Foi público e notório o regozijo do primeiro-ministro, Dr. António Costa, há algumas semanas quando questionado na Assembleia da República sobre a escalada do preço dos combustíveis. Confrontado por deputados sobre este assunto, de imediato lhe saiu a resposta em tom jocoso e provocador, “é evidente que os impostos sobre os combustíveis não vão baixar! Não se pode atingir a descarbonização da sociedade jurando umas vezes o empenho no combate às alterações climáticas e reclamando noutras do preço dos combustíveis”.

Nada a opor a esta consiliência. A desregulação dos mercados energéticos, ou melhor, a “regulação quase sempre em sentido oposto”, a escassez de recursos, o crescente consumo, as dificuldades na distribuição agravadas pela situação “pandémica” e a emergência climática colocam-nos perante a necessidade de mudar de rumo quanto ao modelo de sociedade e quanto ao uso de combustíveis fósseis como fonte energética.

Este é seguramente um desígnio ao qual se poderá associar uma larga maioria da população. Todos nós, ou pelo menos quase todos, gostaríamos de viver num mundo com acessibilidades fáceis, úteis, adequadas às necessidades e em que não reconhecêssemos em cada passo uma pegada de destruição, uma pegada e um sentimento de culpa por nos termos excluído da harmonia que rege a vida na terra.

Mas para que o mundo, o nosso país, a nossa rua se assemelhe ao que idealizamos é indispensável que exijamos aos responsáveis pela tomada de decisões, e para isso eleitos, que apresentem planos, não ideias soltas, de como atingir a descarbonização da economia e de que forma este desígnio pode ser atingido minimizando os seus efeitos sobre a sociedade e a vida de cada um.

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O risco das alterações climáticas obriga a uma redução da emissão de gases com efeito de estufa e à diminuição progressiva da utilização dos combustíveis fósseis. Uma das formas como isto pode ser atingido é pela subida dos preços. Mas isso não é suficiente! Falta a outra face da moeda, isto é, de que forma esses recursos económicos, obtidos por via dos impostos, vão ser utilizados no planeamento de cidades sustentáveis, na distribuição de energia “descarbonizada” aos cidadãos e às empresas, quais os planos para uma rede nacional de transportes públicos, útil a todos e adequada às necessidades de quase todos. Como vão ser aplicados os encargos que os portugueses vão suportar com a descarbonização da economia, e que alternativas estão a ser planeadas para futuro. A estas questões a resposta é simples, muito pouco ou mesmo nada!

Aliás, atrevo-me mesmo a dizer que os sinais vão mesmo em sentido contrário, quando um governo que pretende ser o “campeão da descarbonização” se prepara para investir numa companhia aérea que nacionalizou (por achar que não era bem gerida!) muitos milhões ao longo dos próximos anos! Estas propostas vão em sentidos opostos e impedem que objectivos como descarbonizar a economia, promover a sustentabilidade da economia ou combater as alterações climáticas possam ser tomados sequer como sinceros.

Claro está que tudo isto é um logro. Um logro de um primeiro-ministro que aproveitou um objectivo justo e necessário para se intitular paladino no combate às alterações climáticas, enquanto o esforço que é exigido aos portugueses é desbaratado entre clientelas e estratégias mais ou menos obscuras.

Quem perde com tudo isto? Obviamente os portugueses, as gerações futuras e toda e qualquer janela que ainda reste para corrigir o inexorável trilho para o que alguns, conformados ou expectantes pelas oportunidades de negócio, rotulam como “novo normal”.

Mas o nosso primeiro-ministro não está só. Por entre estes “novo-ambientalistas”, nesta nova moda do “verde” e “animalismo”, do politicamente correto, há muitos que aparentando estar alinhados com um espírito de proteção da vida e do planeta, acabam sendo exactamente o oposto do seria suposto defenderem.

No que concerne às alterações climáticas (AC) e às medidas para as combater, as opiniões são habitualmente divididas de forma maniqueísta, entre os que são a favor da implementação de medidas, e os que se lhes opõem. Mas esta dicotomia é falsa, e no mundo dos ditos ambientalistas, neste “zeitgeist verde”, abundam apócrifas, panglossianos, solipsistas, neófitos, um cortejo mais ou menos eclético em que poucos são o que pretendem ser.

Em relação às alterações climáticas, talvez os mais claros sejam mesmo os negacionistas. Não enganam!

Destes os mais puros são os que acham que o tema resulta de uma qualquer teoria da conspiração, e que promover a discussão sobre as AC é pactuar com interesses obscuros, sejam eles religiosos, económicos, políticos ou sociais. Este é classicamente o grupo dos negacionistas, mas há outros.

Há os que são subsidiados, ou pagos pelas grandes companhias produtoras de energia fóssil e falam abertamente contra as AC ou contra a responsabilidade do homem nas mesmas; há os que negam as AC por não estarem dispostos a subsidiar com impostos a sua reversão ou não aceitam qualquer intervenção dos governos na regulação da economia ou da energia; por último, este grupo reúne ainda um pequeno conjunto de cientistas que reconhece as AC como uma realidade mas defendem que estas não dependem da acção do homem, ou que a sua acção é irrelevante, isto é, não têm causa antropogénica, estando antes relacionadas com fenómenos periódicos dependentes da dinâmica dos astros, sejam alterações da órbita terrestre ou alterações na actividade solar. Apesar da posição destes últimos ser assumida com probidade, devem também ser incluídos nos negacionistas, pois apesar de aceitarem as AC não as vêm como resultado da actividade humana, pelo que não se empenham em alterar o comportamento humano para as mitigar ou reduzir. Para eles, as AC são uma inevitabilidade.

Estes grupos resumem o conjunto do que podemos genericamente classificar como negacionistas. Todos os restantes, como veremos, na sua maioria ou são indiferentes ao tema, ou não rejeitam uma causa antropogénica para as AC. Contudo, apesar de aparentemente não negarem que a actividade humana seja responsável pelas AC, têm destas últimas um entendimento diverso e, bem mais importante, têm compromissos diametralmente opostoOs falsos ambientalistass para com a sua mitigação.

Aqui incluem-se os que reconhecem as AC como uma realidade, mas têm como objectivo primário a economia e o seu crescimento. São transversais no espectro político e, ainda que predominem numa lógica mais liberal ou capitalista, não estão limitados a estas espectro. Resumidamente não estão dispostos a sacrificar o crescimento económico, os negócios ou os fundos de investimento por motivos que os não preocupam no imediato.

Um outro grupo, o dos apócrifas, os “falsos ambientalistas” são provavelmente o grupo mais numeroso e o mais perigoso. Este é constituído por todos aqueles que vêm nas AC e na mitigação das suas consequências uma oportunidade de negócio. Dizem-se preocupados com as AC, mas o seu único objectivo é a oportunidade de negócio e não a sua minimização ou o seu impedimento, como frequentemente propagandeiam. Neste grupo, para além dos que têm interesse económico directo na “economia verde”, podem ser incluídos os políticos que se posicionam ao lado do ambiente mas cuja agenda é apenas dirigida para as novas oportunidades que este léxico, este zeitgeist, ou nos casos mais mesquinhos a própria “taxa de carbono” oferece. Estes mitómanos reconhecem neste novo léxico económico uma oportunidade de saque ao contribuinte, que frequentemente é depois desbaratada em clientelas, quando não, na sua própria carreira e futuro.

Este grupo de oportunistas, tem um expoente máximo nos que vêm nas consequências das AC uma oportunidade de negócio. É a arte de transformar um risco numa oportunidade. Um amigo classifica-os ironicamente de “Panglossianos” por neles se encontrar um optimismo irritante, semelhante ao do Dr. Pangloss do Cândido de Voltaire.

Estes “optimistas” vêem nas consequências das AC uma espantosa oportunidade. Com as alterações do clima, a vida só deverá ser minimamente possível acima dos paralelos 63º (N e S). Empreendedores visionários devem desde já a pensar em expandir os seus negócios para a Groenlândia ou para a Antártida, locais de futuro, com magnificas praias, estâncias de turismo e esplêndidas oportunidades de negócio. Um novo território a explorar, a futura terra prometida (sobre este tema recomendo o livro O Novo Norte – O Mundo em 2050, de Laurence C Smith).

Um outro grupo de falsos ambientalistas corresponde aos que se dizem preocupados com as AC, mas que, em assuntos indirectamente relacionados com estas, têm propostas que em nada parecem alinhadaOs falsos ambientalistass com as suas preocupações climáticas e de sustentabilidade. Os deste grupo acham tudo possível, têm posições contraditórias e não parecem minimamente incomodados com isso. Vêm as AC e as suas consequências como uma ameaça para a humanidade, concordam com a necessidade urgente de medidas, mas na mesma frase ou no paragrafo seguinte apontam para o crescimento económico como um imperativo incontornável, e defendem a construção de novos aeroportos, novas estradas, novas infraestruturas, aumento do turismo, aumento do consumo interno, aumento da natalidade, mas nunca deixam de sublinhar com igual enfase e convicção, que nos devemos preparar para as AC e mitigar as suas consequências.

Alinhados com os inconsequentes, ou talvez movidos por agenda bem mais sórdida, vêm os que dizem reconhecer as AC e abertamente afirmam-se preocupados com as suas consequências no planeta, dizendo em entrevistas e locais do “politicamente correto” que estas podem ser graves se não mesmo catastróficas.

Mas enquanto fazem estas declarações propõem o desenvolvimento de programas espaciais, turismo espacial, ou colonização de outros planetas pela espécie humana. Não conseguem preservar o planeta Terra mas têm projetos para recuperar outros a mais de 60 000 000 quilómetros de distância!

De entre os que acham que, perante as AC, não são necessárias quaisquer medidas, há os que simplesmente acham que esse problema que não é seu; ou os que externalizam o problema achando que a responsabilidade de encontrar soluções é de terceiros; os que nada fazem ou exigem, tendo sobre as AC um comportamento bovino; e por último vêm os excepcionalistas. Estes dividem-se em dois grupos. Os seculares, os que acham que a ciência vai sempre encontrar uma solução; e os “crentes”, os que acreditam numa qualquer divindade que protegerá sempre a espécie humana, e se o não fizer também daí não virá grande mal porque para eles a vida terrena é apenas passageira;

Para o fim, deixo o grupo dos que exigem medidas no combate às AC. Este é um grupo ele também heterogéneo e inclui desde os que ficam satisfeitos com medidas individuais mais ou menos discretas, como reciclar os lixos ou evitar o uso dos sacos de plástico, aos que entendem estas medidas como importantes, quanto mais não seja por promoverem uma sensibilização ambiental, mas que defendem essencialmente uma tomada de medidas públicas eficazes e coerentes no combate às causas das AC. No extremo temos os que entendem que estas medidas públicas devem ter carácter de emergência e com isso estão dispostos a confrontar pessoas, sociedade, instituições e governos.

Não sei caro leitor qual o grupo em que se insere, mas não acreditando em soluções do tipo “Deus Ex-Machina”, uma coisa tenho por certa, se não se agir de forma célere e contundente, se não formos liderados por gente com visão e capaz de mobilizar a sociedade ainda que com sacrifícios no presente, corremos um sério risco de deixar às gerações vindouras um planeta praticamente inabitável, e de durante o “nosso turno” assistirmos à deterioração contínua e inexorável da vida tal como a conhecemos.