Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
José Pedro Sousa
Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto

Membro do Novo Bauhaus Europeu


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre o trabalho que tem desenvolvido no Laboratório de Fabricação Digital (DFL – Digital Fabrication Lab).
A minha integração na FAUP como docente deu-se em 2009 e foi um regresso à escola onde me tinha formado 10 anos antes. Durante este período intermédio, desenvolvi uma actividade de prática, investigação e ensino centrada na área da cultura, desenho e fabricação digital em arquitectura, que acabou por informar o meu percurso científico na U.Porto desde então. Para além de leccionar no MIArq na UC de Geometria e Arquitectura, tenho estado envolvido com a UC do 3º ano de Geometria Construtiva e, recentemente, com uma UC de Arquitectura, Projecto e Tecnologia Digital do PDA. Noutro plano, cheguei a co-criar e coordenar um Curso de Estudos Avançados em Arquitectura Digital co-promovido com o ISCTE-IUL e, mantendo esta colaboração inter-orgânica, iremos lançar brevemente um Mestrado em Inovação Digital para Práticas de Projecto. Quanto ao grupo de investigação DFL, ele foi criado no final de 2013, como um espaço de investigação fundamental e aplicada sobre as oportunidades de inovação conceptual, formal e material através da transformação digital dos processos em arquitectura. No âmbito da sua actuação, o DFL é pioneiro em Portugal na aplicação da fabricação robótica e da manufacturação aditiva, tendo desenvolvido, por exemplo, soluções inovadoras em cortiça com a Amorim Insulation Cork, e de GRC (betão reforçado com fibra de vidro) com a Mota Engil.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos mais importantes na sua carreira profissional?
Recuando no tempo, destacaria um projecto que fiz com o meu Estúdio de então, ReD Research+Design, para uma instalação expositiva no Museu Kunsthaus de Graz na Áustria em 2005. A complexidade geométrica e variação formal da solução foi desenvolvida com programação em AutoLISP e materializada por fabricação digital, o que dispensou o uso dos tradicionais desenhos impressos. O resultado expressivo do projecto e a aplicação prática de um processo algorítmico inovador foi reconhecido com várias distinções na altura. Mais recentemente, a fundação do DFL foi outro marco importante ao representar a criação na FAUP um espaço de aprendizagem, investigação, experimentação e discussão colectiva sobre temas de base tecnológica que estava em falta. Ao longo destes anos o DFL tem desenvolvido uma acção de reconhecimento internacional, complementando a afirmação da FAUP através de outras matérias como a história e a teoria, a habitação, o património ou o planeamento.

Para si, o que simboliza ser o único português a integrar a iniciativa da Comissão Europeia High-level roundtable da New European Bauhaus?
Significa uma enorme honra e responsabilidade pela confiança que me foi depositada pela U.Porto e pela FAUP em lançar-me num processo de selecção muito concorrido. Embora esta presença deva ser vista de forma imparcial, é natural que a minha visão sobre este movimento seja inspirada pela realidade que me envolve. Pessoalmente, tenho procurado sensibilizar, divulgar e estimular a participação de pessoas e instituições Portuguesas na New European Bauhaus (NEB), pois a visão particular de cada região é fundamental para suportar soluções ajustadas aos problemas globais que enfrentamos. Neste âmbito aproveito para destacar, entre outras iniciativas nacionais de enorme qualidade como a “Bauhaus do Mar”, o projecto “NEB Goes South”. Promovido pela U.Porto e organizado em conjunto com mais 5 Universidades Europeias, este projecto envolverá nos próximos meses um conjunto de 6 eventos de discussão e co-criação.

Pode dar-nos algumas informações sobre as três fases do Novo Bauhaus Europeu e sobre o que cada uma pretende alcançar?
A primeira fase, que termina no final deste mês de Junho, centra-se num processo de “Co-criação”. Através de uma consulta aberta a todos, pretendeu-se recolher ideias, motivar a organização de eventos de discussão, e lançar a 1ª edição dos Prémios da NEB para ajudar a moldar o movimento. A informação recolhida serve de base para a definição da Fase 2 de “Realização”, que prevê uma série de programas de apoio a projectos e acções concretas no terreno a partir de Setembro deste ano, e que incluiu a muito esperada convocatória para a selecção de 5 projectos piloto. Finalmente, com a terceira fase de “Disseminação” a partir de Janeiro de 2023, espera-se difundir as ideias e acções que foram realizadas de forma a ampliar o impacto da New European Bauhaus para além do território Europeu, tal como aconteceu, de certa forma, com a diáspora da Bauhaus original.

De que forma o projeto, aberto à participação dos cidadãos, irá motivar a criação de sinergias que contribuirão para projetar um futuro mais sustentável?
A forma inusitada como a primeira fase da NEB foi concebida sem nenhum guião superior despertou alguma inquietação inicial, mas acabou por motivar espontaneamente a emergência de sinergias entre pessoas, colectividades e outras entidades que são muito promissoras para o futuro. Juntando escolas de Portugal, Espanha, França, Itália, Croácia e Grécia, a iniciativa da NEB Goes South, referida anteriormente, é um dos muitos exemplos desse efeito de auto-organização que dificilmente aconteceria sem o mote inspirador e provocador da New European Bauhaus. Como tal, aguarda-se com muita expectativa o que poderá resultar destas sinergias que não olham a fronteiras nem a disciplinas.

Apesar da iniciativa estar ainda no arranque, que tipo de preocupações e soluções têm tido predominância por parte dos cidadãos?
A New European Bauhaus assenta numa tríade de preocupações com a sustentabilidade, a estética e a inclusão. Apresentando de forma muito clara esta perspectiva integrada, nota-se uma forte preocupação com a necessidade de todas as áreas, gerações e regiões se verem representadas neste movimento, que deve ser de todos e para todos. Outro foco de atenção prende-se com uma maior integração da natureza no ambiente construído, influenciando novas soluções materiais e de espaço público que possam contribuir no combate às causas e na mitigação dos efeitos das alterações climáticas. Destas transformações acredita-se que possa emergir uma nova estética e uma ética renovada.

Atualmente, os edifícios têm um peso significativo no consumo global de energia e emissões de CO2. Para si, qual o papel da tecnologia na identificação de novas soluções sustentáveis na arquitetura e, consequentemente, na construção?
O grande impacto do sector da construção no ambiente é inequívoco e acredito que para muitos possa constituir uma surpresa. Sendo parte do problema, esta área tem de ser parte da sua solução. E a contribuição da tecnologia é decisiva a vários níveis. Vou dar três exemplos. Com a ajuda do computador, para além das suas características formais e tectónicas, a modelação dos edifícios serve também para prever o seu futuro, simulando, por exemplo, o seu desempenho ao nível do consumo de energia, do conforto térmico ou da iluminação, e até mesmo da sua ocupação e manutenção. É importante cuidarmos do ciclo de vida dos edifícios, entendendo que não são objectos autónomos mas que fazem parte de um ecossistema envolvente sobre o qual poderão ter um efeito regenerativo. A outro nível, a fabricação digital pode introduzir benefícios muito interessantes. Por um lado, abrindo novas possibilidades para o uso de materiais naturais e/ou locais, como a madeira ou a cortiça. Por outro, possibilitando a produção local de soluções que podem ser desenhadas em qualquer outra parte do planeta, minimizando, assim, o impacto ambiental das logísticas de transporte. Finalmente, o potencial de comunicação da tecnologia digital, por exemplo, através das redes sociais, dos modelos de BIM (Building Information Modeling), de estratégias de gaming, ou de modelos de actividades descentralizadas baseados em Blockchain, permite renovar e potenciar processos colaborativos e participativos que poderão influenciar o sucesso do projecto, do planeamento e organização urbana.

A Covid-19 amplificou a relevância de espaços verdes dentro e fora de casa (coberturas verdes, jardins particulares e parques públicos), bem como a necessidade de se repensarem os espaços. Que desafios enfrenta a arquitetura, e em particular Portugal, neste contexto?
Diria que os principais desafios que a Covid-19 apresenta para a arquitectura prende-se com o repensar de três tipos de espaços: o doméstico, o de trabalho, e o público. Com o confinamento a que estivemos sujeitos, estes três espaços foram fortemente condicionados por impossibilidades físicas e formatados pela tecnologia digital. A organização do espaço doméstico teve que, espontânea e rapidamente, dar resposta a solicitações para as quais não estava preparada, e esta condição acentuou a revelação de condições de desigualdade social que importa rapidamente analisar e responder. Por outro lado, este período permitiu ver a cidade de uma outra forma, tendo-se realizado experiências interessantes de ocupação e mobilidade no espaço público que poderão ter repercussões no imediato. Finalmente, constatamos que a dimensão virtual de base tecnológica passou a fazer parte inseparável do tecido que constrói a nossa realidade, pelo que a arquitectura deverá estar atenta a este tema e ao modo como condicionará as actividades e profissões no futuro próximo. Sobre esta questão, aproveito para destacar o estudo internacional Cidades Emergentes que está a ser apoiado e coordenado em Portugal pela FAUP e que revelará importantes dados a este respeito.

Fale-nos um pouco sobre o que considera que poderia aumentar a visibilidade da arquitetura portuguesa a nível internacional.
Ao longo das últimas décadas, a arquitectura portuguesa foi suscitando um reconhecimento internacional para o qual muito contribuiu a nossa “Escola do Porto”. Vivendo na era da Internet e das redes sociais, a visibilidade internacional da arquitectura não depende tanto da comunicação, pois hoje é fácil saber-se de tudo, sobre e desde qualquer lugar do planeta. Diria que as acções a este respeito dependerão mais, por exemplo, do encorajamento dos arquitectos portugueses a abordarem desafios no contexto internacional, ou pela valorização dos arquitectos portugueses que, nos últimos anos, por força da crise económica, emigraram e hoje desempenham funções superiores em escritórios de referência internacional, sendo responsáveis por edifícios que estão a marcar a história da arquitectura contemporânea. Este reconhecimento constituiu uma história por contar e que, estou certo, nos surpreenderia pela revelação de uma outra dimensão de prestígio da arquitectura portuguesa. Uma última nota para referir que, para além da educação dos arquitectos, as escolas são também lugares de investigação, e é importante valorizar e divulgar a produção de conhecimento. Se este se estender a outros territórios, tanto melhor. É muito importante reconhecer que podemos testar e projectar a nossa identidade actuando globalmente, e não pensar que a nossa identidade se constrói apenas limitando-nos a pensar e intervir nos espaços que nos são próximos. Esta atitude não faz sentido no mundo de hoje.

Na sua opinião, qual o principal passo ou política que o país pode lançar para ser uma referência europeia na prática da arquitetura sustentável?
A prática de uma arquitectura sustentável depende da sensibilização dos arquitectos para este tema e, já agora, dos outros agentes ligados à construção em Portugal, como as engenharias, os construtores ou as indústrias de materiais. Mas o seu sucesso depende fortemente de orientações políticas, económicas e de enquadramentos legais capazes de incentivar uma nova cultura de construção promovendo, por exemplo, a renovação e a regeneração, e o enquadramento de novas soluções de carácter material, construtivo ou energético. Para isto acontecer é necessário um forte compromisso com estes valores mas, também, muita criatividade e inovação. Por isso, é absolutamente fundamental que o poder político siga boas práticas que acontecem noutros países, como a Finlândia, e ouça e se faça acompanhar dos arquitectos nesta missão.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.


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