Coordenadora do Grupo de Epidemiologia Perinatal e Pediátrica na EPIUnit e Investigadora do projeto RECAP
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Em relação ao meu percurso científico/académico, este aconteceu sempre na Universidade do Porto, desde a minha licenciatura em Ciências da Nutrição e Alimentação na Universidade do Porto, em 1998, após a qual fiz o meu mestrado em Saúde Pública na FMUP e ICBAS e, em 2008, conclui o doutoramento em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Porto. Já mais recentemente, em 2020, obtive o título de Agregada em Saúde Pública, novamente pela Faculdade de Medicina.
Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Acho que o primeiro foi a minha primeira bolsa de pós-doutoramento, atribuída pela FCT – isto porque me deu a oportunidade de desenhar uma área nova de investigação, e também pelo desafio de abraçar a coordenação executiva da nossa coorte de nascimentos, Geração XXI - o maior estudo do género em Portugal, que coordeno até hoje. O segundo marco foi a obtenção de um contrato como investigadora auxiliar, também pela FCT, que me permitiu consolidar a minha linha de investigação, na área da obesidade infantil e alterações metabólicas associadas.
Como coordenadora do Grupo de Epidemiologia Perinatal e Pediátrica na EPIUnit, poderá falar-nos um pouco do trabalho que tem desenvolvido?
O Grupo de Epidemiologia Perinatal e Pediátrica da EPIUnit reúne investigadores de diferentes áreas científicas e clínicas, com experiências profissionais muito diversas. De qualquer forma, o Grupo tem como interesse comum o período de vida que engloba reprodução, desenvolvimento intrauterino e as duas primeiras décadas de vida. No Grupo, tentámos estabelecer, mas também fomentar, relações com outros grupos de investigação, nacionais e internacionais. Assim, somos responsáveis por diversos projetos de investigação nacionais e internacionais. Este grupo foca-se em 5 linhas de investigação: (1) saúde sexual e reprodutiva; (2) nascimento prematuro e saúde dos recém-nascidos pré-termo; (3) desenvolvimento físico, sócio emocional e mental da criança; (4) primeiros eventos que definem a saúde oral; (5) aspetos sociais do crescimento e da integração educacional.
O projeto europeu RECAP – Research on European Children and Adults born Preterm –, financiado pelo H2020, pretende estudar a saúde e a qualidade de vida de adultos nascidos prematuros, em vários países do mundo e usando ferramentas digitais. Pode falar-nos um pouco sobre os seus objetivos e resultados, já que este se encontra na sua fase final?
Sim, o projeto RECAP termina agora em setembro. Neste projeto, fomos responsáveis pelo “work package 6”, que tinha como objetivo melhorar a recolha de informação, a capacidade de seguimento e o envolvimento de participantes em estudos longitudinais – obviamente em indivíduos nascidos pré-termo. Assim, formos responsáveis por desenhar e desenvolver uma aplicação para telemóvel (“RECAP_MyLife”) que permite a recolha de informações, através destes dispositivos, sobre a atividade física, o estado de espírito e o estado geral de saúde. Esta aplicação está neste momento implementada em 5 coortes europeias, e estamos no momento a finalizar a recolha de informação. Ainda no âmbito deste projeto, fomos responsáveis pelo lançamento e implementação de uma coorte de indivíduos adultos nascidos pré-termo “Happ-e - Health of Adult People born Preterm – an e-cohort study”. É o primeiro projeto cujo recrutamento é feito online, com o objetivo de estudar as consequências na saúde dos nascimentos prematuros. A HAPP-e é então uma e-coorte, ou seja, uma coorte eletrónica, onde o recrutamento e o acompanhamento dos participantes, ao longo do tempo, serão realizados recorrendo a ferramentas digitais.
Portugal, em 2019, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, viu a sua taxa de nascimentos prematuros nos 8% – uma taxa elevada, em comparação com outros países da Europa. Pode falar-nos um pouco sobre as causas e consequências de um nascimento prematuro?
Um bebé é considerado prematuro caso nasça antes das 37 semanas, ou seja, antes do início do nono mês de gravidez. Em Portugal, de facto, cerca de 8% dos nascimentos são prematuros, mas é um número próximo do verificado na Europa (8.7%), e inferior à média mundial (10,6%). Um bebé pré-termo tem risco mais elevado de morte no início da vida e de desenvolver complicações graves, como a displasia broncopulmonar, ou a síndrome de dificuldade respiratória, ou de paralisia cerebral, deficiência sensorial e motora, perturbação da aprendizagem e do comportamento. E, apesar de atualmente a maioria das crianças que nasceram prematuras se adaptarem bem à transição para a idade adulta, e de uma esmagadora maioria dos adultos que nasceram prematuros serem saudáveis, existem consequências, ainda que em pequena proporção, de algumas consequências adversas na vida adulta. Os adultos nascidos prematuros têm um risco acrescido de anomalias neurológicas, comportamentais ou de personalidade, disfunções cardiopulmonares, hipertensão sistémica e síndrome metabólica, em comparação com adultos nascidos a termo. Estes riscos são proporcionais ao grau de prematuridade ao nascimento.
A obesidade constitui um dos mais sérios e graves problemas de saúde pública do século XXI. Tendo em conta a tendência crescente de obesidade infantil em Portugal, qual é, para si, o papel da investigação na compreensão da doença, e na sua prevenção e tratamento?
A obesidade é uma entidade dinâmica e multidimensional, causada pela alteração ou acumulação de fatores genéticos, ambientais e fisiológicos. O desenvolvimento da obesidade inclui períodos críticos e acumulação de risco ao longo do tempo, tornando-se uma abordagem ao longo do curso da vida particularmente adequada para o seu estudo, tanto para compreender o seu desenvolvimento e consequências, como na identificação de possíveis ações preventivas. Assim, investigação que acrescente conhecimento e evidência sobre o desenvolvimento da obesidade e suas consequências, nomeadamente cardiometabólicas, avaliando o impacto de diferentes períodos de vida, são fundamentais. Sabemos também que, uma vez estabelecida, a obesidade é muito difícil de tratar. Este aspeto reforça a importância de iniciar os esforços de prevenção o mais cedo possível, mesmo antes do nascimento. A investigação nesta área deve contribuir com evidência sobre este desafio de saúde pública, potencialmente levando a intervenções que reduzam o risco e aumentem os fatores protetores, alterando assim a trajetória de obesidade na nossa população.
No contexto atual de pandemia COVID-19, combinado com a já elevada prevalência de obesidade infantil em Portugal e o ambiente obesogénico em que muitas crianças se desenvolvem, quais são os desafios que a ciência e a sociedade de um modo geral enfrentam?
O impacto mais a longo prazo que a pandemia terá na saúde não é conhecido, mas acreditamos que haverão certamente efeitos na saúde mental e física das populações. Um destes poderá ser o impacto na obesidade, em especial na obesidade infantil. As respostas da sociedade à pandemia COVID-19 provocaram grandes mudanças nos estilos de vida, incluindo a permanência em casa e distanciamento físico. As escolas fecharam e algumas crianças perderam o acesso a alimentos nutritivos e a atividade física obrigatória. O enceramento das escolas poderá ter afetado as crianças também na sua capacidade de manter um peso saudável. Para além disso, a pandemia e as respostas socias à mesma, criaram problemas financeiros, aumentaram as disparidades em saúde, com maior importância nas populações vulneráveis, aumentaram o tempo de ecrã, diminuindo a atividade física e alertaram os hábitos alimentares. Todos estes fatores podem potencialmente ter efeito na ocorrência de obesidade nas populações e, em particular, na população infantil.
Sucintamente, pode falar-nos dos projetos em que esteve envolvida, no âmbito da obesidade infantil, e sobre a eventual preparação de novos projetos que visem encontrar novas formas de tratamento para o excesso de peso/obesidade na infância e adolescência?
Tenho utilizado na Geração XXI como base de informação aos projetos de investigação que tenho liderado, com o objetivo maior de conhecer e compreender o desenvolvimento da obesidade nas crianças portuguesas. Mais concretamente, desenvolvi dois projetos que tinham como objetivos específicos conhecer os determinantes dos padrões de crescimento pós-natal e avaliar a associação entre características intra-uterinas, o rápido crescimento pós-natal e outras características da criança, e o risco de desenvolver excesso de peso/obesidade e perfis metabólicos adversos, nomeadamente os componentes da síndrome metabólica em crianças. Assim, estabelecemos períodos críticos e avaliamos riscos cumulativos; especificamente, estimamos a incidência de diferentes fenótipos de distribuição de gordura corporal em crianças portuguesas, e avaliamos o impacto de períodos críticos como o ressalto adipocitário e a puberdade, no crescimento e no risco metabólico da criança. O meu objetivo é prosseguir com esta linha de investigação, agora focando-me no impacto da adolescência nestes indicadores, quer nas trajetórias de crescimento, nos fenótipos de distribuição de gordura corporal, quer nas suas consequências metabólicas.
Qual tem sido o contributo dos Fundos da União Europeia no reforço de redes de I&D e na formação de equipas, para que a ciência esteja ao serviço da sociedade?
Acho que estes fundos têm sido essenciais na promoção de projetos nacionais, mas também internacionais.
Estes fundos permitiram, ainda, estabelecer redes de investigação e desenvolvimento, aumentando as relações e sinergias entre investigadores, nomeadamente internacionais, na área na epidemiologia perinatal. Neste contexto, o ISPUP tem desenvolvido estruturas de investigação, como a coorte Geração XXI, ou uma outra coorte de crianças nascidas prematuras – EPICE PT, em consórcio com outros países europeus. Estas estruturas têm permitido criar conhecimento e monitorizar o estado de saúde destas populações. Com estas estruturas e projetos, consolidamos a equipa de investigação que, dentro do ISPUP, se dedica à epidemiologia perinatal e pediátrica.
Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia na prevenção da obesidade infantil?
A prevenção da obesidade, em particular da obesidade infantil, requer um esforço nacional. A obesidade é uma entidade complexa, dinâmica e multidimensional, e o seu impacto na saúde, na economia, e na população em geral, tornou-a um importante problema de saúde pública. Em relação à obesidade infantil, julgo que nos deveríamos centrar em intervenções de prevenção primordial que promovam e mantenham as nossas crianças com peso considerado normal ao longo da infância, mas também da adolescência – isto porque, depois de instalada, é muito mais difícil lidar com obesidade. Logicamente que a promoção de estilos de vida saudáveis, como a promoção de alimentação baseada na ingestão de alimentos de origem vegetal e fruta, e a promoção de uma vida ativa, pela promoção do exercício físico, deverão ser pilares nos programas de prevenção.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.
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