Paulo Sousa


Tem 43 anos, é natural do Porto e reside em Cambridge, Ontário, no Canadá. 


Profissionalmente, é treinador de futebol. É analista de performance do Men's Youth National Program da seleção canadiana de futebol, e high-performance lead coach do OSU Soccer. 


"... sou o profissional que sou, muito graças à FADEUP. Devo dizer que me abriu as portas 

da multiculturalidade, do rigor da exigência, da disciplina, do prazer pelo conhecimento, da curiosidade e do compromisso com a nossa melhor versão.", Paulo Sousa

O Paulo foi estudante de licenciatura na FADEUP. Quer falar-nos do seu percurso?

Antes de mais, agradeço o convite. É com muito orgulho que afirmo ter-me formado na FADEUP. Cursei entre 2001 e 2006, com a variante de especialização em Alto Rendimento – no auge do ensino do futebol na Faculdade. Um departamento com os mentores Vítor Frade, José Guilherme, Júlio Garganta, José Soares, António Natal, entre outros. Tempos em que a famosa Periodização Táctica era ainda um ‘segredo’ nacional. Guardo com boas memórias, e muito carinho, os meus tempos de estudante. Aprendi bastante e sinto-me um privilegiado por ter estado em aulas com professores tão renomados como Olímpio Bento, Antonio Fonseca, José Maia, Antonio Cunha, Maria José Carvalho, Leandro Massada, José Oliveira, José Pedro Sarmento, Rui Garganta, Paulo Cunha e Silva, e tantos outros. Passei pelo período de transição de FCDEF para FADEUP, pela convenção de Bolonha, fiz parte do programa Erasmus, estágio integrado na licenciatura e muitas viagens ao CDUP. Lembro-me de horas de atividade física pelas manhãs (na água, nos aparelhos, no tartan, no pavilhão e na relva), e muita teoria na parte da tarde. Era uma exercitação do cérebro, muito mais do que calçar umas sapatilhas e correr à volta da pista.

Assim que concluí o curso, dei aulas de Educação Física em AECs e treinei em clubes de futebol de Gaia, de onde sou originário. Depois de uma primeira experiência internacional na Bélgica, entre 2003/04, emigrei para a Suíça, em 2013, e trabalhei numa escola americana – num pequeno vilarejo montanhoso, com 4.000 habitantes. Em 2015, mudei-me para o Brasil, onde fiquei até 2018, e trabalhei em São Paulo – com 20 milhões de habitantes – exclusivamente com o futebol. Foi uma realidade brutal. Amei o Brasil! Depois, Canadá, onde estou há 7 anos a trabalhar, a tempo inteiro, com o futebol de formação. As funções que acumulei ao longo destas duas décadas, para além de treinador, foram de director técnico, director de alta performance de formação e coordenador de camadas jovens.

 

E porque escolheu a área do Desporto para a sua formação? Quando percebeu que era esse o caminho a seguir?

Desde muito novo que sou um apaixonado pelo jogo de futebol, e sempre tive um gosto enorme pela a atividade física, de uma forma geral. Em criança, era muito ativo e, na adolescência, sabia que o meu futuro profissional se centraria na área do desporto e do ensino do futebol.

Enquanto ainda jogava, já sentia interesse pela área do treino, já palpitava a intenção de liderar o processo e me tornar um treinador de futebol. Quando desejo fazer algo, procuro fazê-lo com a melhor preparação e competência possível. Dessa forma, a FADEUP era quem melhor me iria preparar para esse futuro. E, para se ser melhor, é preciso estar entre os melhores. A partir desse momento, começou a minha missão!

Creio que, para muitos estudantes secundários do meu tempo, havia a ideia de que a Licenciatura em Desporto e Educação Física era, como se diz na gíria em inglês, “a walk in the park”, mas o curso da FADEUP era de uma exigência extrema – começando pelos pré-requisitos e pela quantidade de candidatos a nível nacional, que culminava com a seleção de apenas 100 por ano. Gosto de desafios, sobretudo daqueles que me dão prazer!

A minha família não tem um passado na modalidade, nem tão pouco na área do Desporto. Não tenho padrinhos no futebol e nunca fui indicado para trabalhar com treinadores ou clubes de renome nacional ou internacional. As fontes que me orientaram para este meio são todas indirectas, e vêm muito de treinadores de referência, da modelagem, de infindáveis horas de leitura e pesquisas, de observação de comportamentos, jogos, equipas e da história da modalidade. Figuras como Eriksson, Capello, Lippi, Ancelotti, Valdano, Van Gaal, Ferguson, Wenger, Guardiola, Bielsa, Simeone e, claro, Mourinho!

É importante dizer que todos os meus colegas de especialização – a paixão e sonhos que muitos de nós carregavam - era o alento que fomentava o desejo de seguir este caminho. E, sem dúvida, que as centenas dos meus atletas, o seu desenvolvimento e a pureza de serem jovens jogadores foram quem sempre alimentou esta caminhada, a felicidade de estar onde estou hoje e fazer o que amo. 

 

Quais foram os aspetos da formação na FADEUP que mais influenciaram a sua carreira?

Todas as histórias de vida se escrevem com base no passado - nas nossas origens, vivências e formação. E hoje, sou o profissional que sou, muito graças à FADEUP. Devo dizer que me abriu as portas da multiculturalidade, do rigor da exigência, da disciplina, do prazer pelo conhecimento, da curiosidade e do compromisso com a nossa melhor versão. Ensinaram-me a importância do processo acima do resultado, do valor de que o bom não é excelente, e o excelente não é ótimo. Além do conhecimento, do hábito de ler, ensinaram-me o valor do pensamento crítico, de pensar para agir e de agir para, de novo, pensar; da evidência científica e do poder dos critérios. Ensinamentos paralelos, de que a qualidade estará sempre um passo à frente da quantidade, e de que mais vale estar preparado e não ter a oportunidade, do que ter a oportunidade e não estar preparado.

 

Tem dedicado a sua carreira ao futebol de formação, tendo acumulado experiência em diversos países, como nos contou. O que o motiva no futebol de formação?

É verdade, são já 20 anos ligado à formação. Trabalhei desde os sub4 até aos sub20.

Em Portugal, clubes como Vilanovense, SC Arcozelo, Seleções de Gaia, Canelas Gaia, CD Candal; no Brasil, trabalhei três anos num dos pólos da Academia do São Paulo FC; e, no Canadá clubes como London TFC, Cambridge United, Burlington SC e, atualmente, Ottawa South United - todos com um contributo incalculável de experiências que moldam a minha personalidade como treinador.

Trabalhar com jovens, numa modalidade que eles amam, enquanto vivem as suas vidas no auge do sonho, sem os compromissos da vida adulta, e ver o seu desenvolvimento, é algo gratificante.

Eu acredito que o jogo pertence aos jogadores e que nós, treinadores, estamos no processo para guiá-los. Então, a nossa motivação tem de ser genuína, profunda – com base no respeito, no trabalho em equipa, na disciplina, na autonomia, na responsabilidade – que são valores que ficam para vida e para outras áreas profissionais.

O treinador de formação é um agente de transformação, de decisões, de adaptações a diferentes contextos, de persistir diante das dificuldades. Deixar um legado em cada jovem, para que um dia se torne um adulto melhor e, quem sabe, um jogador profissional preparado, é muito recompensador.

E ensinar a longo prazo, ter carinho e aprender constantemente a cada grupo, cada atleta e cada desafio, é um oportunidade de crescer e ser melhor também.

 

Assumiu, muito recentemente, a função de analista de performance do Men’s Youth National Program da seleção canadiana de futebol. O que espera deste novo desafio? 

Muita aprendizagem, dedicação, exigência e sucesso. Ter a oportunidade de trabalhar com um projecto desportivo nacional, com staff competente e atletas jovens de enorme potential é algo que se tem de se assumir com tenacidade.

O crescimento do futebol no Canadá tem sido exponencial, e a sua multiculturalidade é um diferencial. Quando vim para o Canadá, em 2018, a seleção masculina era a nº 98 no ranking FIFA – atualmente é nº 30! Representar uma nação, independentemente da função, é um privilégio.

Este país é uma parte significativa da minha vida profissional e pessoal – a minha filha é canadiana, em breve estarei no meu processo de cidadania, e este país ofereceu-me a estabilidade financeira, segurança, uma certa qualidade de vida e a prosperidade que, infelizmente, noutros países seria difícil de obter com a profissão que exerço.

Este será um trabalho sazonal, baseado em concentrações das seleções masculinas de sub15 e sub16: teremos digressões à Polónia, Guadalupe, México, e a intenção é prepará-los para as qualificações da CONCACAF e Campeonatos do Mundo de sub17.

Acumularei esta função com um outro novo desafio profissional – o de High-Performance Lead Coach – que abracei recentemente na capital do país, em Ottawa, com o OSU, clube com mais de 10.000 futebolistas.

 

Quais são as principais diferenças no trabalho de um analista de performance com jovens atletas, em comparação com jogadores mais experientes?

As bases da função são semelhantes, o que muda é o nível do detalhe e, claro, a margem de erro! Com jovens, trabalhamos com base no potencial, no futuro, e totalmente focados no desenvolvimento do atleta. Nos adultos, a linha orientadora é a performance, o resultado e o presente.

Acredito que, na formação, se foca mais no processo, e, no profissional, no produto.

A minha função baseia-se na colaboração em treino, na observação, recolha e interpretação de dados e imagens para ajudar no desenvolvimento dos atletas e na melhoria do processo de treino/jogo – individual e colectivamente.

Identificar comportamentos e padrões de jogo em relação ao nosso modelo; também análise do adversário e catalogação da video-transmissão direta no jogo, através de recursos tecnológicos, para transmitir informação in loco aos treinadores. 

A ideia é auxiliar os intervenientes com tomadas de decisão mais conscientes, objectivas e factuais.

 

Voltando à FADEUP, do que se recorda com mais saudade dos tempos de estudante? 

Abri um sorriso na cara! Muitas saudades dos meus amigos – sem nomear, porque seria injusto se esquecesse alguns. Grandes companheiros(as)!

Tenho saudades dos convívios entre as aulas, das horas no refeitório, das viagens em grupo para e do CDUP. Das bricandeiras de balneário. Das pesquisas e trabalhos na biblioteca da Faculdade. Das milhentas fotocópias que tirávamos. Das aulas ricas em ensinamentos. Do malabarismo da ginástica, que nunca pensei ser capaz de executar, e das infindáveis piscinas que fazíamos – nunca havia sentido sudação na água. Das correções detalhistas do atletismo. Dos meus tempos de Erasmus. De cada ano da Queimas das Fitas!

 

Recorda-se de alguma história que o tenha marcado enquanto estudante da Faculdade e que possa partilhar connosco? 

As mais divertidas não posso contar! Uma que recordo como diversão era como nos vestiamos para as aulas de Ginástica – calção branco, manga à cava branca por dentro do calção e sabrinas brancas – sem excepção à regra.

As aulas de trampolim ou de trave eram a especialidade das gargalhadas silenciosas.

Uma curiosidade: éramos ordenados em turmas por ordem alfabética, pelo primeiro nome, e tinhamos turmas separadas no mesmo ano - uma só de raparigas, ou mista, e outras duas só de rapazes. E, claro, as aulas dos Professores Massada e Vítor Frade eram emblemáticas – hoje, o regulamento linguístico seria ‘ajustado’!

 

Qual é a sua maior realização até hoje? 

Há um ditado que diz: faz aquilo que amas, ou ama aquilo que fazes! Sinto-me um privilegiado em poder exercer uma profissão que me orgulha.

Pessoalmente, a maior realização é o nascimento da minha filha – não há palavras para descrever a emoção que é ver um ser humano nascer a partir de outro, e a força indescritível pela qual a mulher passa. Constituir uma família e prezar pela sua segurança, saúde e felicidade é a maior realização que alguém pode ambicionar.

Profissionalmente, aprendi que, em vez de limitar os meus desafios, decidi desafiar os meus limites.

As maiores realizações foram um projecto de 5 anos executado no Canelas Gaia, ressuscitando um clube das cinzas e impactando o crescimento de jovens atletas, que passaram de mais de 70 golos sofridos por época até apenas 8 em 24 jogos, em 2010/11.

E, recentemente, em 2022, ter sido campeão da Liga Provincial de Ontario (OPDL) com os sub14 do Cambridge United, uma equipa composta por 85% de rapazes formados no clube,  conseguindo uma marca de 18 vitórias, 1 empate e 1 derrota (5 pontos perdidos) – o que é um recorde na categoria desde a criação da liga.

 

Como ocupa os tempos livres? 

Com experiências, essencialmente com a minha esposa Camilla e a minha filha Melissa. Também gosto de ler, ver documentários, ouvir música e, obviamente, ver jogos de futebol (de toda a parte do mundo).

Reflito bastante sobre o meu passado e o meu presente. Viajo anualmente, mas gostaria de poder viajar mais – sobretudo para aproveitar mais o tempo com as minhas famílias em Portugal e no Brasil, e amigos. Muitas saudades! O tempo não se compra.

 

Quer deixar algum conselho aos nossos estudantes? 

Um dos maiores ensinamentos que aprendi, que não vem nos livros, é a flexibilidade. Parece um contrasenso, mas para sermos consistentes precisamos de ser flexíveis. Não devemos fechar as portas ao desconhecido, à verdade do outro e devemos nos eliminar preconceitos. Portugal é um país excelente, povo amigo, descobridor, mas também complicado, dramático e, por vezes, arrogante. Infelizmente, ainda há um preconceito estrutural inconsciente. O memorável lutador Muhammad Ali tem uma expressão que diz: “uma luta nunca é ganha a caminho do ringue, mas pode ser perdida.” O começo de tudo é não acharmos que somos maiores que o mundo, ou que sabemos mais que os outros. Ser humilde! Ter carácter, ter ética e ser honesto é fundamental, especialmente quando se trabalha com pessoas ou na educação. Talvez o meu maior conselho seja dizer que em todas as áreas da vida a competência é muito importante, mas a competência coloca-te à porta. A atitude é o que te mantém lá!

  

O que espera do futuro?

Sou um saudosista e nostalgico nato! Um apologísta da globalização, mas creio que a sociedade moderna, devido às grandes transformações sociais e ao impacto do mundo tecnológico tem esquecido tradições e valores ao longo do tempo. Tudo é apressado, a informação exaustiva e o capitalismo só aumenta a desigualdade. Perdeu-se o respeito pelos mais velhos, a socialização cara-a-cara, a conexão com a natureza, as brincadeiras de rua e a atividade física não estruturada. Hoje no mundo, tudo tem um preço, mas quase nada tem valor, e as poucas coisas que têm valor, poucas pessoas sabem como apreciá-las. Eu espero um futuro mais justo, menos desigual, mais experienciado e com mais tempo para as pessoas desfrutarem dos prazeres da vida e das conexões.

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