O Pedro foi estudante de doutoramento na FADEUP. Quer falar-nos do seu percurso profissional? Tal como vários recém-licenciados em Ciências do Desporto, comecei a lecionar aulas de Educação Física em escolas públicas, em 2002. Estive no ensino da Educação Física e Desporto Escolar durante cerca de 10 anos, tendo, durante esse período, trabalhado em vários clubes ao nível do futebol de formação - nomeadamente no VSC Guimarães, Boavista FC e SC Salgueiros. Os primeiros passos foram dados no clube da terra, o CR Ataense, igualmente no treino de jovens. Ainda tive uma curta passagem pelo futebol profissional do Boavista. Em 2011, interrompi a minha prática como treinador e professor de Educação Física para me dedicar ao meu doutoramento na FADEUP. Só mais tarde, após a conclusão do doutoramento, comecei a trabalhar no futebol profissional. Fui para a Rússia, em 2015, trabalhar no Zenit de St Petersburgo com o André Villas-Boas e, depois, fiz todo o meu percurso profissional com ele, mais tarde, na China, no Shanghai SIPG, e depois em França, num clube apaixonante como é o Marselha. Atualmente, sou Diretor de Performance no FC Porto. Porque escolheu a área do Desporto para a sua formação? Quando percebeu que era esse o caminho a seguir? Percebi tarde, na verdade! Não foi algo que planeei quando ainda era estudante de secundário, a entrada num curso de Desporto. Iniciei os meus estudos na área da Gestão e Economia, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), onde frequentei o curso de Gestão durante dois anos. Porém, durante a minha infância, pratiquei vários desportos - karaté, natação, ténis, futebol e voleibol. Mais tarde, já na UTAD, joguei pólo aquático durante cinco anos na equipa da universidade, que disputava o campeonato nacional. E foi mais ou menos aí que surgiu o interesse pelo estudo do Desporto e atividade física. A maior parte dos meus colegas de equipa eram alunos do curso de Desporto da UTAD. No prédio onde morava, os meus vizinhos também eram quase todos alunos de Desporto. Todos os dias de manhã eles saíam para as aulas de fato de treino e eu saía com uma mochila cheia de livros, e passava as manhãs sentado a assistir a aulas teóricas. Um dia cheguei a casa e disse aos meus pais que queria mudar de curso. Quais foram os aspetos da formação na FADEUP que mais influenciaram a sua carreira? Acima de tudo, a qualidade dos professores e o nível de exigência da escola. Convivi de perto com docentes incríveis, que me motivaram para dar o melhor de mim. Acabei por me tornar docente (professor convidado) no Gabinete de Futebol durante o meu processo de doutoramento, tendo o privilégio de privar de perto com professores como Júlio Garganta, o António Natal e José Guilherme, que eram autores que eu estava habituado a ler e ouvir em cursos. Portanto, aquelas pessoas que eu tinha como referência, um dia passei a tê-los como colegas e a privar com elas dentro do gabinete. Foi, definitivamente, algo que me moldou de forma muito positiva enquanto profissional. Depois, fora do Gabinete de Futebol, havia outros docentes que também eram incríveis - dos melhores do mundo nas respetivas áreas. Lembro-me de uma vez, quando iniciamos o Programa Doutoral, estarmos - eu e os meus colegas - no auditório. Por lá passaram alguns deles, a dar-nos as boas-vindas e a explicar um pouco aquilo que era esperado de nós. Colocaram logo a fasquia muito alta, como é apanágio nesta escola. Mas um momento, para mim, sublime, foi quando o professor António Maia nos leu um poema. Naquele momento, pensei para mim mesmo: "um dia quero ser assim". E porque escolheu a FADEUP para o curso de doutoramento? Foi devido, um pouco, às circunstâncias do momento. A minha licenciatura foi na UTAD porque era onde já estava a estudar antes de mudar de curso. Portanto, naquela altura, porque já tinha formado ali o meu círculo de amigos, já não queria sair de Vila Real (mesmo sendo do Porto) e queria fazer a licenciatura lá, onde tive também bons professores. Quando terminei a minha licenciatura, quis iniciar de imediato o meu mestrado em Treino de Alto Rendimento. Entrar no Porto era difícil, porque, na altura, o mestrado desenrolava-se durante uma semana por mês, se bem me recordo, durante horário laboral. Para mim, que era recém-licenciado e necessitava de trabalhar, era muito complicado conciliar os horários da escola onde dava aulas com os do mestrado no Porto. Então, candidatei-me ao mestrado da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), cujas aulas eram às sextas-feiras à tarde e aos sábados de manhã, durante o ano curricular. Nas escolas onde lecionava na altura, foi-me sempre facultado esse horário livre para poder ir para Lisboa à sexta-feira. Terminei o mestrado em 2006 e, em 2009, candidatei-me ao doutoramento na FADEUP. Na altura, já lecionava perto de casa e conseguia ir às aulas do Programa Doutoral em Ciências do Desporto na FADEUP, mas depois quis mesmo sair do ensino da Educação Física para me dedicar a tempo inteiro ao doutoramento, e concorri a uma bolsa da Fundação para a Ciências e a Tecnologia. A FADEUP era uma escola onde, definitivamente, eu queria concluir um grau académico - pelo prestígio que tinha (e tem), pelos professores que eu gostava de ouvir e, naturalmente, por ser a escola da cidade onde resido. O destino ditou que fosse a FADEUP o meu último reduto, mas não estou arrependido. Estudar em três Escolas diferentes foi uma experiência muito boa, porque me permitiu ouvir pessoas diferentes, com abordagens diferentes aos mesmos problemas e matérias. Nos EUA, por exemplo, não é permitido obter diferentes graus académicos na mesma Universidade. Os alunos são encorajados a mudar de instituição e a ouvir pessoas diferentes. O Pedro é atualmente Diretor de Performance do FC Porto. Quer explicar-nos resumidamente no que consiste e qual a abrangência da sua função? A minha função abrange todas as áreas que impactam diretamente o rendimento físico dos jogadores. Isso inclui a coordenação do treino físico, a monitorização da carga de treino, a prevenção de lesões, a recuperação, a nutrição e o suporte tecnológico e científico ao treino. Trabalho em articulação com os treinadores, preparadores físicos, médicos e fisioterapeutas, para garantir que cada jogador está na sua melhor forma possível, tanto a nível individual como coletivo. No fundo, o nosso objetivo é otimizar o desempenho desportivo, de forma sustentada, ao longo da época e da trajetória de desenvolvimento de longo prazo dos nossos jovens. Outra área que, no FC Porto, está enquadrada dentro da performance é o Data Science, que foi um gabinete criado por mim e com pessoas que eu recrutei, para darem o aporte objetivo de informação que um clube moderno necessita para tomar decisões relativamente a diferentes áreas (scouting, análise, identificação de talentos, etc.). Este gabinete tem tido um impacto forte no clube, pela forma como tem guardado e armazenado informação sensível e muito relevante para as decisões que são tomadas diariamente. Por fim, estamos também a lançar agora, juntamente com a FADEUP, as bases de um projeto de cineantropometria para avaliar jovens jogadores. Quais os principais desafios que tem encontrado enquanto Diretor de Performance de um clube de topo do futebol mundial? No FCP, o principal desafio tem sido recuperar o tempo de atraso que tínhamos para os nossos rivais, dado que este departamento não existia, formalmente, no clube. Ou seja, não existia uma estrutura organizada apenas para dar resposta aos problemas da performance. Criar tudo de raiz tem sido desafiante, porque o clube não estava preparado, nem estruturalmente, nem metodologicamente, para esta mudança. Esta injeção de inovação ao nível do treino e da forma como tratamos agora os dados e a informação é um processo que demora, mas temos superado com sucesso várias dificuldades. O caminho faz-se caminhando, e já evoluímos muito neste primeiro ano. Ainda há muito mais caminho a percorrer - e haverá sempre caminho a percorrer - mesmo quando acharmos que já atingimos os nossos objetivos. Quais as tendências que vislumbra para a área da performance no futebol de elite nos próximos anos? O treino está em constante evolução. Graças à qualidade de investigação que temos atualmente, sabemos mais sobre esta modalidade do que há 20 anos. O ritmo de publicação aumentou consideravelmente, ao ponto de ser praticamente impossível acompanhar tudo o que sai sobre uma determinada área de estudo. O conhecimento em áreas muito específicas está a aumentar a um ritmo muito elevado, e um novo desafio está aí ao virar da esquina - a inteligência artificial está já a mudar a forma como se trabalha em áreas como a medicina e a bioengenharia, apenas para citar alguns exemplos. Temos de estar preparados para implementar esta poderosa arma no clube, sob pena de sermos ultrapassados por clubes, em teoria menores, mas mais preparados ao nível da inteligência e da forma como utilizam os dados para tomar decisões estratégicas. Na minha opinião, o principal desafio da performance no curto prazo, será dar resposta à crescente sobrecarga de jogos, viagens e carga de jogo/treino do futebol. O jogo tem estado em permanente mudança, e não sabemos se - e quando - irá estagnar algum dia. Desenganem-se aqueles que pensam que o futebol de 2025 ainda se joga como em 2010. Muita coisa mudou neste curto espaço de tempo, principalmente a intensidade física com que se joga hoje em dia (assim como as decisões táticas em jogo acopladas a essa intensidade). Será necessário inovarmos os processos de recuperação, de construção e rotatividade dos plantéis e, principalmente, de seleção dos melhores jogadores com maiores capacidades para dar resposta às exigências do futebol moderno. Voltando à FADEUP, do que se recorda com mais saudade dos tempos de estudante da Faculdade? Do convívio com colegas no refeitório e das nossas tertúlias. Recorda-se de alguma história que o tenha marcado enquanto estudante da Faculdade e que possa partilhar connosco? Durante o meu tempo de estudante e professor convidado, tive oportunidade de participar nos jogos de futebol científico, que opunham, na maioria das vezes, professores contra estudantes. A duração dos jogos era indefinida, porque só acabavam quando os professores estivessem a ganhar. Qual é a sua maior realização até hoje? A minha maior realização, até hoje, são os meus filhos e a minha família. Se me referir estritamente ao plano profissional, foi, sem dúvida, ter conseguido trabalhar num nível muito alto e com jogadores de elite. Já tive o privilégio de percorrer o mundo graças ao futebol, de jogar a Champions League e de ter conquistado alguns troféus. Mas aquilo que fica são as experiências e as relações com pessoas que fui conhecendo ao longo do caminho. Como ocupa os tempos livres? Com a família, gosto de ver os treinos e jogos de voleibol da minha filha e de brincar com o meu filho mais novo, que é um menino neurodivergente e requer muita atenção nossa, mas que nos ensina coisas novas todos os dias. Gosto de praticar atividade física, nomeadamente musculação e BTT-Enduro. Literatura e cinema com a minha esposa são as artes que deviam preencher mais o nosso quotidiano, porque gostamos muito, mas os nossos filhos e o FCP têm-nos impedido de lhes dedicar o tempo que gostaríamos. Quer deixar algum conselho aos nossos estudantes? O mercado de trabalho está muito competitivo e exigente, mas os profissionais competentes e muito bem qualificados terão sempre o seu lugar ao sol. O empenho que colocam na vossa formação académica e profissional será determinante. Mantenham-se atualizados, ambiciosos e arrisquem... sem medo! O que espera do futuro? Menos ignorância e mais conhecimento direcionado para evoluirmos no que é verdadeiramente relevante para a Humanidade. |