Obesidade infantil: como podemos alterar este paradigma?

A velha crença popular de “vai crescer e vai esticar” não é de todo verdade nos tempos actuais, pelo que importa, antes de mais, prevenir, mas também diagnosticar cedo e intervir precocemente!

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A obesidade é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma doença crónica. Isto significa que é “uma doença para a vida”, ou seja, que uma criança obesa tem uma forte probabilidade de ser um adulto obeso. Hoje sabe-se que, quando uma criança chega aos 5-6 anos com excesso de peso/obesidade, tem 50% de hipóteses de se manter obesa na vida adulta, mas este risco aumenta para 85-90% se a situação se mantiver até à adolescência (12-13 anos). Ora, isto faz-nos pensar que a velha crença popular de “vai crescer e vai esticar” não é de todo verdade nos tempos atuais, pelo que importa, antes de mais, prevenir, mas também diagnosticar cedo e intervir precocemente!

Como é de todos conhecido, obesidade significa um excesso de gordura corporal total que, sendo ela própria uma doença, está associada a aumento de risco de outras doenças, sejam psicológicas (depressão, baixa auto-estima,…), ortopédicas, cardiometabólicas (hipertensão, diabetes, alteração das gorduras no sangue,…), entre outras. Assim, devemos ter bem presente que uma criança que aos 5 anos apresenta obesidade terá menor qualidade e expectativa (tempo) de vida do que uma criança da mesma idade não obesa. E os cuidadores (pais, professores) são responsáveis pela promoção da saúde das crianças e adolescentes, através do incentivo de estilos de vida saudáveis, desde os primeiros tempos de vida. Porque os comportamentos educam-se.

Mas o aumento de gordura corporal não acontece de repente, vai acontecendo, pelo que é fundamental haver uma vigilância regular, em consultas de saúde infantil, no sentido de monitorizar o crescimento das crianças e adolescentes. Quanto mais cedo se detetar, mais cedo se intervém e maior a taxa de sucesso; quanto mais tempo durar o excesso de gordura e quanto maior for a sua magnitude, mais difícil se torna retroceder. Quer porque as células gordas quando crescem não desaparecem nunca mais, quer porque, em mais de 97% dos casos de obesidade, existem comportamentos alterados, quer no que toca à vertente alimentar quer de atividade física, que, se se “estabelecerem”, custam muito a mudar. Uma criança que se habitua a comer doces regularmente, educa o paladar e cria “dependência” para o sabor doce, pelo que não vai aceitar facilmente que a proíbam de os comer, reagindo como a criança sabe reagir: fazendo birra e dizendo “não gostas de mim”! Sim, porque alimentação são afetos, que devem ser “moldados” desde os primeiros tempos de vida.

É certo que nós não somos todos iguais e há crianças com maior predisposição a ser obesas. Quando uma mulher é obesa antes e durante a gravidez, quando aumenta mais do que o recomendado durante a gravidez, quando um recém-nascido é grande (mais de 4kg ao nascimento), quando um lactente até aos 6 meses aumenta muito rapidamente de peso, há maior risco de se expressar obesidade na trajetória da vida, desde a infância. Estes aspetos atrás descritos “programam”, “moldam”, a forma como o nosso corpo expressa o apetite e o aproveitamento da energia dos alimentos e definem “indivíduos em risco” de obesidade. Mas mesmo nestas circunstâncias, a atitude mais sensata (e única) é prevenir, vigiando regularmente os comportamentos, a saúde e o crescimento.

Como devemos então agir para travar a progressão nacional e mundial da obesidade pediátrica e, consequentemente, do adulto? Prevenindo cedo no ciclo da vida, ou seja, garantindo que a mulher quando engravida não tem excesso de peso nem aumenta excessivamente durante a gravidez, permitindo que o bebé nos primeiros meses de vida faça aleitamento materno ou, na sua ausência, fórmulas infantis adequadas, ensinando-o a treinar texturas e paladares através da oferta de uma alimentação variada e equilibrada desde o momento em que se diversifica a dieta, tendo em atenção que uma criança de 5 anos não come o mesmo volume que uma de 12 anos, que não se deve repetir a porção de comida, que a única bebida a oferecer é água e que se deve promover, desde cedo, um estilo de vida ativo e a prática regular de um atividade física. Os comportamentos educam-se desde os primeiros dias de vida. Os cuidadores devem ser os modelos, dar o exemplo, pelo que todos devem fazer igual.

Como referi, o melhor e mais eficaz tratamento da obesidade é a sua prevenção. Mas quando já está instalada, o tratamento proposto é sempre a mudança saudável do estilo de vida, através do cumprimento de regras alimentares — na infância não há “dietas” restritivas, nem proibições, há regras e exceções pois a criança deve ser ensinada a saber escolher e não a viver com o estigma da diferença e do “proibido” — e de um estilo de vida ativo. A regularidade das consultas com uma equipa especializada e multidisciplinar é importante para o sucesso. Já há fármacos para tratar a obesidade pediátrica, mas apenas estão aprovados para adolescentes e devem ser sempre prescritos por profissionais experientes. A cirurgia bariátrica tem indicações muito precisas e apenas na adolescência.

Posto isto, se queremos promover um crescimento saudável para os nossos filhos, “livre de obesidade”, importa pensar que excesso de peso/obesidade é uma doença que podemos e devemos evitar o mais cedo possível. Além disso, a obesidade traz com ela outras doenças que se vão manifestar através da perda de qualidade e de tempo de vida dos nossos filhos. E nenhum pai ou mãe deseja ser responsável para que tal aconteça!


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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