Saúde e Bem-estar

A humidade e o bolor podem ser "causas silenciosas" de doenças

O cheiro a mofo e o bolor em casa são encarados muitas vezes sem grande preocupação. No entanto, é importante estar alerta, porque podem provocar ou agravar doenças. Tem tosse, pieira ou falta de ar? A culpa pode ser da humidade.

A humidade e o bolor podem ser "causas silenciosas" de doenças
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A sua casa ou o local de trabalho têm humidade ou bolor? Sabia que essas podem ser as causas para algumas doenças respiratórias? Portugal é o segundo país da União Europeia com mais infiltrações e humidade em habitações, o que pode causar doenças ou agravar as já existentes e, em último caso, levar mesmo à morte. O pneumologista e investigador David Barros Coelho alerta para os perigos da exposição prolongada à humidade e explica de onde vem e como evitá-la.

O que é a humidade?

A humidade é comum em casa dos portugueses, sobretudo, nos meses mais frios e chuvosos de inverno. É tão comum que o cheiro a mofo e as manchas de bolor são ainda subvalorizados e vistos como "normais", reconhece o investigador, em entrevista à SIC Notícias.

Onde está a humidade? Em locais com infiltrações, como telhados, paredes e tetos com bolor, em objetos com manchas também de bolor e roupas com cheiro a mofo. Certas madeiras, papéis de parede, carpetes e vasos também são suscetíveis ao crescimento de bolor.

Na prática, o bolor surge de fungos que, nos meses mais húmidos, crescem e se transformam em manchas.

O pneumologista no Centro Hospitalar Universitário de São João e investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto salienta que existe um "estigma" em relação à humidade em casa:

"Existe receio que o reconhecimento seja associado a más condições de habitabilidade ou mesmo de higiene. Contudo, apesar de as casas com piores condições estruturais nos estratos sociais mais baixos estarem mais expostas, este problema é transversal. Mesmo casas com aparentes boas condições e sem infiltrações podem ter mau isolamento e danos estruturais do edifício, que podem levar ao crescimento fúngico".

O especialista salienta que a exposição à humidade pode acontecer também no local de trabalho, onde passamos muitas horas, principalmente em escritórios, fábricas e espaços como piscinas e saunas. Nestes locais, "o risco é substancialmente maior".

É caso para estar alerta se a humidade relativa estiver acima dos 50/60%.

“A humidade exterior também influencia, claramente, o interior. O mês de dezembro de 2022 foi o dezembro mais quente em 92 anos e foi também extremamente chuvoso. O aquecimento global e as alterações climáticas poderão aumentar a humidade relativa no futuro”, acrescenta o investigador.

Tenho humidade em casa, vou ficar doente?

A humidade é, muitas vezes, a "causa direta" de problemas respiratórios. Além disso, agrava doenças, como a asma, a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), que é uma das principais causas de morte em Portugal, e a fibrose quística.

"Nos locais com mais humidade, pode existir o crescimento de micro-organismos, nomeadamente fungos. Níveis elevados de humidade podem ser tóxicos para as vias aéreas, que provocam sintomas nasais, como escorrência, tosse, pieira e falta de ar. Isto acontece por mecanismos de alergia, inflamação, ação de toxinas ou por desenvolvimento de infeções", explica David Barros Coelho.

A asma está, por vezes, associada a alergias, que podem ter várias causas: pólenes, pelos de gato ou cão, mas também fungos:

"A humidade excessiva, principalmente valores de humidade relativa acima dos 50-60%, leva à proliferação de certas espécies fúngicas às quais os asmáticos podem estar sensibilizados. Isto precipita um agravamento da asma com necessidade de intensificação da terapêutica inalatória ou mesmo necessidade de tratamentos orais".

A humidade pode levar à morte?

Sim, pode. O investigador esclarece, em entrevista à SIC Notícias, que há doenças raras, "mas cada vez mais reconhecidas na comunidade científica", associadas à exposição de fungos.

É o caso da pneumonite de hipersensibilidade, que surge em pessoas que, expostas a determinados fungos, desenvolvem uma "inflamação pulmonar descontrolada que pode evoluir para fibrose pulmonar". A doença provoca falta de ar, tosse e incapacidade para fazer esforços, uma vez que "torna mais difícil o funcionamento pulmonar".

"Pode culminar na necessidade de utilizar oxigénio suplementar continuamente ou na necessidade de transplante pulmonar", acrescenta David Barros Coelho.

Cerca de 70% dos doentes com pneumonite de hipersensibilidade são expostos a níveis elevados de fungos, segundo resultados preliminares de uma investigação do Centro Hospitalar Universitário de São João e da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

No Hospital de São João, quase metade (45%) dos doentes referenciados para transplante pulmonar têm pneumonite de hipersensibilidade, aponta o médico, acrescentando que em muitos casos, os fungos e a humidade "podem ser causadores silenciosos da doença".

Atenção também para doentes com imunossupressão, porque a probabilidade de doenças infeciosas por fungos é maior. Há uma doença que costuma ser comum nestes pacientes: a aspergilose pulmonar invasiva.

"Um fungo - Aspergillus - causa uma infeção generalizada (micose generalizada) atingindo não só o pulmão, mas também o sistema digestivo, pele ou até o cérebro. Nestes caos de infeção disseminada, o desfecho pode ser fatal, existindo fármacos (antifúngicos) que podem ajudar no tratamento", refere o pneumologista do São João.

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Quais os riscos da humidade no exterior?

No exterior, as consequências são menos graves, uma vez que existe ventilação, esclarece o médico. E exemplifica:

"Os espaços menos ventilados e fechados permitem a deposição em materiais, como a madeira, e a reprodução e crescimento dos fungos. Por exemplo, se colhermos uma amostra de ar e analisarmos num microscópio em laboratórios treinados, iremos provavelmente encontrar fungos em qualquer local. Contudo, em locais fechados e húmidos, esse crescimento será de espécies que podem ser mais patogénicas e as colónias de fungos podem mesmo ser identificadas a olho nu (os bolores)".

Como posso evitar e diminuir a humidade em casa?

Antes de reparar os danos deve, sobretudo, prevenir: "Intervenções precoces na diminuição da exposição a humidade e bolores têm efeitos protetores, incluindo em crianças suscetíveis a asma". Neste sentido, o pneumologista deu exemplo de dicas da DECO para evitar a humidade:

  • Evitar carpetes ou alcatifa em locais mais húmidos, como casas de banho, cozinhas e caves
  • Utilizar o exaustor sempre que cozinhar
  • Evitar secar a roupa dentro de casa
  • Abrir as janelas e ventilar a casa diariamente
  • Limpar e secar exaustivamente materiais húmidos ou inundados

Para diminuir a humidade, o especialista recomenda:

  • Corrigir problemas estruturais dos edifícios que causem infiltrações
  • Tentar manter níveis baixos de humidade relativa dentro de casa
  • Ventilar eficazmente as áreas mais suscetíveis à presença de humidade, como a casa de banho e a cozinha
  • Planear, desde logo, a construção dos edifícios para evitar o surgimento de infiltrações.

"Nos doentes de risco, sempre que encontrarem problemas relacionados com bolores ou infiltrações e se tiver problemas de saúde respiratória ou que afetem o sistema imunitário, é importante expor questões aos profissionais de saúde e autoridades de saúde pública regionais, de forma a obter uma resolução especializada", alerta David Barros Coelho.

Como pode remover os bolores? Com água e detergente ou soluções com lixívia.

Em entrevista à SIC Notícias, David Barros Coelho deixa um alerta: é importante sensibilizar a população, sobretudo os doentes de risco, para "identificar, reconhecer e partilhar o problema". Para quê? Para avaliarmos "enquanto sociedade, a verdadeira extensão do problema e decidir medidas a tomar".

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