Investigadora Principal no projeto FollowMyHealth
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Regressei ao Porto após o fim do doutoramento na TU Berlin para ajudar a construir o Fraunhofer Portugal AICOS. Comecei depois como professora auxiliar convidada na FEUP no ano letivo de 2009/10, e associei-me ao Instituto de Telecomunicações em 2010. Comecei por participar em projetos em curso, sobretudo na área de recolha de diferentes tipos de dados com georreferenciação usando dispositivos móveis, desde smartphones a plataformas embarcadas. Fui PI do projeto VOCE para detetar stress usando a voz, e líder de tarefas em projetos de mobilidade inteligente, e-health, e cidades inteligentes. O maior foi certamente o Future Cities, em que se instalaram dispositivos de sensorização e comunicação em toda a cidade do Porto, incluindo nos autocarros da STCP, em 2014 e 2015. No Generation.Mobi fizemos estudos pioneiros sobre como conectar bicicletas com tecnologias WiFi. No SenseMyCity usamos dados recolhidos na cidade para estudar a conectividade WiFi, e também aplicamos ciência dos dados para estudar o tráfego. Já no MobiWise avaliamos a possibilidade de usar WiFi e especialmente ondas milimétricas para comunicar com veículos, e também definimos metodologias para comparar desempenho de plataformas de Internet das Coisas. Conseguimos também numa colaboração multidisciplinar com vários parceiros quantificar os benefícios de usar esquemas de eco-roteamento, usando dados da cidade na calibração de um simulador de mobilidade. Agora estamos a trabalhar na construção de um tecido de computação na borda interligado por comunicações heterogéneas, e.g. com WiFi e 5G, para suportar veículos, peões e ciclistas, para aplicações que ajudem a tornar o uso de modos de transporte ativos mais seguros.
Para si, enquanto investigadora, o que simboliza estar entre um dos projetos selecionados no âmbito da primeira edição da linha de apoio especial a projetos Research4COVID-19, promovida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)?
Foi muito bom termos a oportunidade de aproveitar uma plataforma de recolha de dados que tínhamos e estava funcional para abordar um problema que mexeu muito com a vida de todos, e ver até que ponto poderia fazer parte da solução, ajudando os profissionais de saúde. Era uma motivação muito forte para toda a equipa trabalhar, apesar do cansaço nessa altura.
Fale-nos um pouco do projeto FollowMyHealth. Como surgiu a ideia e qual é a sua missão e os seus objetivos?
O FollowMyHealth propunha desenhar e experimentar ferramentas para monitorização de propagação da covid-19. Desenhamos o CovidMonitor em conjunto com epidemiologistas, psicólogos e médicos. Além de monitorizar a doença e comportamentos de distanciamento com maior granularidade espaço-temporal, tinha algumas outras funcionalidades que se podiam ser úteis para os utilizadores, como a auto-monitorização dos sintomas, o acompanhamento do estado de saúde e emocional do utilizador. A ferramenta extraía e guardava durante 2 semanas os locais visitados pelo utilizador, e guardava também informação inserida em questionários sobre sintomas, e sobre a adoção individual de medidas de contenção da propagação, como higienização das mãos, uso de máscara, número de contactos, mas também sobre o estado emocional. Com estes dados pretendíamos fazer análises diferentes, por isso os dados eram tratados em separado. Com os dados dos locais visitados e sintomas pretendíamos ver se conseguíamos detetar surtos precocemente.
Não se tratando apenas de uma das soluções para fazer o rastreamento de contactos para auxiliar na luta contra a COVID-19, que outras valências o projeto FollowMyHealth tem, que o distingue dos restantes?
O FollowMyHealth não pretendia fazer rastreamento de contactos. A geo-localização usando GPS não é adequada para o fazer, uma vez que não funciona indoor, e, mesmo outdoor, tem baixa precisão (é frequente ter erros da ordem dos 4-5m). Com os dados sobre adoção de medidas de segurança pretendíamos observar o comportamento da população e eventuais correlações com os dados de casos registados na área monitorizada. Com os dados do estado emocional íamos fazer uma análise do impacto das medidas e número de contactos no estado emocional das pessoas. Havia ainda uma função adicional, que era o utilizador poder ver e exportar a lista de locais visitados nos últimos 14 dias, para o ajudar a lembrar-se de onde este (e, esperávamos, com quem esteve), e também partilhar essa lista com quem entendesse (por email a inserir pelo utilizador) - por exemplo o seu médico ou rastreador, caso ficasse infetado.
Que resultados foram obtidos pelo projeto FollowMyHealth, em particular, sobre o estado emocional dos utilizadores e o impacto do isolamento e do desconfinamento?
A aplicação e o sistema ficaram prontos em Junho de 2020, e foram submetidos a avaliação prévia da CNPD por juntarem dados de saúde com dados de geo-localização, que são dados muito sensíveis (os primeiros) e dados que podem permitir identificação (os segundos). Iniciamos o processo na CNPD em Agosto de 2020, e só obtivemos autorização para o estudo piloto em Abril de 2021, após detalhar muitos aspetos da implementação e fazermos uma alteração. Nessa altura (Maio de 2021) já quase não havia casos, e os estudos que pretendíamos fazer já não eram relevantes.
O mundo caminha para uma era global de procura pela sustentabilidade e pela conectividade de informação. Na sua opinião, quais são os benefícios e como é que as tecnologias podem ajudar a conhecer melhor os mecanismos de propagação e contenção de surtos futuros?
Creio que a tecnologia pode ajudar, mas que é preciso ponderar bem como. Continuo a achar que várias funções que nós previmos poderiam ser úteis, sobretudo em fases iniciais, para perceber melhor a transmissão e os impactos em várias áreas: na deteção precoce de surtos, na identificação dos tipos de locais mais propensos a transmissão, na vertente de “diário” de onde se esteve para avivar a memória em caso de ser necessário, no acompanhamento do estado emocional. No entanto, é preciso ter bem presente que nem toda a gente pode ou quer usar as tecnologias. As soluções tecnológicas devem ser ferramentas ao serviço dos serviços de saúde, e ser desenhados com eles. Não são substitutos das pessoas, por exemplo no rastreamento de contactos. São ferramentas que devem facilitar a vida dos profissionais de saúde.
Pode falar-nos dos temas de investigação a que se tem dedicado, e do trabalho que tem desenvolvido no seu grupo de investigação, nesta e em temáticas aproximadas, e de que forma tais se complementam?
Já o fiz um pouco acima. A computação móvel para recolha de dados de forma não intrusiva e a extração de informação de dados georreferenciados recolhidos em cenário real (fora do laboratório) são temas que tratamos há muitos anos em projetos de investigação na área da mobilidade inteligente, Internet of Things e conectividade de veículos. O conhecimento que tínhamos adquirido anteriormente foi imprescindível para conseguir ter o covidmonitor pronto em tão pouco tempo (menos de 2 meses). Já sabíamos os problemas que surgiam, tanto na recolha como no tratamento dos próprios dados, e que soluções podíamos adotar. Todo o trabalho com tecnologias WiFi e celular levaram a que pudéssemos avaliar as diferentes tecnologias disponíveis para escolher a que achamos mais adequada ao fim que pretendíamos durante as discussões inicias com profissionais de saúde. Também as considerações de privacidade dos dados não foram novidade, apesar de o processo na CNPD o ter sido. As colaborações anteriores com outras disciplinas, concretamente com a Psicologia, levaram a que a comunicação com as outras disciplinas envolvidas fosse ágil e com poucos mal-entendidos, que é sempre um grande desafio em trabalhos multidisciplinares. No fundo, tudo o que foi feito para trás pode ser ativado para produzir resultados em muito pouco tempo. É também aqui que se vê que a investigação não tem sempre de servir um fim imediato ou de curto prazo, e o que conhecimento aliado ao know-how tecnológico pode vir a ser usado para resolver problemas diferentes daqueles que lhes deram origem.
A representatividade de liderança feminina nas instituições vem aumentando consideravelmente ao longo dos anos. Sendo, desde 2019, a primeira e única mulher a coordenar o Instituto de Telecomunicações (IT) – Porto, que desafios encontra?
Confesso que o maior desafio para mim é conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar, apesar de ter muito apoio da família. Creio que no geral este é o maior desafio para muitas das mulheres que conheço em lugares de liderança. A representatividade feminina tem vindo a aumentar, tal como tem vindo a aumentar a percentagem de mulheres que escolhe estudar e trabalhar nas áreas tecnológicas. Creio que o tempo trará mais mulheres para estes papéis. Temos de continuar a trabalhar para isso, e para melhorar as condições de conciliação das várias dimensões da vida das pessoas.
No seu currículo, conta com a participação em projetos e, em alguns deles, como investigadora principal. O que é mais e menos valorizado, pela sua experiência, nos projetos da sua área científica?
O que é mais valorizado é a capacidade de comunicar o grau de inovação científica da proposta, a viabilidade do planeamento, a qualidade da equipa, medida em publicações em conferências e revistas internacionais de elevada qualidade e orientações de doutoramentos e mestrados, e o grau de internacionalização da equipa. Por vezes é excessivamente valorizado o impacto de curto e médio prazo, quando isso são especulações na altura da proposta. Um outro aspeto difícil de gerir numa proposta é o grau de risco: as propostas são facilmente rejeitadas por falta de inovação e por excesso de risco.
Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia na sua área de investigação?
1. Melhorar a atratividade internacional, reduzindo o inbreeding e aumentando a mobilidade inter-instituição e internacional dentro da academia e com a indústria.
2. Aumentar o financiamento de investigação fundamental.
3. Fomentar a criação de mais empresas de inovação tecnológica, não só de desenvolvimento.
A investigação em geral tem uma componente muito grande de recursos humanos, e Portugal tem o problema de ser pouco atrativo para investigadores que vêm de fora. Todos os países líderes em engenharia têm uma grande diversidade de investigadores que lá fazem o doutoramento ou pós-doutoramento. Depois, uns ficam, outros seguem para outros sítios, e levam o conhecimento e partilham a experiência. Devíamos ter uma política mais ativa de recrutamento internacional, acompanhada de acompanhamento na instalação (alojamento, família, vistos, etc.), e algum financiamento para investigação na chegada. Devíamos também ter mecanismos para minimizar o número de investigadores que ficam toda a sua carreira na mesma instituição, ou instituições associadas. E devíamos fomentar que todos os investigadores doutorados passem um período significativo noutro país, outro sistema científico, para que possam depois trazer essa experiência para cá. E depois coisas pequenas, mas que têm muito impacto na mobilidade institucional. Por exemplo, devemos melhorar os péssimos hábitos de comunicação. Muitas coisas são transmitidas por osmose, no corredor, café, almoço, por acaso. Outras vezes são enviados emails extremamente longos e com uma linguagem burocratizada muito difícil de entender. Quem chega de fora vê-se à nora para descortinar o que se passa. Se por acaso não fala português, o processo de “descoberta” torna-se muito moroso e frustrante. É preciso financiar mais investigação mais fundamental. A tal que permite desenvolver conhecimento e competências tecnológicas que podem ser usadas quando são necessárias, mesmo que não seja nas áreas para as quais foram inicialmente pensadas. Há muitos exemplos disto na pandemia. Finalmente, temos de criar uma cultura científica nas empresas tecnológicas, que as faça também andar sem só no desenvolvimento de curto prazo, mas lhes permita contribuir para pensar e definir o futuro um pouco mais adiante. Notam-se francas melhorias nos últimos anos, por isso, há esperança de que continuemos a melhorar.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.