Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Ana Paula Pêgo
i3s - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde / ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto

Embaixadora da revista científica Science


Para si, enquanto investigadora, o que simboliza ser a primeira cientista portuguesa a tornar-se embaixadora da prestigiada revista norte-americana Science?
É uma grande honra e dá-me ainda mais motivação para continuar a desenvolver trabalho na área dos biomateriais, engenharia de tecidos e entrega de fármacos, temáticas em que eu darei o meu contributo para o corpo editorial. São áreas onde Portugal “dá cartas”. Ter esta oportunidade é também um reconhecimento do meu trabalho nestes campos, o que é muito recompensador.

Fale-nos um pouco do seu percurso científico na U.Porto, do trabalho desenvolvido, e de que como este foi importante para a obtenção deste convite.
Eu juntei-me ao universo U.Porto em 2003 como Pós-doc do grupo do Professor Mário Barbosa no Instituto de Engenharia Biomédica (INEB). Tive a oportunidade de implementar uma área nova no Instituto, dedicada ao desenvolvimento de biomateriais para promoção da regeneração do sistema nervoso, área essa a que ainda me dedico. Desde 2014 lidero o grupo nanoBiomaterials for Targeted Therapies (nBTT), que em 2015 integrou o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), também da U.Porto. Poder desenvolver o meu trabalho nestes Institutos de referência foi fundamental para chegar até este convite. A minha equipa tem tido condições únicas para desenvolver um trabalho multidisciplinar que vai desde a síntese de novos biomateriais até o seu teste em modelos pré-clínicos de lesões nervosas. Não há muitos sítios onde as condições estejam reunidas para tal. A possibilidade de ser docente no Mestrado de Bioengenharia (FEUP/ICBAS) tem sido também muito importante para mim. Ensinar disciplinas como Engenharia Regenerativa obriga-me a estar sempre a procurar novos desenvolvimentos na área. Obriga-me a estudar e a inteirar-me do que de mais recente se faz em áreas para além daquela em que investigo, e isso é relevante para o papel de editora de um jornal científico.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos na sua carreira profissional mais relevantes para si?
É difícil escolher, porque vivo com muita intensidade os resultados científicos que fomos conseguindo. Mas há momentos que foram marcantes. O doutoramento foi definitivamente um deles. A formação que tive na Universidade de Twente (Países Baixos) foi muito importante para mim, porque me deu uma base muito sólida na área da síntese de biomateriais para regeneração nervosa. Depois lembro-me quão importante foi conseguir o meu primeiro projeto financiado. Foi pouco depois de ter terminado o doutoramento. Isso permitiu-me começar uma pequena equipa, que alicerçou o trabalho do meu atual grupo.
Formar o primeiro aluno de doutoramento também foi um marco especial. Eu valorizo muito a oportunidade de formar uma nova geração de bioengenheiros, pelo que partilhar o caminho de um aluno nosso e vê-lo terminar com sucesso o seu doutoramento é muito enriquecedor.

Qual é a importância de integrar o Conselho Científico da revista Science na sua carreira?
Sendo que é certo que fazer parte do BoRE (Board of Reviewing Editors) da Science me tem dado mais visibilidade, para mim é, acima de tudo, uma enorme oportunidade de aprendizagem. Os artigos que revemos são sempre muito bons, e com imensa inovação. É uma antevisão do que de melhor está a ser feito na minha área. Como embaixadora da revista, também nos pedem para promover a mesma na nossa comunidade e procurar que os melhores e mais disruptivos trabalhos sejam submetidos á revista. Vai ser sem dúvida um desafio muito interessante!

Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no seu grupo de investigação NanoBiomaterials for Targeted Therapies e sobre, como líder, qual o contributo que pretende deixar para a sociedade?
O principal objetivo do meu grupo é desenvolver novos biomateriais para promoção da regeneração do sistema nervoso. Temo-nos focado em três linhas principais. Uma é o desenvolvimento de veículos baseados em materiais degradáveis para conseguir a entrega específica de ácidos nucleicos em células neuronais. Temos também proposto diferentes matrizes para promoção da regeneração axonal no contexto de lesões vertebro-medulares. Mais recentemente, temos vindo a trabalhar no desenvolvimento de modelos in vitro que pretendem mimetizar o tecido cerebral. Com estes últimos procuramos dissecar mecanismos de algumas doenças neurodegenerativas, e também desenvolver plataformas que nos permitam testar novas terapias. Como contributos, espero que se intensifique a utilização de biomateriais nas áreas da neurologia. Há mesmo muitas aplicações que beneficiarão destes sistemas, que não apenas a área da regeneração neuronal. Espero também promover o uso das plataformas baseadas em engenharia de tecidos que temos vindo a desenvolver, como alternativas fiáveis à experimentação animal.

Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que, na sua opinião, a investigação enfrentará nos próximos anos?
A curto prazo é essencial podermos voltar a ter toda a equipa a trabalhar ao mesmo tempo, viajar para realizar os intercâmbios que são essenciais aos nossos projetos e poder ter reuniões presenciais com os nossos pares. As reuniões online vieram para ficar e trazem inúmeras vantagens, mas a meu ver não substituem uma boa conversa presencial, que tantas vezes é aquilo que dá origem a novas ideias e são o pontapé de saída para novos projetos. A médio e longo prazo espero que se criem mecanismos para que o investimento na ciência (a fundamental e a aplicada) não abrande. A resposta da comunidade científica que tivemos a esta pandemia só foi possível porque o conhecimento existia, e as equipas estavam montadas.

Após a atribuição deste convite, quais são as principais ambições ou objetivos na sua futura carreira na investigação?
Eu gostaria de ver um dos biomateriais que estamos a desenvolver chegar à clínica. Isso seria sensacional! Pelo que para isso há que continuar a trabalhar porque ainda há muito a investigar na área da regeneração nervosa.
Para além disso, como disse antes, tenho como objetivo formar as novas gerações de bioengenheiros ao nível da pré- e pós-graduação. Assim, é para mim muito importante apoiar estes alunos, e proporcionar o contacto com investigação científica de topo.

Uma vez que, para além da revista Science, é também Associate Editor da revista Biomaterials, que tópicos diria serem predominantes atualmente nestes campos científicos? Existe(m) algum(s) tópico(s) ainda pouco explorado(s) e que careçam de investigação?
Neste momento há muito trabalho a ser apresentado na área da bioimpressão e no desenvolvimento de modelos de tecidos complexos in vitro. Também há um interesse crescente na área do desenvolvimento de materiais para a micro- e nano-robótica aplicada à saúde. Mas ainda há muitos desafios na área da saúde em que penso que os biomateriais irão ter um papel muito importante, mas que ainda são pouco explorados. Uma área é obviamente a área das doenças neurodegenerativas e das lesões do sistema nervoso. Saindo um pouco das aplicações médicas, começa a haver cada vez mais interesse na aplicação dos biomateriais na área alimentar e até têxtil. Neste momento existem já várias empresas a desenvolver carne e peles para a indústria têxtil (couro, por exemplo) preparadas por engenharia de tecidos. Isto é, usando matrizes baseadas em polímeros e células estaminais de animais (ex. vaca). Estou certa que assistiremos a desenvolvimentos muito significativos nestas áreas nos próximos anos, o que será certamente benéfico até para as áreas de aplicação dedicadas à Saúde.

Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passo(s) ou política(s) que o país deve adotar para ser uma referência europeia em termos de investigação na área dos biomateriais?
Continuar o investimento que tem sido feito nesta área. Em termos de financiamento de projetos, de formação de recursos humanos e também nas infraestruturas. Há que manter o parque de equipamento atualizado. Investimentos que permitam a renovação de equipamentos que estão a ficar datados e a aquisição de equipamentos de ponta serão essenciais para que possamos continuar a ser uma referência nesta área. Gostaria também de ver mais start-ups a serem criadas. Para isso acho que precisamos de expor cada vez mais os nossos alunos a essa realidade. A U.Porto já tem muito trabalho feito em domínios como as tecnologias de informação e comunicação. Há agora que alavancar também esta área.

Que conselhos daria à comunidade científica da U.Porto, e a todos/as aqueles que se encontram atualmente a preparar um artigo para revista científica, de forma a aumentar a probabilidade do artigo submetido ser aceite para publicação?
Inovação e qualidade científica são essenciais. Mas muitos artigos falham porque a forma como os autores tentar passar a mensagem não é eficaz. Os artigos devem ser preparados com cuidado. Devem ser informativos, mas concisos e apelativos. Deve ser claro qual o contributo dado pelo estudo. A forma como se apresentam as metodologias deve também ser rigorosa. A análise estatística deve ser criteriosa, o que muitas vezes é negligenciado. Uma coisa que aconselho sempre é que a resposta aos revisores deve ser bem trabalhada. Devemos sempre facilitar quem nos vai ler. Explicando o nosso ponto de vista, respondendo às preocupações dos revisores, e indicando claramente o que foi e o que não foi feito.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.


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