Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Isabel Pinto
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Vencedora do Projeto de investigação EducHate, sobre o impacto da pandemia COVID-19 nos crimes de incitamento ao ódio, à violência e no discurso de ódio

Para si, o que simboliza estar entre um dos projetos selecionados no âmbito da linha de apoio "Impacto COVID-19 nos crimes de ódio e violência", promovida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia?
Simboliza o reconhecimento de um trabalho demonstrado no âmbito dos crimes de ódio e em particular do discurso de ódio. Simboliza que o júri reconheceu a relevância deste programa de intervenção em particular, da necessidade de intervir na população e nas instituições.

Fale-nos um pouco do projeto EducHate: An educational approach to detect, combat and prevent online hate speech. Qual é a sua missão e objetivos?
Os objetivos deste projeto passam por atuar em instituições educativas sobre o discurso de ódio nas redes sociais usadas no âmbito da atuação nessas instituições: o discurso de ódio é dependente do contexto (das instituições onde ocorre, do âmbito das interações que o despoletam) e por essa razão, acreditamos em intervenções contextualizadas. Esta intervenção prevê o desenvolvimento de competências individuais relacionadas com a deteção, prevenção e combate ao discurso de ódio nos atores sociais que se inserem nas instituições onde vamos atuar, e no reforço de mecanismos de regulação institucional (regulamentos, criação de equipas de “embaixadores contra o ódio”, sustentação de valores como justiça social, democracia, respeito pela dignidade humana, e tolerância-zero ao ódio).

Qual a pertinência social e científica deste projeto, nomeadamente, na intensificação dos esforços de combate ao discurso de ódio e à discriminação na sua expressão online?
Em termos de pertinência social, este projeto permitirá perceber se o programa de intervenção atua de forma preventiva e remediativa sobre o discurso de ódio nas redes sociais. Se isso se verificar, este programa contribui para justificar a necessidade de intervir para uma maior responsabilidade das instituições sociais para o controlo deste crime. Em relação à pertinência científica, a compreensão do fenómeno do discurso de ódio tem de ter o contributo de várias áreas científicas. Este projeto tem uma equipa multidisciplinar na sua base, que acreditamos ser uma mais-valia não só para a leitura deste fenómeno, mas também para a própria intervenção prevista. Este programa testa evidência científica já existente relacionada com processos psicossociais que consideramos próximos dos associados ao discurso de ódio nas redes sociais. A análise do impacto deste programa permitirá tirar conclusões relevantes para a ciência aplicada.

De que forma a criação de grupos de "embaixadores contra o ódio", no EducHate, bem como a adoção de uma abordagem pedagógica participativa, ajudará os atores sociais de escolas e universidades (professores, estudantes/alunos, pais) a confrontarem, desmontarem e substituírem narrativas de ódio?
Os “embaixadores contra o ódio” serão membros das próprias instituições sob intervenção (professores, estudantes/alunos, pais e diretores), que se identificam com a mensagem do projeto e se responsabilizam pela conceptualização de materiais, atividades, ações de sensibilização, campanhas, entre outras dinâmicas, no sentido de detetar, prevenir e combater o discurso de ódio nas redes sociais específicas às suas instituições (grupos de trabalho, turma, escola, etc). Com o apoio da equipa EducHate, estes embaixadores vão planear e operacionalizar as melhores estratégias, construir materiais de disseminação, definir indicadores de mapeamento de discurso de ódio e de monitorização do programa, definir indicadores de (in)sucesso do programa. Estas iniciativas serão específicas a cada instituição, mas o objetivo é que possam partilhar boas práticas e trocar experiências, através da nossa webpage e de seminários que iremos organizar.

Este projeto pretende aprofundar outras iniciativas ou lançar novos projetos de natureza exploratória na mesma área?
Como este projeto tem a duração de 10 meses, será difícil alargarmos o seu propósito a outras iniciativas para além das que propusemos, até porque serão 10 meses de trabalho muito intenso. No entanto, e no caso de os resultados serem os esperados, estaríamos abertos ao alargamento deste projeto a outros tipos de instituições (por exemplo, autoridades locais) e outros tipos de más práticas em contexto online (bullying, disseminação de falsas notícias, difamação, calúnias), no sentido de contribuir para que a utilização das redes sociais sejam seguras e promovam o respeito pelos outros.

O discurso de ódio online é um fenómeno preocupante, que afeta particularmente os jovens das gerações “nativas digitais”. Qual é, para si, o impacto dos discursos de ódio online em jovens e crianças?
O discurso de ódio, em Portugal, é crime. Trata-se de uma ofensa verbal dirigida sobre um indivíduo ou grupo com base nas suas pertenças a categorias sociais que são socialmente vulneráveis a discriminação (e.g., imigrantes, mulheres, negros, comunidade LGBT, …). Esta ofensa verbal tem na sua base a ideia de que há grupos sociais com mais valor e com mais direitos do que outros. Frequentemente, o discurso de ódio leva a violência física, consiste num instigador de conflitos sociais. No entanto, é um crime com contornos especiais, na medida em que a sua manifestação é frequentemente confundida com o direito à liberdade de expressão, e observa-se a tolerância a este tipo de práticas. Em contexto online, a tolerância ainda é maior e a prática deste tipo de discurso é mais intensa do que na interação face-a-face.  Existe um fenómeno designado por “efeito de desinibição” que evidencia que as pessoas, em contexto online, por estarem protegidas da interação face-a-face, tendem a ser menos autocríticas e, em simultâneo, a emitir julgamentos mais repressivos em relação aos outros. Ora, com a intensificação do uso da interação online devido à pandemia, com o acentuar das crises e vulnerabilidades em que muitos cidadãos vivem, não é de estranhar que o discurso de ódio tenha aumentado de forma significativa. O discurso de ódio é negativo para as vítimas, e quando descontrolado é também muito negativo para a sociedade em geral: instiga a crispação social, legitima a ideia de que existem grupos com valor e direitos superiores a outros, ensina os cidadãos que este ato é tolerável e, portanto, aceitável, e descompromete os cidadãos em relação a valores sociais relevantes e às instituições sociais.

Os exemplos mais danosos do discurso de ódio baseiam-se, frequentemente, em histórias simples, que são repetidas vezes sem conta e de diferentes formas, nos meios digitais. Pode falar-nos um pouco sobre o contributo deste projeto em termos de promoção de competências digitais para reconhecer e agir contra o discurso de ódio?
Algumas componentes relevantes deste projeto passam pela consciencialização e consolidação de competências por parte dos vários atores sociais das instituições envolvidas no projeto (através de workshops, debates, discussão de dilemas, materiais didáticos, campanhas, blogs, etc) de várias manifestações possíveis do discurso de ódio nas redes sociais. Para além disso, a definição (por parte das instituições envolvidas) de procedimentos a realizar em caso de deteção de discurso de ódio constituem contributos relevantes para responder a essa necessidade.

Dado que a pandemia COVID-19 amplificou as práticas de discriminação e discursos de ódio, em particular em certas comunidades e grupos vulneráveis, quais são os desafios que os atores relevantes – Estados, média, plataformas digitais e organizações da sociedade civil – enfrentam no combate às práticas de discriminação e discursos de ódio?
Com efeito, a pandemia intensificou as práticas discriminatórias e nomeadamente o discurso de ódio nas redes sociais, não só porque intensificou a necessidade de utilização das redes sociais para contacto social, mas também porque intensificou crises existentes e, com estas, a maior perceção de insegurança, vulnerabilidade e falta de confiança entre cidadãos e nas instituições. Para além disso, novos grupos-alvo de discurso de ódio emergiram. Todos somos atores relevantes no combate a estas práticas: essas instituições mencionadas, mas também os cidadãos comuns. Seria importante que as instituições sociais clarificassem e reforçassem os seus valores anti discriminação, que criassem mecanismos de diagnóstico e de reporte destas práticas, promovendo espaços seguros para todos os cidadãos. Mas os cidadãos também são relevantes neste combate. A responsabilização social pela intolerância a qualquer tipo de discriminação enquanto compromisso individual contribuiria para o fortalecimento da coesão social e valores associados a democracia, justiça e igualdade social, e para a utilização digna das redes sociais. No entanto, é preciso saber como ser intolerante à discriminação. Por exemplo, conflitos sociais têm-se intensificado e frequentemente levado a violência física devido à manifestação menos adequada de intolerância à discriminação.

Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no seu grupo de investigação, nesta temática e noutras aproximadas, nomeadamente com o projeto VigilHate, e de que forma estes projetos se complementam?
O projeto VigilHate (financiado pela Fundação La Caixa e FCT) é um projeto também focado sobre o discurso de ódio nas redes sociais, mas direcionado para a investigação. Nesse projeto estamos a testar o efeito da saliência de vários processos psicossociais que permitam estimular a autorregulação moral das pessoas para que se tornem proactivas perante o testemunho de discurso de ódio, diminuindo o “efeito de espectador” (apatia). Este projeto dá indicações muito claras de quais os processos a trabalhar em campanhas, formações, materiais didáticos, etc, para o combate e futura prevenção do discurso de ódio. Para além disso, parte da equipa está a trabalhar no projeto HATE (financiado pela FCT e coordenado por um dos membros da equipa, Susana Salgado, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) que propõe diagnosticar padrões de utilização das redes sociais (nomeadamente relacionados com o ódio no Twitter), e de que forma estes padrões estão relacionados com adesão a outros fenómenos como o populismo ou a desinformação. O acesso a estes padrões permite-nos diagnosticar quais os grupos mais vulneráveis a ódio, qual a sua manifestação, e eventualmente a sua origem e intenção.

Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia em termos de investigação-ação no âmbito de crimes de incitamento ao ódio, à violência e à expressão dos discursos de ódio?
Esta questão é muito complexa e exigiria uma resposta também muito complexa. No entanto, penso que seria de destacar alguns passos fundamentais, apesar de não nos devermos cingir apenas a estes passos. Eu diria que iniciativas como esta call a que este projeto respondeu são iniciativas fundamentais. Foi uma call financiada pela FCT e com o envolvimento de outras estruturas governamentais na sua organização, com questões específicas que apelavam à construção de projetos científicos com carácter multidisciplinar, e com a possibilidade de envolvimento de outros parceiros não académicos. No entanto, 10 meses para a implementação de um projeto de intervenção-ação, com ambições de criar mudanças sociais é muito pouco tempo. É uma limitação óbvia com a qual todas as equipas terão de lidar. A continuidade destes projetos seria fundamental, não só pela possibilidade de alargar o âmbito de intervenção, mas também pela necessidade de realizar monitorização e avaliação do impacto das intervenções a médio e longo-prazo. Penso que o envolvimento de estruturas governamentais nestes projetos (por exemplo, como membros dos órgãos consultivos dos projetos) seria uma mais-valia, nomeadamente porque ajudaria a uma comunicação mais eficaz entre resultados obtidos nos projetos e informação para definição de medidas políticas e para o investimento em medidas de âmbito local. No entanto, antes de passarmos para a fase da intervenção, seria necessário fazer um levantamento mais rigoroso da expressão do discurso de ódio. A verdade é que, apesar de não haver dúvidas sobre os seus efeitos para as vítimas e para a coesão social, o que se sabe sobre este fenómeno é ainda pouco sistematizado: quais os alvos, qual a dimensão que assume, quais as manifestações que toma, etc. Finalmente, a partilha de resultados e de boas práticas entre programas de intervenção e projetos de investigação a nível nacional e internacional é fundamental. O conhecimento sobre este fenómeno nunca é demasiado, aprender com os outros sobre outras experiências é uma necessidade, e trazer mais pessoas com olhares diferenciados (igualmente preocupadas com este fenómeno) a participar é também fundamental. O limite é envolver todos os cidadãos nesta luta contra o ódio.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.


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