Rui Garganta


Tem 66 anos, é natural e residente na cidade do Porto. 


Foi durante quase quatro décadas docente da FADEUP, tendo-se aposentado recentemente.


"Sinto-me realizado quando estudantes “mais velhos” vêm ter comigo

 com um sorriso na cara, dizendo-me que, para além do que aprenderam,

 passaram “bons momentos” nas minhas aulas.", Rui Garganta

O Professor foi durante cerca de quatro décadas docente do ensino oficial e da Faculdade, de onde se aposentou este mês de setembro. O que o motivou a ser professor?

Quando eu tinha 20 anos, não tinha bem a noção do que queria ser profissionalmente. Só mais tarde, porventura no segundo ano do curso de Educação Física (EF) no Instituto Superior de Educação Física do Porto (ISEF) [ndr: atual FADEUP], é que percebi que ser professor parecia ser uma opção interessante. Mas foi durante o curso de EF que “conheci” a pirâmide da aprendizagem e percebi que ensinar era a forma mais eficiente de aprender… A ensinar aprende-se imenso!

 

E porquê a área do Desporto? Quando percebeu que era esse o caminho que gostaria de seguir?

Antes de tudo porque nasci e cresci num contexto muito favorável ao Desporto. Vivi pertíssimo de um clube desportivo, o Clube Fluvial Portuense, que me proporcionou um conjunto de vivências desportivas que moldaram o meu futuro. Foi no Fluvial que aprendi a nadar e a jogar diferentes desportos durante toda a minha infância e adolescência. Foi esta vivência que me permitiu depois jogar voleibol federado e ser treinador ainda no Clube Fluvial Portuense.

Seguir o caminho do Desporto teve também muito a ver com o facto do meu irmão, o Professor Júlio Garganta, que também foi professor na FADEUP, ter ido estudar para o ISEF. Comecei a treinar com ele para os Pré-requisitos cerca de 2/3 anos antes de eu terminar o meu 12º ano e foi com este cenário de fundo que tive a certeza que o Desporto iria ser esse o “meu” percurso profissional!

 

Gostava que nos falasse um pouco da sua ligação à Faculdade. Como se iniciou essa ligação? Que memória guarda desses primeiros tempos?

Depois de terminar o bacharelato - na altura ao 3º ano - fui lecionar Educação Física para a Escola Secundária Aurélia de Sousa. Entretanto, dei aulas em mais três escolas do ciclo preparatório e do ensino secundário na região do Porto e tive de cumprir serviço militar. Depois disso, fui colocado em Lordelo de Paredes para fazer o Estágio Pedagógico em Educação Física, algo que, felizmente, não concretizei! Naquela altura, ir para Paredes era uma aventura: demorava-se “imenso” tempo. De transporte público, pois não tinha veículo próprio, precisava de 2 horas para lá chegar e mais duas para regressar a casa. Com o tempo letivo, passava cerca de metade do dia em “tarefas escolares”! Entretanto, deu-se aquilo que, na altura, pensei ser uma espécie de “milagre”: abriu uma vaga para o ISEF para lecionar a cadeira de Voleibol. O milagre concretizou-se em 1988.

Nesse tempo, o ISEF tinha umas instalações modestas, que ficaram conhecidas como “os barracões”. De forma irónica, dizíamos que tínhamos a maior faculdade do mundo, pois os alunos tinham aulas no polo da Arrábida, na Boa Hora, em Biomédicas e junto à Escola Rodrigues de Freitas…

Foi nesse cenário que comecei a dar aulas de Voleibol nas instalações do CDUP da arrábida. Apesar das instalações modestas, eu gostava de ser professor e sentia-me muito realizado, pessoal e profissionalmente.

A ligação ao ISEF foi muito fácil, visto que voltei para a “minha cidade” para fazer algo que adorava: dar aulas no ensino superior.

As memórias que guardo desse tempo são excelentes porque, apesar das condições não serem as melhores, dávamos sempre o nosso melhor e, como costuma dizer-se, “quem corre por gosto não cansa”!

 

Qual foi o maior desafio que encontrou enquanto professor?

Penso que foi procurar mostrar aos alunos o quão importante é a sua formação e o seu empenho durante o curso e na sua vida! Várias vezes os chamei à atenção de que a forma como encaram o curso é idêntica à forma como encaram a vida. Por isso, se quisessem ser bons profissionais, tinham de ser bons nas atitudes e no trabalho diário! Confesso que fiquei, algumas vezes, desiludido, porque pensava que quem ia para um curso superior devia estar com elevados níveis de motivação… Infelizmente, cada vez se nota menos isso. Muitos alunos, estranhamente, vão para o curso sem terem a mínima noção que estão num “nível superior”.

 

Com quase 40 anos como professor universitário, certamente muita coisa mudou nesta área. Que mudanças mais significativas encontra na docência atual relativamente ao início da carreira?

Sinceramente, não vi grandes mudanças no ensino propriamente dito. O que mais notei foi a alteração da mentalidade dos alunos! Reconheço, no entanto, que a “culpa” deve ser partilhada entre quem procura ensinar, os professores, e quem pretende aprender, os alunos. O nosso sistema de ensino continua inadequado.

Revejo-me na seguinte sugestão do Professor José Pacheco, que “criou a Escola da Ponte”: “Não é aceitável um modelo educacional em que alunos do século XXI são 'ensinados' por professores do século XX, com práticas do século XIX". Esta ideia descreve um descompasso educacional, onde a estrutura escolar ainda se baseia em modelos antigos, os professores operam com metodologias ultrapassadas e os alunos são nativos digitais, com novas expectativas de aprendizagem”

Para além disso, o acesso à informação mudou radicalmente. Quando eu era estudante, e quando eu comecei a dar aulas no ensino superior, tínhamos um problema: a “falta de informação”. Não tínhamos biblioteca e era costume ir ao ISEF de Lisboa “recolher” uns artigos científicos e ler livros da nossa área. Nessa altura, a informação e o conhecimento eram muito restritos. Hoje, o problema está no excesso da informação. Com as redes sociais, atomizou-se a informação em milhares de sites, blogs, podcasts, etc. Por isso, o problema atual já não é encontrar a informação, mas validá-la. Mas esta validação dá cada vez mais trabalho!

 

Olhando para o longo percurso enquanto docente, o que gostaria de dizer ao Rui Garganta profissional da FADEUP?

Penso que tens a noção de que fizeste várias coisas mal feitas, mas conseguiste ser um “Bom” Professor porque, como profissional, nunca te conformaste e seguiste uma das máximas sugeridas pelo professor e filósofo Mário Sérgio Cortella, "Faz o teu melhor, na condição que tens, enquanto não tens condições para fazer melhor ainda”. 

 

Se o Professor Rui Garganta tivesse de escolher “o momento” da carreira, qual seria esse momento?

Talvez escolhesse o dia da apresentação do meu doutoramento, ou seja, o dia em que validaram um dos desígnios mais importantes como profissional de uma academia! Trata-se de um marco importante em termos académicos, profissionais e pessoais. É algo que exige grande empenho e capacidade para seguir em frente, independentemente das “pedras” que nos vão sendo colocadas no caminho!

 

Que imagem gostava que os seus estudantes guardassem do Professor Rui Garganta?

A imagem de um professor que gostava muito de “dar aulas”, que ouvia os seus estudantes, dentro e fora do espaço letivo e que procurava criar um clima de aula favorável à aprendizagem. Sempre me identifiquei com o título de um dos livros do psicólogo e formador João Leite "Ninguém aprende de trombas". 

 

Com tantos anos de Faculdade certamente passou por alguns momentos marcantes. Lembra-se de alguma história que possa partilhar connosco?

Uma das histórias que mais me marcaram como professor foi-me “oferecida” por uma amiga minha, que me disse que o seu sobrinho tinha entrado para a FADEUP, não tinha gostado e até tinha desistido! É claro que pretendi perceber por que motivo é que ele tinha desistido. A resposta dela foi bem estranha: “Ele disse que tinha de estudar muito”. Foi nessa altura que entendi que muito dos alunos que entram na nossa Faculdade pensam que vão para um clube desportivo ou ginásio, onde podem fazer uns desportos, treinar e ainda tomam banho… Fico um pouco preocupado porque, essa mentalidade não é rara!

 

Em duas ou três palavras, a sua passagem pela Faculdade…

· Paixão 

· Superação

· Exigência

 

Qual é a sua maior realização?  

Sinto-me realizado quando estudantes “mais velhos” vêm ter comigo com um sorriso na cara, dizendo-me que, para além do que aprenderam, passaram “bons momentos” nas minhas aulas. Acho, por isso, que os marquei no seu percurso enquanto profissionais de Desporto. Curiosamente, alguns estudantes levavam as namoradas ou amigos para assistir às minhas aulas. Eu apenas vinha a saber depois...

 

Como ocupa os tempos livres?

Agora tenho mais disponibilidade para ler e fazer o que quero. Continuo fisicamente ativo e tenho sido convidado para fazer algumas conferências em escolas, dar formações em clubes de fitness. Tenho alguns projetos relacionados com a avaliação física e estou ligado, desde 2010, à “Be-Ergo”, uma empresa que se dedica à promoção da Saúde em Ambiente Laboral, à qual posso agora dar mais atenção.

 

Quer deixar algum conselho aos estudantes da Faculdade?

Ninguém consegue ser bom sem seguir as palavras que citei anteriormente:

· Ter paixão pelo que se faz;

· Procurar a superação;

· Ser exigente sem esquecer que o erro faz parte do processo.

Em suma, volto a repetir a frase do Prof. Cortella, porque entendo que deve ser uma espécie de farol para todas as pessoas: "Faz o teu melhor, na condição que tens, enquanto não tens condições para fazer melhor ainda”

 

Que planos tem para o futuro?

Essencialmente, procurar não parar e continuar os projetos que mencionei. Acho que tenho alguma experiência para ajudar pessoas que estão em início e a meio da sua carreira profissional. Nesse sentido, entendo que posso dar algo para evitar que cometam os erros que cometi, para poderem ser profissionais mais competentes, sem terem que “partir tanta pedra” como nós tivemos de partir.

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