A Mariana foi estudante de licenciatura, mestrado e doutoramento na FADEUP. Quer falar-nos do seu percurso? O que tem feito após concluir a sua licenciatura? Tirei o curso de Desporto e Educação Física na FADEUP, na altura ainda FCDEF-UP, quando ainda estudávamos cinco anos para concluir a licenciatura, que era bastante abrangente e multifacetada. Esta incluía as aulas práticas e teóricas de múltiplos Desportos e de ciências do Desporto, uma opção a partir do terceiro ano (no meu caso, Treino Desportivo, vertente Andebol, com estágio pago como treinadora no Futebol Clube do Porto); e, finalmente, um quinto ano com uma tese de licenciatura e um estágio pedagógico na escola, já a sermos pagos como professores de primeiro escalão. Refiro este pormenor do “pagamento” porque penso que, na altura, não tínhamos a noção da sorte que era o nosso trabalho ser, de facto e com naturalidade, justamente ressarcido. Estamos em 2025, e continuo a ouvir histórias de jovens colegas (na área do Desporto e não só) que são convidados a fazer estágios sem sequer terem ajudas de custo, o que é de uma brutalidade e injustiça imensas. Em muitas situações, são os estagiários que levam as instituições para a frente com as suas ideias inovadoras, a sua energia e a sua paixão juvenil. Os estagiários devem ser acarinhados e não explorados – o facto de continuamente ter tido essa valorização no início da minha carreira levou-me a apaixonar-me ainda mais pela profissão e a querer dar sempre mais “pela camisola”! Voltando ao meu percurso: depois de acabar a licenciatura, continuei sempre a trabalhar como treinadora e professora no ensino público e, em paralelo, segui de imediato para o Mestrado em Gestão Desportiva, que também me deu imensas ferramentas para a vida (profissional e pessoal) e que, naturalmente, me encaminhou para a área da investigação científica. Quando acabei o mestrado, concorri imediatamente e consegui bolsa da FCT para ingressar no Doutoramento em Ciências do Desporto, na área da Gestão Desportiva, também na FADEUP. Ao mesmo tempo que estudava, nunca parei de dar aulas na escola pública e em escolas de dança, de organizar e gerir campos de férias e programas extracurriculares, de ser treinadora e jogadora de andebol, e de me voluntariar para eventos desportivos como, por exemplo, o Campeonato do Mundo de Andebol 2003, em Guimarães, ou, mais tarde, os Jogos Olímpicos de Londres 2012. Conto muitas vezes que, num dos anos, à segunda-feira trabalhava em cinco sítios diferentes e, no fim do dia, ainda ia treinar como atleta: a energia dos 25 anos é mesmo inesgotável! Durante o primeiro ano de doutoramento, surgiu a oportunidade de vir para a Bélgica continuar o doutoramento junto do meu orientador, na KU Leuven, ainda com o financiamento da FCT – e assim foi: o doutoramento, num grau conjunto entre as duas universidades, aprofundando a área sociológica, antropológica e psicológica do marketing desportivo, estudando adeptos de futebol e a sua presença nos estádios, foi concluído cerca de quatro anos depois, em que fui investigadora a 100%, enquanto continuei a jogar e também a fazer teatro aqui na Bélgica. Depois da defesa do doutoramento, tive que fazer uma escolha entre continuar na vida académica ou voltar a ser professora ou gestora desportiva. Não tive dúvidas: precisava de voltar a fazer o que me apaixonava desde a escola primária – organizar, liderar, ensinar, comunicar. Como queria ficar pela Bélgica, comecei a procurar oportunidades em escolas internacionais e entrei na British School of Brussels (BSB) como secretária do departamento extracurricular. Passado pouco tempo, fui promovida a coordenadora e, dois anos depois, estava à frente do departamento, como Diretora Desportiva. Depois de cinco anos nesta escola, mudei para outra, voltando às bases da minha formação como professora de Educação Física e explorando uma das minhas paixões, a dança – na Saint John’s International School, em Waterloo, dava aulas de dança a todas as turmas da primária, com um currículo construído de raiz por mim. Fui mãe pela segunda vez enquanto estava nesta escola e, como pedi para ficar em licença de maternidade durante algum tempo extra (uma possibilidade que o Estado belga oferece), não me prolongaram o contrato. Na altura, fiquei bastante afetada pela injustiça, mas rapidamente ultrapassei a tristeza, pois encontrei lugar numa escola alternativa, propositadamente pequena, localizada num edifício histórico, aproveitando os recursos locais, com o currículo internacional (IB curriculum), mas completamente focada no multilinguismo, na multiculturalidade, no amor pelo planeta e no desenvolvimento sustentável: a Courtyard International School, em Tervuren, onde estou há três anos e onde me sinto bastante feliz e integrada. Atualmente, além de aulas de Educação Física, dou aulas de Ciências do Desporto, sou orientadora de estágio, tenho um grupo de dança e sou coordenadora de todos os projetos escolares relacionados com serviço, criatividade e ação – nomeadamente o Duke of Edinburgh Award, ou o Junior Duke, entre outros. Porque escolheu a área do Desporto para a sua formação? Quando percebeu que era esse o caminho a seguir?
O Desporto esteve presente na minha vida desde que me lembro. Os meus pais eram professores de Educação Física e a nossa vida era sempre passada entre pavilhões, estádios ou parques. Desde miúda, que tinha a noção de que me sentia feliz a organizar os jogos de recreio, a comunicar diretamente com pessoas, e a pôr toda a gente a mexer e a trabalhar em conjunto. Comecei a ser treinadora e monitora de campos de férias aos 15 anos e nunca mais parei. Ironicamente, quando entrei para o ensino secundário, queria seguir Psicologia, e foi o meu professor de Educação Física do 12º ano, o Professor Cassiano Seixas, que me convenceu a ir fazer os pré-requisitos à FCDEF, só para ver como era - como é óbvio, apaixonei-me de imediato! Quais foram os aspetos da formação na FADEUP que mais influenciaram a sua carreira?
Os anos que passei na FADEUP foram incríveis em termos de aprendizagem – eu adorava (e adoro) aprender, e absorvia tudo o que os professores nos ensinavam. Aprendi algo importante com todos e todas! Houve, claro, alguns professores que me marcaram mais e, referindo apenas alguns: com a Professora Luísa Estriga e com o Professor Irineu Moreira, aprendi a importância de acreditar no nosso trabalho; com o Professor Pedro Sarmento e com a Professora Maria José Carvalho, apaixonei-me ainda mais pela Gestão Desportiva; com o Professor Rolim, aprendi a importância da criatividade com materiais desportivos - no caso dele, no Atletismo; com o Professor José Soares, aprendi a importância de saber comunicar ciência; e tantos outros que poderia mencionar! Acredito que o rigor científico, a importância do planeamento e de continuar a estudar e a aprender, e a multitude de áreas abordadas foram dos fatores que mais ficaram comigo. Trabalha há vários anos em escolas internacionais na Bélgica. Tendo também passado por escolas em Portugal, que principais diferenças identifica entre os dois contextos educativos? As escolas internacionais são muito diferentes entre si, e as três escolas onde trabalhei têm as suas particularidades. Portanto, não podemos falar em escolas internacionais como um todo. Se tivesse que assinalar algo comum - e comparando com as escolas públicas em Portugal - seria a flexibilidade que estas escolas têm para fazer mudanças, mesmo a meio do ano letivo, adaptando projetos, horários, atividades e calendário, em função do que é mais importante para os alunos. Os programas e o planeamento do ano letivo, quer curricular, quer extracurricular, são adaptados ao longo do ano, de ano para ano, e até dentro das turmas, em função do nível, interesse e capacidade dos alunos, para que todos possam usufruir da educação da melhor forma possível. E, muito importante: os dias são mais curtos (o horário escolar acaba entre as 15h30 e as 16h), e os alunos podem usufruir de atividades extracurriculares e/ou estar em casa cedo, para aproveitarem o tempo livre para estudar ou estar com a família. Há muitos mais dias com visitas de estudo, projetos, performances escolares, torneios desportivos, etc., porque as direções das escolas realmente acreditam que a educação é muito mais do que um programa com um exame no final. Parece-me que os professores em Portugal também acreditam nisto, mas o sistema é bastante mais pesado e burocrático, menos orgânico, e as mudanças demoram muito mais. Quando preparávamos esta entrevista, referiu que é habitual, nas escolas internacionais, os professores assumirem um leque alargado de funções, integrando de forma mais ampla a organização escolar. Uma das funções que chamou a atenção foi a de diretora desportiva, cargo que a Mariana já desempenhou. Em que consiste exatamente este papel? A Direção Desportiva é uma função que creio não existir no ensino público português, sendo que o mais semelhante seria, talvez, a Coordenação do Desporto Escolar. A grande diferença está na dimensão do programa extracurricular: na BSB, eu liderava e organizava toda a atividade duma equipa com cerca de 30 treinadores, dois assistentes administrativos, e 1500 alunos a praticar atividades extracurriculares todas as semanas (treinos desportivos, competições, atividade física recreativa, inscrições, organização de viagens e torneios, transportes, orçamentos, etc.). A maioria das escolas internacionais faz parte de ligas internacionais, sendo muito habitual os miúdos participarem em torneios noutros países e ficarem hospedados em casa de alunos da escola anfitriã. Em resumo, passa por gerir um clube desportivo multidisciplinar dentro duma escola. Desempenhou também a função de Professional Learning Partner, onde era responsável pela formação contínua dos professores na escola onde lecionava. Que prioridades ou preocupações têm, atualmente, as escolas internacionais — em particular as escolas belgas — no que diz respeito ao desenvolvimento profissional dos docentes? Mais uma vez, tenho de mencionar que diferentes escolas funcionam de formas distintas. Em comum, podemos encontrar que os dias de formação profissional não são dias retirados às férias ou fins de semana, acontecendo geralmente a meio dos períodos escolares; há sempre espaço para que as equipas disciplinares, ou que trabalham com um determinado ano escolar, tenham reuniões e possam trabalhar em conjunto; os professores têm também tempo para planeamento, organização dos seus espaços ou materiais, ou para estudar algum tema do seu interesse em particular. Outro fator que se encontra com frequência, é que os talentos dos professores que trabalham na escola são ‘aproveitados’ pela comunidade: se alguém tem casos de sucesso com algum tema educacional específico, é muitas vezes convidado a partilhar e organizar uma sessão. Alguns exemplos de temas muito discutidos recentemente são: como fazer a diferenciação na sala de aula, a importância da literacia nas várias áreas, o uso da tecnologia em sala de aula, a saúde mental, o multilinguismo, ou a verdadeira integração de alunos deficientes ou com necessidades diferentes da norma. Mais uma vez, realço a importância que é dada às particularidades de cada comunidade, não havendo soluções fixas ou obrigatórias. Também se dá bastante importância a mentores, que às vezes são colegas da mesma idade ou tempo de serviço semelhante, mas que têm tempo atribuído para observar aulas mutuamente e dar ideias de como melhorar algum ponto em particular.
Voltando à FADEUP, do que se recorda com mais saudade dos tempos de estudante da Faculdade? Fui super feliz como estudante da FADEUP e como jogadora da equipa universitária de andebol da U.Porto. Na FADEUP, recordo-me com saudade da energia que conseguíamos ter nas extenuantes aulas práticas matinais, depois de noites dançantes sem dormir; dos trabalhos de grupo por turnos, das discussões acesas sobre alguns assuntos, do eco feliz dos corredores; do cheiro do balneário, dos pavilhões e das pistas, dos três banhos por dia, dos treinos quase olímpicos para as avaliações; das torradas e das meias de leite escuras do bar, da simpatia e sentido de humor dos funcionários, das particularidades de cada professor, dos longos almoços na cantina seguidos duma sesta ao sol no campo de futebol, dos eventos em que participamos ou que organizamos, da passagem pela associação de estudantes, dos desfiles da queima que acabavam sempre em lágrimas. Da equipa de andebol da U.Porto lembro-me de todos os torneios nacionais e internacionais, em que celebramos vitórias ou choramos derrotas juntas; dos treinos em semana da Queima, das minhas irmãs de equipa (sendo uma delas mesmo a minha irmã!); das amizades que fizemos pela Europa – memórias maravilhosas! Recorda-se de alguma história que a tenha marcado enquanto estudante da Faculdade e que possa partilhar connosco? Uma história que faz sempre toda a gente rir-se comigo é a do meu melhor amigo, que não foi a nenhuma aula de História do Desporto e estudou pelos meus apontamentos - orgulho-me em dizer os meus apontamentos rodavam os colegas quase como sebentas! -, e tirou melhor nota do que eu!! Qual é a sua maior realização até hoje? Não sou muito de olhar para um momento isolado e valorizá-lo: somos a soma de todas as nossas ações e escolhas. Creio que me orgulho de ser fiel aos meus valores e de os defender, escolhendo a empatia, a equidade, o feminismo, a sustentabilidade - tento ser minimalista (mas ninguém me tira as plantas, os vinis e os livros!) - recuso ao máximo o consumismo, e já há alguns anos que por aqui tentamos comprar só em segunda mão. Considero que sou boa profissional, mas sempre assumindo o privilégio de ter nascido na Europa, num país pacifico e livre, numa família que me pôde dar condições económicas e sociais para eu explorar a minha vida desportiva e profissional desde cedo, que sempre me apoiou e acompanhou, permitindo-me sonhar. O meu objetivo é fazer o mesmo pelos meus filhos e esperar que eles tenham a mesma sorte de não encontrar obstáculos de maior na vida na procura dos seus sonhos. Vivemos num país incrível: a Bélgica é injustamente subvalorizada na Europa, pois oferece uma qualidade de vida excelente, em que o equilíbrio entre a vida familiar e profissional é a norma e os direitos humanos e dos trabalhadores são prioridade, e fico contente por ter encontrado estabilidade e casa aqui! O meu marido é português também, mas os nossos filhos têm dupla nacionalidade, sentem-se belgas e portugueses, falam três línguas e compreendem e abraçam a riqueza cultural - talvez seja esta a minha maior realização. Como ocupa os tempos livres? Que tempos livres? Com uma filha de 10 anos e um filho de 3 anos, estando no estrangeiro sem apoio familiar, não sobra muito tempo! Faço parte dum grupo de dança, na escola Dance Action, e temos treinos semanais. Eu e a minha filha gostamos de correr e participamos em corridas de vez em quando. De resto, tentamos aproveitar as inúmeras florestas e parques que temos à nossa volta, a pé ou de bicicleta, e, sempre que possível pegamos na nossa autocaravana e vamos, em família, para algum lugar pouco turístico e o mais afastado de multidões e tecnologias possível, onde existam boas paisagens e boas experiências gastronómicas! Quando consigo, leio um livro ou vou a um concerto ou festival de música, mas não tanto como gostaria. Quer deixar algum conselho aos nossos estudantes? Se eu pudesse falar comigo quando andava na Faculdade, daria dois conselhos: vai para a tuna e vai fazer Erasmus – não o fiz por responsabilidades com as minhas equipas desportivas, e, mais tarde, desejei tê-lo feito. O que espera do futuro? Espero, ou melhor, sonho que a tendência política e social que o mundo tem vindo a seguir se inverta e que caminhemos numa direção em que, como diria Sérgio Godinho, haja paz, pão, habitação, saúde, e educação para toda a gente; que a justiça ambiental, social e económica passe a ser prioridade em todas as agendas políticas; que a ciência, a cultura, o conhecimento e o enquadramento histórico vençam o preconceito. Que a humanidade resista! E já agora que as pessoas percebam cada vez mais que ser ativo fisicamente não só é importantíssimo para a sua saúde física como nos faz muito mais felizes. Pela minha parte, continuarei a tentar inspirar os meus alunos neste sentido, através de ensinamentos, mas também através do exemplo! |