ID: 86909643
 
Visão Saúde
30-06-2020
País: Portugal
Âmbito: Saúde e Educação

Qual o impacto da Covid-19 no ensino da Medicina?

Altamiro da Costa Pereira
Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) Membro do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP)

A pandemia da Covid-19 está a ter impactos muito diversos, afetando milhões de seres humanos e induzindo altera-ções profundas em múltiplos setores de atividades. Mas, no caso do ensino da Medicina, a pandemia poderá induzir reações de natureza fundamentalmente benéfica e conseguir acelerar a introdução de métodos pedagógicos que, sendo já conhecidos, estavam ainda longe de serem utilizados em todo o seu potencial.
Em primeiro lugar, mesmo apesar das medidas restritivas de isolamento social, docentes e estudantes de Medicina organizaram-se mutuamente, e as aulas, de carácter mais teórico ou mais prático, continuaram a ser dadas, com níveis de participação, satisfação e qualidade muito elevados.
Em segundo lugar, como poderá ser testemunhado por qualquer dos meus sete colegas do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), nunca, como nas últimas semanas, os professores de Medicina falaram tanto entre si, refletindo em conjunto sobre as melhores soluções para continuarem a fazer o seu trabalho, pensando em métodos de ensino-aprendizagem e de avaliação alternativos aos tradicionais, mas quiçá ainda mais eficientes, de modo a continuarem a fazer o ensino da Medicina com qualidade.
Em terceiro lugar, esta digitalização do ensino poderá permitir chegar a mais estudantes, possibilitando o acesso aos alunos geográfica ou politicamente mais desfavorecidos. Bastará pensarmos que se o conseguimos fazer na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) aos nossos estudantes que têm permanecido na Madeira ou em Luanda, também o poderemos vir um dia a fazer a estudantes que estejam em Cabo Verde, em Moçambique ou na Síria. Ou seja, poderemos vir a fazê-lo em qualquer lugar que disponha de uma ligação à internet e com quem o queira vir a fazer connosco, mediante condições que poderão ser protocoladas com esses países e/ ou ser subsidiadas por organizações não governamentais. Haja vontade política e solidariedade para tanto! Não que o ensino da Medicina deva ou possa vir a dispensar do crucial contacto, presencial, com os doentes ou entre os estudantes e os seus docentes. Contudo, isso poderá vir a acontecer de formas mais inusitadas, mas nem por isso impossíveis de realizar. Lembremo-nos, por exemplo, do uso de atores que possam simular verdadeiros doentes, ou de encontros mais esporádicos, mas com maior qualidade didática ou educacional, entre estudantes e professores.
Por exemplo, substituindo o formalismo passivo de uma atual aula teórica (que poderá passar a ser ouvida pelo estudante, diacronicamente, com inúmeras vantagens pedagógicas) por um bom seminário, preparado e apresentado por estudantes, em que estes, presencialmente, interajam mais com os seus docentes, de modo que aprendam não só conhecimentos mas também atitudes ou competências! Enfim, esta pandemia não trouxe apenas problemas. E, se os trouxe, estes poderão vir a ser transformados em oportunidades inovadoras e em novos paradigmas. Haja engenho e arte bastantes, como sobraram a Camões!

Autor: Altamiro da Costa Pereira
Temas: Universidade do Porto/FMUP
Ensino Superior