Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Luís Ceríaco
Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto

Vencedor de Bolsa da National Geographic Society


Para si, o que simboliza conquistar uma bolsa da National Geographic Society?
É o reconhecimento, por parte de umas das mais importantes sociedades científicas mundiais, da pertinência e qualidade do trabalho que tenho vindo a desenvolver nos últimos dez anos. A nível pessoal, é o realizar de um sonho – todos os biólogos cresceram a acompanhar os exploradores da National Geographic Society, na televisão e nas revistas. Tornar-me um é o realizar de um sonho de criança!

Fale-nos um pouco do seu percurso científico na U.Porto, e da forma como este foi importante para a obtenção desta bolsa de explorador.
Faço parte da U.Porto há relativamente pouco tempo (cerca de dois anos). Tenho neste momento o cargo de Curador-Chefe do Museu de História Natural e da Ciência da nossa Universidade, tendo como principal função a gestão das coleções científicas e a coordenação das atividades de investigação a elas associadas. No entanto, e agora que penso com mais calma, foi de facto na Universidade do Porto que comecei os meus estudos sobre anfíbios e répteis de África (um dos objetos de estudo desta bolsa da NGS). Há coisa de 12 anos, no âmbito do meu doutoramento, comecei a estudar os anfíbios e répteis do Museu. Foi aí que dei os meus primeiros passos como herpetólogo dedicado ao estudo da fauna Africana. Desde esse momento, estes animais tem sido o foco principal da minha investigação. Acho que esta história mostra bem a importância dos Museus e das suas coleções como catalisadores para a investigação e como base de formação para novos naturalistas.

Pode apresentar-nos brevemente alguns dos objetivos da bolsa e trabalhos a desenvolver?
O principal objetivo desta bolsa é fazer um levantamento, o mais exaustivo possível, da fauna e flora de uma montanha no sul de Angola – a Serra da Neve. É uma zona muito pouco explorada, mas relativamente bem conservada, e de onde esperamos encontrar várias novidades, incluindo novas espécies para a ciência. Para além da expedição, seguir-se-ão longos meses de estudos das espécies encontradas, para que sejam devidamente identificadas e descritas.

Para si, o que simboliza liderar uma equipa multidisciplinar de dez investigadores angolanos, norte-americanos, alemães e portugueses? De que forma se complementam?
É algo a que estou habituado. Desde 2013 que lidero equipas multidisciplinares em trabalhos de campo em Angola. Tenho uma equipa de colaboradores fantástica – com muita experiência de campo e altamente motivada. Cada um tem a sua área de especialidade – uns estudam aves, outros mamíferos, insetos, plantas, e, claro está.. anfíbios e répteis. Para além disso, todos têm a sua função – desde quem toma conta da logística, ao fotógrafo de serviço.

Que resultados são esperados da expedição a Angola - Serra da Neve, e o que acrescentará esta à ciência, nomeadamente, na descoberta de novas espécies?
É sempre uma surpresa… Mas não me espantaria se descobríssemos uma mão cheia de novas espécies, para além de encontrar espécies raras ou desconhecidas da região.

Esta bolsa é sem dúvida um passo importante no seu percurso de investigação. Que desafios ou objetivos se seguirão?
Fazer investigação na área da história natural é sempre um desafio! Por várias razões – desde logísticas, a financeiras. O meu objetivo é continuar a fazer o que faço – catalogar as espécies desconhecidas que ainda por aí ocorrem no planeta. Para isso preciso de ter uma infraestrutura (leia-se Museu!) forte, sólida e oleada para responder às necessidades do mundo da investigação e da preservação do património natural e científico. Quero também solidificar a equipa que já tenho, continuar a formar estudantes, e potenciar o nosso museu ao máximo. Quantas descobertas nos esperam, dentro e fora das portas do Museu?!

A taxonomia biológica é um dos campos mais importantes das ciências da vida, ainda que seja erroneamente subvalorizada. Que desafios se encontram na carreira de investigador em taxonomia e em estudos de biodiversidade?
Infelizmente é uma área que, tal como os museus de história natural, (fundados, aliás, para apoiar os estudos taxonómicos) foi perdendo terreno no mundo académico. É algo absurdo, pois sem taxonomia, não se faz biologia – ponto! A taxonomia foi rotulada como disciplina puramente descritiva, não conduzida por hipóteses, e assumia-se que usava apenas técnicas clássicas e pouco tecnológicas. Nada mais errado. A descrição de uma espécie é em si o responder a uma hipótese científica, que utiliza hoje uma série de ferramentas e métodos que vão desde o tradicional estudo da morfologia externa dos animais e plantas, ao uso de técnicas de biologia molecular ou ao uso de tomografias computorizadas. Por outro lado, também a exploração espacial é uma ciência muito dependente da exploração e da descrição, mas ninguém põe em causa que é ciência de ponta! Como investigador nesta carreira, penso que o mais desafio é por vezes convencer os meus próprios colegas da biologia da importância deste tipo de investigação, e claro, as agências de financiamento.

Pode falar-nos um pouco sobre se a pandemia da Covid-19 estará a distrair-nos de outros problemas globais? O que tem a dizer sobre a necessidade de se ter em consideração desafios, como a perda de biodiversidade, e o efeito em cascata que estes poderão ter na prevenção de futuras pandemias?
A atual pandemia foi um forte abanão à nossa sociedade. Felizmente o abanão resultou, e em menos de um ano a ciência estava a apresentar-nos as primeiras vacinas. Penso que isto aconteceu assim porque foi algo que nos afetou no nosso âmago e de uma forma muito rápida. Em poucos meses o problema estava nos nossos países, nas nossas cidades, nas nossas famílias. O problema da perda de biodiversidade, embora imensamente mais grave e com consequências que não se solucionarão com vacinas, parece que está lá longe. É só um sapinho que se extingue, é menos um panda ou uma águia ou um golfinho…  Mas quando isso causar mais uma pandemia, uma praga agrícola, etc., aí talvez se perceba o problema em que nos estamos a meter.

No atual cenário de perda de biodiversidade, na sua opinião, qual o principal passo ou política que o país pode lançar destinado à sua proteção?
Não vejo qualquer politica a nível nacional para a proteção da biodiversidade. São muitos anúncios, pouca ação. Muitos diretores, secretários, agências e grupos de trabalho e poucas políticas, poucos técnicos, poucas ações concretas. Muitos chefes, poucos índios. A preservação da biodiversidade em Portugal faz-se pela carolice dos conservacionistas, pelos estudos e ações desenvolvidos por estudantes e investigadores das universidades, e… por sorte… por haver certos locais suficientemente ermos que vão escapando. Era fundamental termos técnicos preparados, conhecedores da biodiversidade nacional, da sua ecologia, e com instituições financiadas adequadamente para suportarem os seus trabalhos. Isso, e um grande esforço de educação ambiental, dirigida de forma inteligente e eficaz. O que estamos a fazer hoje não chega.

Que conselho daria a um/a jovem investigador/a que pretende concorrer a uma Bolsa da National Geographic Society, de forma a aumentar a probabilidade de ser selecionado?
Muitos dos jovens investigadores nacionais que pretendem concorrer a uma bolsa da NGS estão no geral habituados ao formato e estilo das candidaturas de bolsas da Fundação para a Ciência Tecnologia. Usem esse formato como exemplo…. E façam exatamente o contrário! Expliquem porque é que vocês, do ponto vista pessoal e científico, são a melhor pessoa para a missão, e expliquem o impacto que o vosso trabalho vai ter no mundo real. Contem boas histórias, arrisquem, e demonstrem o vosso entusiasmo. Foi, sem qualquer dúvida, a bolsa que mais gozo me deu escrever.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.


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