Líder U.Porto do Projeto unCoVer
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico e de como surgiu a hipótese de colaborar no projeto Europeu unCoVer (Unravelling Data for Rapid Evidence-Based Response to COVID-19).
O meu percurso científico começou, na verdade, muito cedo. Comecei a fazer investigação ainda durante o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, no 3º ano, no Laboratório de Farmacognosia da FFUP, atividade que acabei por manter durante todo o curso. De seguida prossegui para doutoramento também na FFUP e depois da conclusão, em 2013, passei por um (breve) período de pós-doc na Universidade do Minho, tendo ingressado na FFUP como Professor Auxiliar em 2014, no mesmo laboratório onde tinha começado enquanto estudante.
A ideia para o projeto unCoVer surgiu no âmbito de uma ação COST da qual faço parte. Neste âmbito, e no contexto da pandemia, tivemos conhecimento de calls específicas na área da COVID-19 e decidimos avançar. Uma vez que já tinha alguma experiência em ações do tipo CSA, como é esta, acabei por ficar envolvido na preparação e redação do projeto.
Pode dar-nos algumas informações sobre a temática e objetivos deste projeto?
A temática do projeto resulta da interseção de áreas como ciência dos dados, saúde pública, inteligência artificial e epidemiologia. Especificamente, o projeto pretende fazer uso da enorme quantidade de informação disponível na área da COVID-19. Temos atualmente milhões, provavelmente biliões, de data points de vários países, frequentemente em formatos e formas de reporte diferentes. O objetivo do unCoVer é recolher todos estes dados e coortes, no espaço europeu, e desenvolver metodologias que permitam harmonizar e standardizar toda esta informação, facilitando assim a comparação dos dados de vários países. Posteriormente, iremos utilizar esta informação no contexto de inteligência artificial, o que nos permitirá inferir relações e correlações entre fatores de risco, co-morbilidades e o desenvolvimento e progressão da doença, bem como eventuais relações com outras patologias ainda não conhecidas.
Quais são as próximas etapas do unCoVer?
O projeto está de momento numa das suas fases mais críticas, especificamente a recolha dos dados nacionais e a sua harmonização. Todo o trabalho que será feito no futuro dependerá dos dados que o consórcio está neste momento a recolher, pelo que têm de ser de elevada qualidade. No nosso caso, já conseguimos todas as autorizações necessárias em termos de ética e proteção de dados e já nos foi dado acesso à base de dados COVID-19 da DGS, que estamos agora a trabalhar. O consórcio está também a implementar uma plataforma de partilha de informação que respeite todas as questões de confidencialidade e proteção de dados no contexto RGPD. Neste tema específico até está a ser a UPorto a “cobaia” para testar as funcionalidades da plataforma…
Quais as suas principais funções neste projeto?
Neste projeto, assumo a função de Work Package Leader na área específica de valorização e disseminação dos resultados do projeto nas suas múltiplas vertentes. Além disto, participamos em outras tarefas do projeto de natureza mais técnica: começámos pela recolha dos dados COVID-19 de Portugal e estamos de momento na fase de harmonização. Esta harmonização é um grande desafio, pois cada país reporta os resultados com os seus próprios critérios, no entanto os mesmos só podem ser integrados numa base de dados unificada do projeto depois desta transformação. De seguida, segue-se o passo de desenvolvimento de algoritmos e ferramentas, incluindo de inteligência artificial, que permitam trabalhar estes dados e daqui tirar conclusões que possam ser utilizadas no apoio à decisão e, eventualmente, em futuras doenças do mesmo foro que possam surgir.
Para si, o que simboliza integrar uma equipa multidisciplinar de 29 parceiros Europeus e Norte-Americanos, oriundos de mais de 15 países?
A diversidade e representatividade deste projeto é, acredito, uma das suas maiores forças. Com efeito, a cobertura muito significativa que temos da situação pandémica na Europa, os tais 15 países que referiu, contribui para que a base de dados que estamos a compilar seja, provavelmente, uma das maiores e mais completas na Europa. Temos também alguns parceiros de fora do espaço europeu, como EUA, Coreia do Sul ou Brasil. Acresce que, além dos dados demográficos de cada país, a presença de vários parceiros do setor clínico significa que temos acesso a muitos dados hospitalares, de natureza clínica, que nem sempre estão incluídos nas bases de dados nacionais. Por tudo isto, tem sido um processo muito estimulante e estou muito satisfeito por poder integrar esta equipa. No entanto, é também um grande desafio. O fluxo de informação com tantos parceiros é imenso e a necessidade de gestão eficaz absolutamente essencial. Algumas destas dificuldades são atenuadas pela nossa estrutura organizativa, baseada num Steering Committee para as decisões mais imediatas e urgentes, que reúne mais que uma vez por mês, e uma Assembleia Geral, com todos os parceiros, que reúne semestralmente.
Considera que o projeto unCoVer irá motivar a criação de sinergias e o desenvolvimento de redes de contactos? Se sim, em que medida?
Não só irá motivar, como já o faz. A começar pela sua génese, a própria candidatura adveio de uma rede anterior, maioritariamente uma ação COST. Um projeto com esta natureza tem equipas com perfis muito distintos, desde epidemiologistas, médicos e farmacêuticos até engenheiros de software e especialistas em inteligência artificial. Assim, se no futuro for necessária alguma destas competências já sabemos a quem nos devemos dirigir.
O unCoVer foi o único projeto recomendado para financiamento na call H2020-SC1-PHE-CORONAVIRUS-2020-2E. O que acredita ser fundamental para maximizar o potencial de sucesso na angariação de financiamento competitivo?
O sucesso na angariação de financiamento competitivo tem, a meu ver, 2 componentes principais. A primeira é probabilística: sabemos que estas iniciativas são altamente competitivas e como tal a perseverança é fundamental. Apesar disto, é naturalmente fundamental ter uma proposta robusta, que equilibre a exequibilidade com algum grau de inovação e force o estado da arte a avançar. No caso específico de projetos europeus, é fundamental que o consórcio cubra todas áreas e valências necessárias ao seu sucesso. Mas termino como comecei: o fator sorte é, infelizmente, muito relevante.
Que resultados são esperados deste projeto e o que acrescenta à ciência, nomeadamente, na minimização de surtos futuros?
Em termos de acrescento, julgo que ficará a demonstração de que chegámos a um nível de informação tal que as abordagens clássicas na resolução de problemas que envolvem muitos dados (big data) deixam de fora grande parte da complexidade do problema. Numa situação como a atual, em que temos acesso a milhões de datapoints, é absolutamente essencial recorrer a metodologias de ciência dos dados e ferramentas computacionais para extrair, relacionar e apresentar toda a informação relevante. Uma vez que estamos a cruzar a informação epidemiológica e clinica de doentes COVID com dados populacionais e por vezes até genéticos e nutricionais, será possível evidenciar eventuais relações entre esta patologia e outras, o que poderá contribuir para a nossa melhor preparação num futuro que esperamos que não chegue. Ao nível específico da Universidade espero que este projeto ajude a reforçar a nossa atuação na área da inteligência artificial e big data no contexto de saúde, uma área que a meu ver já não é o futuro, mas sim o presente. Este financiamento foi, aqui, muito importante pois permitiu à FFUP adquirir os recursos computacionais e contratar os recursos humanos necessários para reforçar esta área de investigação.
Na sua opinião, qual o principal passo ou política que o país deve lançar para ser uma referência europeia em termos de investigação?
Lemos em várias fontes que em Portugal se faz boa investigação, algo com que concordo. No entanto, para se fazer boa investigação é fundamental ter tempo para pensar e tempo para executar. Neste aspeto, a carga burocrática que recai sobre os docentes e investigadores em Portugal é absolutamente incomportável, não só em fases de candidatura como, mais ainda, em fases de execução. Neste tópico, julgo que seria fundamental não só reforçar as estruturas locais de apoio à investigação como também arranjar mecanismos de atenuação letiva para os docentes envolvidos em projetos financiados de grande dimensão, dado que poderia ser um mecanismo de reforço positivo para consolidar e reforçar a posição das Universidades nestas iniciativas.
Que conselho daria a um jovem investigador em início de carreira?
No meu caso específico, que desde cedo sabia o que queria fazer, ter começado cedo, ainda durante o curso, foi fundamental. No entanto, não julgo que esta seja uma estratégia universal, pois em várias situações fará sentido fazer o curso, ter experiência laboral fora da academia e depois, havendo vontade, regressar. Julgo que é importante pugnar por experiências em instituições diferentes, ainda que por períodos reduzidos, pois cada entidade tem a sua forma de trabalhar e há sempre algo a aprender e apreender. Enquanto investigadores não somos apenas o curso que tiramos e é cada vez mais relevante ter valências em vários campos do conhecimento, embora cada campo seja paradoxalmente cada vez mais específico e focado. No meu caso específico, farmacêutico de formação, embora já trabalhasse há alguns anos no campo da epidemiologia, mais na vertente matemática, tenho andado nos últimos anos a estudar programação e ciência de dados, o que permitiu desenvolver competências que estou agora a aplicar neste projeto.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.