Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Óscar Felgueiras
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto / Centro de Matemática da Universidade do Porto (CMUP)

Integra grupo de experts no estudo da evolução da pandemia da Covid-19


Fale-nos um pouco sobre a sua trajetória pessoal e de como surgiu o seu interesse pela investigação em estatística e modelação matemática.
Fiz a licenciatura em Matemática, ramo de Matemática Pura, na FCUP e tirei o doutoramento na área de Geometria Algébrica na University of MichiganAnn Arbor, nos EUA. Tinha um interesse bastante focado na vertente teórica, mas, com o passar do tempo, senti-me gradualmente atraído pelas aplicações. Uma das oportunidades que tive para explorar algo mais aplicado foi lecionar aulas práticas de uma cadeira introdutória de Estatística, cuja regente era a minha colega Rita Gaio. Ela desafiou-me a entrar na área de modelação matemática, algo que acabou por ir de encontro ao que pretendia na altura. Daí surgiram colaborações que deram origem a artigos, passei a lecionar disciplinas de estatística, tanto de nível introdutório como avançado, e orientei também várias teses de mestrado e doutoramento. Ao longo desse percurso, interessei-me por vários temas, sendo um dos principais a epidemiologia ligada à tuberculose.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, mais relevantes para si?
Fui percebendo, ao longo do tempo, que o mais importante, para mim, é sentir-me útil. Nesse sentido, tiro prazer das várias vertentes da minha profissão - seja a ensinar, investigar, orientar ou, até, exercendo cargos administrativos. Tendo de destacar alguns momentos, diria: a conclusão do doutoramento, pelo investimento que teve subjacente, ou a defesa do meu primeiro orientando de mestrado, por consolidar o início de uma nova fase na minha carreira. Mais recentemente, senti-me honrado por integrar o painel de especialistas nas reuniões do Infarmed, culminando com a co-autoria do plano de desconfinamento, em março deste ano.

Desde o início da pandemia Covid-19 que tem vindo a colaborar com a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte) na análise de dados relativos à Covid-19. Como surgiu a oportunidade, e qual tem sido o seu papel na gestão desta pandemia?
Tinha colaborado em diversos trabalhos, com a Prof. Raquel Duarte, ligados à tuberculose. Quando a pandemia começou, ela foi requisitada pela ARS Norte para integrar o gabinete de crise, criado para acompanhar a pandemia, e solicitou o meu contributo. O meu papel tem sido multifacetado e tem variado um pouco ao longo do tempo. Inicialmente, incidia mais na modelação da evolução epidemiológica; a certa altura, envolveu também a criação de relatórios a serem divulgados regularmente e, numa fase posterior, veio a incidir mais na análise de medidas a serem implementadas, na forma de propostas concretas. Para além disso, tem havido também uma componente de contacto com a comunicação social, de modo a tentar transmitir informação objetiva.

A matemática nunca foi muito popular, apesar de ser uma área com elevada empregabilidade. Considera que a Covid-19 tornou mais evidente, para o meio científico e, em particular, para a sociedade em geral, o valor e o papel da matemática e da estatística na saúde?
Quero acreditar que sim. Acima de tudo, a pandemia acabou por tornar mais visível a necessidade de estudos interdisciplinares que conjuguem diversas áreas do saber. A matemática e a estatística certamente têm um papel fundamental na análise que é feita, mas não só. Como exemplo, o núcleo de 7 pessoas do qual faço parte, e que têm colaborado no plano de desconfinamento, integram 2 médicos, 2 matemáticos, uma psicóloga, uma pessoa das ciências da educação, e uma da área da comunicação.

A inevitabilidade de possíveis novas pandemias, no futuro, impõe um plano de ação capaz de antecipar a deteção da ameaça e, consequentemente, uma intervenção muito mais célere sobre ela. Que lições considera que podemos retirar desta pandemia para o futuro?
Creio que uma das lições mais importantes é mesmo a da importância da partilha do saber. Há que ter sistemas de monitorização eficazes, e esta nova variante, de que se fala agora, é mais um exemplo disso. Mas a transparência e qualidade na informação são essenciais para se ter uma população devidamente educada e que adira às medidas necessárias para controlo de uma pandemia.

Como se posiciona Portugal, face a outros países, em termos literacia em saúde e desinformação? São ‘batalhas’ atuais que, na sua opinião, estamos em condições de vencer?
Pelo menos no que diz respeito a este vírus, a adesão massiva que houve ao processo de vacinação mostra, inequivocamente, que estaremos bem melhor do que a maioria dos outros países. Isso não quer dizer que possamos tomar esta questão como dado adquirido. Ao dia de hoje, volta a ser fundamental a toma da dose de reforço. Só se consegue que esse processo seja bem-sucedido havendo, novamente, uma comunicação esclarecedora que contrarie a desinformação que circula.

A circulação do vírus pandémico não cessou, e o aumento de casos em Portugal e no continente europeu demonstra que a Europa volta a ser o epicentro da pandemia. Na sua opinião, quais as principais e mais eficazes medidas que podemos tomar, neste momento, para evitarmos um agravamento desta situação?
Existem medidas, tomadas pelo governo, no sentido de contrariar a tendência atual de subida de casos, mas é mesmo muito importante o contributo individual de cada pessoa. Vacinar, testar, utilizar máscara em ambientes fechados, evitar ajuntamentos, higienizar as mãos, ter atenção à ventilação dos espaços. No fundo, as medidas de sempre, mas com atenção redobrada perante o aumento de risco.

Que apreciação faz do panorama científico português, na sua área, e de uma forma geral?
Tomando a pandemia como ponto de referência, creio que houve um contributo válido por parte da ciência nacional no sentido de informar população e decisores. Creio que isso é de algum modo reflexo do trabalho que vai sendo feito, muitas vezes com menor visibilidade. De uma forma geral, é um facto que temos tanto investigadores como unidades de investigação de prestígio internacional.

Quando terminar a sua colaboração com a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte), quais são as suas principais ambições ou objetivos futuros para a sua carreira de investigação?
Um dos projetos principais, no qual estou envolvido, é a criação de uma Unidade de Investigação Clínica na ARS Norte, que é algo que pretende estabelecer uma ponte com a comunidade académica. A intenção é possibilitar o desenvolvimento de estudos científicos que possam contribuir para o processo de decisão.

Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia na sua área de investigação?
Algo em se que deveria apostar mais seria a melhoria de qualidade dos dados, de uma forma geral. Existem, muitas vezes, dificuldades no tratamento da informação que, por vezes, impedem que se tirem conclusões válidas. Não sei se isso seria o suficiente para o país se tornar numa referência europeia, mas há, certamente, margem para melhorar.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.

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