pela FADEUP, com envolvimento de investigadores de várias instituições, e que estudou os efeitos da pandemia de COVID-19 em 5330 crianças e jovens açorianos. Como é que o Diretor Regional do Desporto vê os resultados obtidos e o seu contributo para a definição de novas políticas regionais nas áreas da educação, saúde e desporto? Absolutamente essenciais para o trabalho que nos propomos. Aliás, considero impensável e até mesmo temerário que se definam políticas publicas sem termos um conhecimento profundo da realidade sobre as quais estas políticas vão interferir. Seria o mesmo que navegar sem bússola ou outro qualquer instrumento de navegação. Com o DESpertar, temos perfeitamente identificado o que caracteriza, em termos do desenvolvimento motor e da sua capacitação física, as nossas crianças e jovens, logo, reunimos – hoje – muito mais condição para, de forma transversal, sermos capazes de “atacar” os problemas que nos afetam e que, tendencialmente, podem evoluir exponencialmente até atingirmos um patamar de incompetência motora que afetará a nossa forma de viver. Estamos perante uma “Pandemia Motora” e, para esta, não são as farmacêuticas que têm a vacina, mas sim o Desporto e a Atividade Física. Com isso, estas duas atividades sobreditas ganham uma oportunidade única de se valorizarem socialmente, ao serem percecionadas como sendo de extrema importância para a resolução de um problema que se alastra de forma silenciosa e que eu chamaria de Incompetência Motora Máxima (IMM). No caso dos Açores, a IMM é altamente preocupante, porque promove duplo e triplo isolamento. Se não tens capacidades físicas e coordenativas para ultrapassares os obstáculos que a natureza, nestes contextos, exige, ficas ainda mais fechado no pequeno mundo da ilha, onde nem exploras o que te rodeia, por clara incapacidade. Essa limitação física reduz horizontes, com o risco agravado do mundo de cada um passar a ser, unicamente, virtual. Qual é a sua perspetiva sobre a relação entre as universidades, a investigação científica e as entidades governativas? Por mim, trata-se de um “casamento” indispensável para que possamos, irreversivelmente, definir com mais propriedade as políticas publicas necessárias à resolução dos problemas das populações que estão sob a responsabilidade de quem governa. No entanto, na minha humilde opinião, duas coisas têm de ser obrigatoriamente feitas: 1 – A Universidade tem de aprender a investigar em contextos mais reais e menos laboratoriais, aproximando assim o verdadeiro problema do investigador que conclui. 2 – A entidade governativa tem de saber muito bem o que quer conhecer. Tem, no mínimo, de saber o que é que não sabe e quer saber. Será o primeiro passo para o conhecimento. Acertando estas duas realidades, o conhecimento produzido fica muito mais próximo da solução necessária. Por que caminho deve seguir o Desporto dos Açores, particularmente em relação à formação de jovens atletas e ao desporto de alto rendimento? Uma aposta muito clara no caminho da nossa valorização competitiva. A nossa diminuta massa critica (lembro que o DESpertar testou 5300 crianças e jovens entre os 3 e os 18 anos num universo de cerca de 38.000), associada à, outra vez, natureza arquipelágica, faz-nos ter realidades de treino e competição muito débeis, por ausência de competitividade local e, por vezes, regional. Necessitamos continuar a exponenciar uma cultura de treino onde o volume e a intensidade continuem a crescer a par da qualidade da intervenção do treinador local. Posto isto, e associando à natural evolução socio económica da Região, consubstanciada numa muito maior aproximação à Europa, em particular ao Continente Português, por via do aumento das ligações aéreas que temos a baixo custo, vai-nos permitir aumentar e exponenciar o número de experiências competitivas que temos, valorizando, com isto, a melhoria no treino entretanto produzido. Trata-se, tão só, de um círculo virtuoso: mais e melhor treino, mais e melhor competição. A Direção Regional do Desporto já conceptualizou estes princípios: Mais e melhor treino: Significa mais duração na época desportiva, maior densidade (mais sessões de treino por espaço de tempo) e promoção de treino qualitativamente elevado. Mais e melhor competição significa épocas mais longas, densidade competitiva elevada, num clima de competitividade equilibrado e promotor de variabilidade dos adversários. Se conseguirmos isto num registo local, que aumentado para a exigência regional, levará à produção de valor competitivo capaz de ser interessante no panorama nacional e com possibilidades de “invadir “o espaço competitivo internacional. Voltando à FADEUP, do que sente mais saudade dos tempos de estudante da Faculdade? O ambiente universitário é ímpar e promove experiências intelectuais favoráveis ao teu desenvolvimento pessoal e profissional, e que nunca esquecerás. No meu caso, a fase curricular acontecia uma semana por mês e obrigava-me a ficar no Porto, a par com outro colega da Madeira. Foram semanas de profundo enriquecimento académico e que foram ajudando a desconstruir e tornar a construir o que, fruto de 16 anos de profissão e experiência, dava como dado adquirido. Para que isso acontecesse, muito contribuiu o Prof. Doutor António Natal, meu orientador de tese, com quem estabeleci efetivos laços de admiração e amizade. Esse abanão conceptual ainda hoje o recordo e, por mim, repetia-o de 10 em 10 anos, tipo vacina contra a ignorância. E desse período, há alguma história que possa partilhar connosco? No dia da avaliação final da tese de mestrado, o arguente principal vinha de outra academia e, por acaso, tinha sido meu professor na licenciatura. Nos slides da minha apresentação constava, de forma, julgava eu feliz, uma citação do sobredito arguente. Quando acabei apresentação e se iniciou a arguência, o professor em causa logo me foi dizendo: - Eu nunca disse aquilo que você diz que eu disse. Foi como um balde de água gelada que tivessem derramado sobre mim. Obviamente, entrei em pânico. Logo tudo se esclareceu. Na frase, deveria constar um ponto de interrogação, uma vez que a citação pretendia ser uma réplica a uma questão suscitada por ele num “paper” mais ou menos recente. Questão esclarecida, retorno à calma num episódio que não dará para esquecer. Qual é a sua maior realização? Para além dos meus filhos, eu diria que a conclusão do “DESpertar” em 2024. Trata-se de uma ferramenta absolutamente essencial para que nada fique como dantes. Temos um retrato cientificamente validado sobre a condição físico-motora das crianças e jovens desta Região. O “DESpertar” e os seus resultados tem a oportunidade, assim o permitam, de chegar a tempo de evitar algo que se pode constituir dramático no que ao desenvolvimento motor da nossa sociedade diz respeito. O que o estudo indicia é que caminhamos para uma sociedade maioritariamente constituída por gente com peso a mais, tendencialmente propensa às doenças próprias dessa condição de obesidade, com fortíssimas implicações no Sistema Regional de Saúde e na produtividade da economia açoriana. Para além disso, identifica-se baixos níveis da proficiência motora, onde se inclui as habilidades motoras básicas, e níveis de capacidade física pouco compatíveis com os mínimos satisfatórios. A minha preocupação não é tanto com o impacto que esta realidade possa ter nos futuros praticantes desportivos, mas sim com a perceção que temos de que caminhamos para uma sociedade constituída por elementos que não possuem níveis mínimos para serem ativos e felizes. E, para concluir, inatividade e infelicidade promovem uma equação que, garantidamente, não queremos resolver. Como ocupa os tempos livres? Com a família e amigos, e tratando de pequenas propriedades que dão rendimento a menos e trabalho a mais, mas que se constituem como um balsamo psicológico e um ótimo estímulo para o físico. Já dizia o grande Professor Noronha Feio: - “A natureza é o melhor estádio do mundo” Quer deixar algum conselho aos nossos estudantes? Sem querer parecer pretensioso, diria que os aconselho, no alto da minha provecta idade, a olharem o mundo que os rodeia com atenção, para depois tentar percebê-lo através da ciência, ou então aprender o que a ciência ensina e encontrar na vida fenómenos que possam ser explicados por aquilo que aprendemos. A ciência serve a vida, e a vida deverá alimentar a ciência. Julgo ser a melhor forma de criar competência. O que espera do futuro? No imediato e em termos teóricos, que consigamos criar um equilíbrio entre o natural e o artificial, entre o analógico e o digital, entre o trabalho e o lazer, entre a deceção e a satisfação e a alegria e a tristeza. Em termos práticos, como qualquer ser humano que se preze, gostaria de voltar a ver um mundo sem guerra e as alterações climáticas num processo de abrandamento, que nos possibilitasse, num curto prazo, controlar o que, para já, parece incontrolável. |