A propósito de mais uma reforma do ensino da Matemática
A propósito de mais uma reforma do ensino da Matemática Foi notícia há poucos dias: nos últimos 30 anos assistimos a seis reformas da Matemática de ensino básico e secundário. Certamente que metade desse tempo, cerca de 15 anos, foi ocupado com discussões sobre as mesmas, sem que até hoje se tenha chegado a um consenso que estabilize signiÆcativamente os curricula de Matemática. Assisti durante estes anos a uma radicalização progressiva de posições que têm impedido um diálogo que se exigia mais profícuo e eÆcaz aos agentes envolvidos. De um lado a corrente das chamadas “Ciências da Educação” (vulgo, “Eduquês”), que transformaram este tema numa área de disputa fortemente ideológica e que, na prática, tem feito da escola pública um terreno de experimentação de modas e ideais tão consistentes que basta um leve sopro para as destronar a favor de novas modas. Agora é que é. Esta comunidade autorreproduz-se, autocita-se e criou uma inÇuência política desproporcionada sobre decisores políticos. Assim criaram e são os responsáveis por uma escola facilitista, pretensamente democrática, apregoada enganosamente como o verdadeiro elevador social. Por outro lado, a corrente dos matemáticos, em geral investigadores e docentes de ensino superior, que tem ganhado um destacado e merecido relevo em várias áreas da Matemática, sobretudo devido à visão esclarecida de vultos como Mariano Gago e Luís Magalhães, entre outros. Mas este grupo, independentemente dos seus indiscutíveis méritos, tornou-se uma espécie de aristocracia, reivindicando-se uma sabedoria que lhes permite intervir, com demasiadas certezas, em terrenos em que não são propriamente exemplo. Espanta-me que um grupo tão focado numa investigação de diÆculdade extrema e de uma acentuada hiperespecialização tenha ainda tempo para maturar opiniões sobre conteúdos programáticos a nível básico e sobretudo sobre a enorme diÆculdade que é lecioná-los em contextos muitas vezes pouco favoráveis ou até adversos. Acresce ainda o facto de muitos destes intervenientes, de ambas as comunidades citadas, não terem qualquer experiência da realidade quotidiana concreta das escolas públicas portuguesas. Se os campos se extremaram desta forma, não seria tempo de um banho de humildade para estes egos demasiado exacerbados, que Ænalmente proporcionasse um diálogo empenhado apenas na qualidade do ensino da Matemática em Portugal? Pergunto se os pontos de discórdia se resumem a (i) se se deve ou não ensinar numeração romana (que pode muito bem ser abordada numa disciplina de História, idealmente em interação com Matemática), (ii) ao desaparecimento das contas em pé, ou (iii) se a Matemática de ensino básico deve ser ensinada de forma dedutiva ou indutiva, como se esta dicotomia fosse tão nítida. Como se ensina Matemática dedutiva a alunos de 1.º ciclo? A Matemática, como ciência, é eminentemente dedutiva, mas não confundamos as coisas…. Citei apenas os três exemplos que me pareceram mais explícitos em intervenções públicas anteriores. Qual o papel dos professores de ensino básico nesta problemática? Remetidos a um silêncio, não haverá processo de perceber qual a sua sensibilidade? Houve qualquer tipo de estudo, inquérito, relatório, etc., de que resultasse um relato das cedendo às comunidades das chamadas “Ciências de Educação”, estão a desenhar a desconstrução suprema e o descalabro total do ensino público em Portugal. A falta de decoro da classe política, a subcultura que a suporta, subjugada à pressão das novas tendências da moda, das Web Summits, das novas tecnologias, das AI, até já sonham com a substituição de um professor humano por uma máquina que possa ser programada respondendo aos desígnios desta fábrica de seres amorfos, incultos e acríticos. Os que melhor poderão reproduzir o statu quo instituído. Restam os professores, resta a sua resistência e a sua saúde mental, e sobretudo os referenciais deontológicos dos que ainda não sucumbiram à desvalorização social de que são alvo, da manipulação interesseira das classes governantes, frentes sindicais, fazedores de opinião, aristocratas da ciência ou designers de novas pedagogias, elevadas à categoria de ciência. Neste país adormecido, resta-nos a esperança e a resistência da generalidade dos professores de ensino básico e secundário, apesar do sistemático atordoamento a que são sujeitos pela burocracia ministerial, que os afasta cada vez mais da sua verdadeira missão — ensinar e pensar na melhor forma de o fazer. São eles os agentes das reformas, deveriam ser eles os seus principais atores. Temos, felizmente, em Portugal vultos de indiscutível mérito cultural e cientíÆco, de respeitável integridade cívica e moral, a quem possa ser solicitado um esforço no sentido da criação de um pacto de regímen de que resulte uma escola que de facto eduque, verdadeiramente democrática e que seja de facto o elevador social de que todos falam. Seria imperdoável que uma geração de notáveis se furtasse a esta missão e, desta forma, comprometesse irremediavelmente o futuro das novas gerações. Que este seja um apelo urgente aos que ainda não desistiram de lutar por uma escola pública que forme gerações cientíÆca e humanisticamente preparadas para um futuro cada vez mais exigente. Opinião João Nuno Tavares DANIEL ROCHA diÆculdades de implementação contextualizada deste ou aquele conteúdo? E têm as comunidades cientíÆcas dado contributos substantivos que ajudem a superar uma eventual impreparação cientíÆca dos docentes? E os exames? Como se avalia o sistema? Através de diretrizes ministeriais, despachos normativos e uma burocracia asÆxiante, descrita num dialeto difícil de decifrar, que sistematicamente invade as escolas, pressionando, muitas vezes de forma pouco disfarçada, no sentido de “dourar” resultados e estatísticas, para inglês ver! Os exames são o único meio de avaliar se um sistema funciona ou não. Pode ser essa a sua principal missão, sobretudo nos níveis mais básicos de aprendizagem. Aboli-los é um crime de consequências imprevisíveis. E que se acabe de vez com a ideia de que ensinar e aprender têm de ser atos lúdicos. Não há aprendizagem sem sacrifício, sem dor, sem conquista. Pare-se de vez com o chavão lúdico à força, que muitas vezes roça o ridículo, o caricato, a palhaçada. Aprender exige disciplina, esforço, repetição, aquisição de mecanismos e, Ænalmente, avaliação. AÆrmar o contrário, pior, implementar o contrário, é criar seres indigentes, incultos, sem referenciais éticos e humanistas, num mundo cada vez mais carente desses valores, para fazer face aos enormes desaÆos que a atualidade coloca ao planeta e à própria sobrevivência da espécie. Professor associado aposentado, Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Univ. do Porto Que este seja um apelo urgente aos que ainda não desistiram de lutar por uma escola pública que forme gerações preparadas para um futuro cada vez mais exigente Grandes artistas, músicos, poetas e outros criadores começaram por copiar os seus antecessores, imitando-os pura e simplesmente para dominar as técnicas já experimentadas e validadas. E só depois se emanciparam. A aprendizagem é cumulativa e só depois poderá ser (consistentemente) disruptiva. O solfejo aprende-se de forma automática, não de forma racional e muito menos lúdica. E não há músico, compositor ou executante que não o use… Este ministério Æcará na história como o mais duradouro, mas também como o mais pernicioso para o ensino em Portugal. Um ministro e um secretário de Estado, ambos dignos representantes dos ideólogos da moda, cedendo às agendas da conveniência política,