Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Nuno Cardoso Santos
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto / Centro de Astrofísica da Universidade do Porto - Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA)

Integra lista de investigadores mais citados a nível global na área da Astronomia e Astrofísica


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre como surgiu o seu interesse pelo estudo da deteção e caraterização de outras Terras – exoplanetas.
A minha "aventura" na procura e estudo de outras Terras iniciou-se em 1998, quando fui para a Universidade de Genebra (Suíça) fazer o meu doutoramento. Tive a oportunidade de trabalhar com o Professor Michel Mayor (mais tarde galardoado com o Prémio Nobel da Física, em 2019), que tinha sido responsável, 3 anos antes, pela descoberta do primeiro exoplaneta a orbitar uma estrela semelhante ao Sol. Atraiu-me para essa área a perspetiva "aliciante" de poder participar na procura de outros mundos, mas também a perceção de que era uma área emergente e com enorme potencial de crescimento. Por isso, quando voltei para Portugal, fiz um esforço para estabelecer uma equipa de investigação nesta área. Em 2007, quando vim para o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (com uma bolsa de pós-doutoramento), encontrei um ambiente favorável, que me permitiu avançar nesse sentido. Consegui pouco depois uma bolsa do European Research Council, o que alavancou esse objetivo.

A descoberta de outros planetas e outros sistemas solares é algo que tem despertado a curiosidade da humanidade ao longo das últimas centenas de anos. Pode falar-nos um pouco da evolução temporal deste campo de investigação, e sobre o porquê de, na sua opinião, os exoplanetas despertarem tanta curiosidade?
A procura de outros mundos está muito relacionada com algumas das grandes questões que a humanidade se coloca desde há milénios: Existem outras "Terras" por esse Universo fora? Haverá vida noutros sítios do Universo? Em 1995, quando foi encontrado o primeiro exoplaneta a orbitar uma estrela semelhante ao Sol, deu-se um passo fundamental para começar a responder a estas perguntas. No entanto, por limitações técnicas, os primeiros planetas descobertos eram gigantes gasosos, como Júpiter. Mas essas descobertas levaram-nos ao desenvolvimento de novos instrumentos, mais precisos, bem como à aplicação de novos métodos matemáticas para analisar os dados. Fomos também entendendo melhor os desafios que tínhamos pela frente. Ao fim de algum tempo começámos a detetar planetas cada vez mais pequenos. O primeiro planeta potencialmente rochoso foi detetado em 2004 (embora tivesse ainda 10 vezes mais massa do que a Terra). Hoje já foram descobertos mais de 4000 exoplanetas, a maioria dos quais se pensa serem maioritariamente compostos por materiais rochosos. Além disso, temos já a capacidade para estudar em detalhe alguns destes planetas e inferir a sua estrutura interna, composição química e mesmo (em alguns casos) detetar e estudar as suas atmosferas. Estamos no bom caminho para descobrir uma Terra 2.0!

Fale-nos um pouco do Centro de Astrofísica – CAUP (IA), e do trabalho que se tem desenvolvido na área que lidera, a procura e caracterização de exoplanetas.
No CAUP (IA) temos uma equipa com mais de uma dezena de investigadores e outros tantos estudantes de doutoramento, que permitem que a Universidade do Porto seja hoje uma referência internacional em exoplanetas. Somos uma equipa muito jovem e internacional, com colegas que vêm um pouco de todo o mundo. A nossa investigação tem-se focado essencialmente em 3 eixos: a procura e estudo de exoplanetas, o que inclui o desenvolvimento e aplicação de métodos matemáticos e estatísticos para analisar os dados com vista à deteção de planetas rochosos como a Terra, o estudo detalhado dos exoplanetas, incluindo a sua estrutura interna, composição química, e atmosferas, e finalmente a análise estatística das suas propriedades por forma a compreendermos melhor o processo de formação e evolução dos sistemas planetários. Estudamos, na verdade, o sistema planetário como um todo, ou seja, procuramos planetas, mas também estudamos as suas estrelas. Temos igualmente colegas a trabalhar no estudo dos planetas e outros objetos do nosso Sistema Solar, o que nos permite ter uma base de comparação. Para atingir os nossos objetivos científicos, a nossa estratégia inclui uma forte participação (incluindo em co-liderança) em projetos internacionais de desenvolvimento de novos instrumentos para instalar em telescópios terrestres, bem como de missões espaciais, sobretudo desenvolvidos no âmbito do ESO e da ESA. Em conjunto com a equipa do instituto, hoje, temos a capacidade de participar num projeto deste nível em todas as fases: desde a definição das especificações técnicas que precisamos para obter os dados científicos que queremos (o caso científico), ao desenho, construção, implementação, e exploração científica dos instrumentos em que participamos.

Numa lista*, publicada em 2020 na revista científica PLoS Biology, faz parte dos 2% de investigadores mais citados do mundo e com maior impacto na sua área de investigação. O que considera que o levou a chegar até aqui?
Esse resultado deixa-me muito feliz, porque é o reconhecimento de um esforço conjunto e continuado. Naturalmente, apenas foi possível porque tenho a trabalhar comigo uma equipa de investigadores excecionais, integrada num centro de investigação de topo, e com uma rede de colaborações à escala planetária.

No contexto da sua investigação, esteve envolvido em duas Ações COST, uma das quais ainda a decorrer. Que balanço retira desta experiência, e que dicas gostaria de partilhar com a restante comunidade científica da U.Porto, de forma a incentivá-los a integrar, também, uma ação COST?
As ações COST têm sido muito importantes para se estabelecer colaborações internacionais. No meu caso, permitiram-me especialmente abrir colaborações com áreas de interface. Por exemplo, numa das ações COST em que participei, conseguimos criar várias colaborações com investigadores europeus que trabalham em Astrobiologia, uma área emergente (e muito transversal) que procura compreender, entre outras coisas, se existe vida noutros sítios do Universo, ou como a encontrar. A descoberta e estudo de exoplanetas é obviamente uma das áreas que contribuem para este estudo. Na realidade, a procura e estudo de exoplanetas tornou-se numa área extremamente multi- e inter-disciplinar, juntando conhecimentos de diversas áreas da astrofísica com física, geologia, geofísica, química e bioquímica, estatística, biologia… o que nos permite colaborar com diferentes equipas e, claro, com os colegas da engenharia que nos ajudam a definir e construir a instrumentação necessária para fazemos novas descobertas.

Desde ERC Grants – a primeira na U.Porto –, ao seu envolvimento em diversos projetos de investigação FCT, COMPETE2020 e H2020, pode falar-nos um pouco sobre os projetos financiados atualmente em desenvolvimento e nos quais participa / lidera?
Os projetos que temos em curso neste momento estão intimamente relacionados com a participação portuguesa em duas grandes iniciativas internacionais: o espectrógrafo ESPRESSO (do ESO) e a missão espacial CHEOPS (da ESA). O ESPRESSO é um espectrógrafo de muito alta precisão que está a funcionar desde 2018 nos telescópios do VLT, no Chile. Resultou de uma colaboração entre o CAUP/ IA e instituições na Suíça, Espanha, Itália e com o próprio ESO. A nossa equipa científica e de engenharia teve uma participação ativa no desenho do instrumento e conseguimos envolver a indústria nacional no fabrico de várias componentes. Estamos agora a usá-lo para procurar outras Terras. O ESPRESSO permite, pela primeira vez, detetar planetas como a Terra e medir a sua massa. Estamos também a usá-lo para estudar exoplanetas em grande detalhe e detetar a presença de elementos químicos nas suas atmosferas. Como exemplo, em Agosto deste ano, anunciámos a descoberta de um planeta com apenas metade da massa de Vénus a orbitar uma estrela próxima de nós. É o planeta mais pequeno alguma vez "pesado"! Foi uma descoberta "made in Universidade do Porto", o que muito nos orgulha. A missão CHEOPS, da ESA, foi lançada em Dezembro de 2019, e tem a bordo um pequeno telescópio que permite "medir" o tamanho de exoplanetas com uma grande precisão. Temos agora acesso privilegiado aos dados do telescópio para poder fazer a nossa investigação. Esta missão envolveu também uma estreita colaboração com a indústria nacional.

Que aplicações tem a astronomia no nosso dia-a-dia, e qual é seu o impacto na sociedade, a médio e longo prazo?
Embora sempre difícil de quantificar, a história mostra-nos que todo o desenvolvimento científico acaba, mais cedo ou mais tarde, por ter um impacto nas nossas vidas. São também os países que mais apostam na ciência que acabam por ter mais e melhor desenvolvimento, economias mais prósperas, sociedades mais informadas e organizadas. Mas se quisermos ser mais pragmáticos ou "imediatos", e continuando num exemplo que referi acima, a astronomia em Portugal tem empurrado de forma muito significativa o desenvolvimento e construção de novas tecnologias e abordagens inovadoras, abrindo a porta a colaborações muito interessantes entre a academia e a indústria, com o devido retorno para a economia e a sociedade.

Hoje sabemos que a maior parte das estrelas que vemos no céu, à noite, provavelmente terão também planetas à sua volta. O que se pode esperar, num futuro próximo, ao nível da investigação e instrumentos nesta área?
Hoje sabemos, de facto, que a maioria das estrelas que vemos no céu à noite tem planetas à volta e que a maioria deles devem ser rochosos como a nossa Terra (e pensar que isto é um conhecimento adquirido na nossa geração!). Queremos agora confirmar que eles estão de facto lá, e queremos estudá-los em detalhe para entender como se formam, como evoluem, e se (alguns) podem ter desenvolvido vida. Esse é o foco de projetos para a próxima geração de telescópios gigantes e de missões espaciais em que estamos envolvidos, e para os quais nos estamos a preparar. Um exemplo é o Extremely Large Telescope, ou ELT, do ESO (um telescópio gigantesco, com um espelho de 39 metros de diâmetro, que está agora em construção). Quando o ELT estiver pronto, teremos a capacidade não apenas de detetar outras Terras, mas também de estudar as suas atmosferas e procurar encontrar alguma evidência que nos sugira que possam albergar vida. Outro exemplo são as missões espaciais PLATO e ARIEL, da ESA, que têm como objetivo, respetivamente, encontrar planetas como a Terra a orbitar estrelas próximas de nós (que possam depois ser caracterizados em detalhe) e estudar as atmosferas desses exoplanetas.

Que apreciação faz do panorama científico português, na sua área de investigação? Considera que estamos a entrar, novamente, numa era de ouro da astronomia? Será o timing ideal para os jovens se tornarem astrónomos?
A Astrofísica é uma área relativamente recente em Portugal. Tens 2 ou 3 décadas. Isso dá-lhe uma dinâmica muito particular, já que a maioria dos investigadores na área são jovens, muito dinâmicos, competitivos (no bom sentido) e têm fortes redes de colaborações internacionais. Muita da atividade gira à volta da participação nacional no ESO e na ESA, agências internacionais que nos permitem ter acesso aos melhores telescópios do mundo e a colaborar em consórcios de novas missões espaciais. Tal abre extraordinárias perspetivas de curto, médio, e longo prazo para a área, o que atrai naturalmente jovens investigadores de e para Portugal, que se têm juntado regularmente à equipa do CAUP/IA. Acho mesmo que temos muito sucesso na formação de cientistas e recursos humanos qualificados. No entanto, essa juventude tem também um lado mais sombrio. São muito poucos os astrofísicos que têm uma situação profissional estável e que lhes permita desenvolver projetos (ou planear a vida) a médio e longo prazo. A “fuga de cérebros" continua a acontecer porque encontram noutros países oportunidades aliciantes que escasseiam em Portugal. Também aliada à juventude, existe alguma dificuldade em ter uma participação ativa nos processos de decisão relacionados com as políticas científicas, nacionais e dentro das Universidades. No entanto, existe um potencial enorme, nomeadamente no "universo" da Universidade do Porto. Continuo esperançoso que, mais cedo ou mais tarde, (espero que mais cedo) este potencial seja aproveitado, podendo-se então efetivamente falar de uma época de ouro da Astronomia portuguesa, na qual a Universidade do Porto poderá continuar a ser uma grande referência internacional.

Na área da astronomia e das ciências do espaço, sendo uma das áreas mais competitivas e de maior impacto, quais considera serem os principais passos/estratégias, ou políticas, que o país pode adotar para promover mais investigação a nível nacional?
Para mantermos, no médio/longo prazo, o nível de excelência que alcançámos, a estratégia tem de passar por dois aspetos chave. O primeiro, transversal a várias outras áreas, mas especialmente relevante na astronomia (pelos motivos mencionados acima), é consolidar a comunidade científica existente e estancar a “fuga de cérebros”. Isso passa por atribuir contratos de investigadores ou docentes que abram uma perspetiva de estabilidade para os melhores. É urgente agir rapidamente. Temo que muitos investigadores de topo se vão embora (alguns já foram), e vamos rapidamente perder aquilo que foi construído ao longo de 2 décadas. O segundo aspeto passa por rever o financiamento de projetos e a geometria dos mesmos. Nesse contexto, estamos a viver tempos particularmente difíceis, com taxas de financiamento muito abaixo do aceitável, às quais se juntam políticas que mudam ao sabor das eleições. Este problema está a afetar transversalmente toda a ciência em Portugal, com foco especial na ciência fundamental. No caso da Astronomia (e, acredito, em várias outras áreas), é também importante referir que todos os projetos de desenvolvimento de novos instrumentos e tecnologias têm escalas de tempo de pelo menos uma década. Projetos com duração de 3 anos, como os tipicamente financiados pela FCT, não permitem planear em escalas de tempo dessa grandeza. É por isso crucial que sejam criados mecanismos adequados às necessidades e que permitam aproveitar as oportunidades e o potencial existente.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.



* Ioannidis, J.P., Boyack, K.W., & Baas, J. (2020). “Updated science-wide author databases of standardized citation indicators”. Plos Biology, 18(10), e3000918. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3000918

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