Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Pedro Leão
Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto

Titular da ERA Chair BlueBio4Future e ERC Grantee


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto, e sobre o que valoriza no CIIMAR.
Após terminar a licenciatura em Bioquímica na U.Porto (2005), ingressei no mestrado e, mais tarde, decidi fazer o doutoramento na U. Porto, sob orientação do Prof. Vitor Vasconcelos. Durante este período realizei o trabalho experimental no CIIMAR e também no Scripps Institution of Oceanography (Universidade da Califórnia, San Diego). A minha tese focou-se no estudo de pequenas moléculas libertadas por algumas cianobactérias para competir com outros organismos fotossintéticos. Descobri um conjunto de novos compostos a que chamamos portoamidas. Este tipo de investigação, em que não há uma hipótese clara a testar e em que vamos explorar à procura de coisas novas, é por vezes considerada de menor valor. No meu caso, todavia, a sensação de descoberta foi o que me motivou a querer continuar na investigação. Fiz então um pós-doutoramento no CIIMAR, aprofundei os meus conhecimentos de química no Scripps Oceanography e estudei biossíntese de produtos naturais na Universidade de Harvard. Voltei para iniciar um contrato de Investigador FCT no CIIMAR. Em 2017 obtive uma ERC Starting Grant que me permitiu criar a minha equipa no CIIMAR (Cyanobacterial Natural Products). Desde então, o meu grupo tem vindo a trabalhar na descoberta de novas moléculas e novas enzimas. Assim sendo, o meu percurso está – desde o mestrado – ligado ao CIIMAR. Sou abertamente crítico quanto à endogamia e à tendência que há em Portugal de se fazer o percurso académico sempre na mesma instituição. Contudo, foi o que fiz. Para tal contribuiu, sem dúvida, o facto de o CIIMAR ser uma instituição onde é bom trabalhar. Tem um ambiente muito descontraído e uma visão futurista. Não há elitismo. Sempre tive liberdade científica e intelectual, fui encorajado a viajar para aprender mais lá fora. Quando assim é, torna-se difícil encontrar uma razão para sair.

Tendo já efetuado períodos de investigação no estrangeiro, o que motivou essa decisão e que importância tiveram esses períodos além-fronteiras no seu percurso científico/profissional?
Durante o doutoramento e pós-doutoramento, houve alturas em que não havia, no CIIMAR, o conhecimento necessário para avançar o trabalho da forma que eu achava fazer mais sentido. Assim sendo, procurei colaborações que me permitissem adquirir esse conhecimento. Correram muito bem, tanto no Scripps Oceanography, com o Prof. William Gerwick, como em Harvard, com a Prof. Emily Balskus. Estes períodos no estrangeiro tiveram um impacto muito grande no meu desenvolvimento profissional e pessoal, e não apenas no que toca aos projetos que lá desenvolvi. Fiquei a conhecer outro sistema científico/universitário, fiquei a conhecer outras culturas e, claro, fiquei a conhecer outras pessoas, com toda a riqueza que daí advém. É um abrir de horizontes. Sugiro sempre aos meus alunos que o façam, o mais cedo possível nas suas carreiras.

O que simboliza para si ser o titular da ERA Chair BlueBio4Future (Blue Biotechnology and Bioengineering for the Current and Future Development of a Blue Bioeconomy in Portugal)?
Primeiro que tudo, simboliza um grande desafio. Também o vejo, de certa forma, como um reconhecimento pelo trabalho que tenho vindo a fazer. Significa que houve um comité científico que considerou que eu seria capaz de desenvolver uma área científica no nosso país a um nível de qualidade muito elevado. Sinto essa responsabilidade. Tenho uma visão para o futuro da biotecnologia marinha no nosso país. Tenho uma visão para o impacto positivo que poderá ter no nosso sistema científico e tecnológico e na economia nacional. Mas, em Ciência, por vezes, é difícil realizar a nossa visão porque esta depende do meio natural, e frequentemente não sabemos o suficiente para conseguir prever como este se vai comportar. Por isso, ser o titular desta ERA Chair simboliza também para mim uma oportunidade para continuar a aprender, fazendo aquilo que gosto (investigação).

Em que consiste o projeto BlueBio4Future? Quais os seus principais objetivos e etapas?
Este projeto tem o objetivo principal de desenvolver a área científico-tecnológica da biotecnologia marinha, no CIIMAR. Isso passará por recrutar talento para esta área, por treinar os nossos alunos e investigadores nas técnicas mais recentes, por captar financiamento a nível internacional para desenvolver um conjunto de linhas de investigação associados a esta temática, por implementar um conjunto de ações de divulgação científica para comunicar junto do público em geral a importância dos oceanos para o desenvolvimento de novas biotecnologias. Passará também por um grande esforço no sentido de explorarmos o potencial tecnológico das nossas descobertas, seja através da submissão de patentes, da criação de spin-offs nesta área, ou da interação com empresas de biotecnologia a nível global.

Que oportunidades e desafios encontra enquanto líder de equipa neste projeto?
Implementar um projeto desta dimensão permitirá iniciar múltiplos sub-projetos, fazer mais ciência de qualidade e, em consequência, aos poucos, criar um polo de conhecimento em biotecnologia marinha no Grande Porto. Gostaria que o CIIMAR fosse uma das principais instituições no mapa da Biotecnologia Marinha mundial, tal como o é o Scripps Oceanography, onde treinei. Isto consegue-se com investimento e visão, algo que penso que este projeto traz. No entanto, há grandes desafios para que tal aconteça, começando pela dificuldade em recrutar recursos humanos, devido a termos um sistema científico e tecnológico ainda incipiente em relação a outros países. O prestígio é muito importante para conseguir recrutar os melhores, e isso não se consegue do dia para a noite. Felizmente, o CIIMAR é já bem conhecido a nível europeu, tem instalações moderníssimas e temos também muitas pessoas de elevada qualidade formadas em Portugal (neste caso, algo positivo que é fruto da estratégia da FCT). Outra dificuldade é a capacidade que teremos de ter, doravante, em obter financiamento – em Portugal é difícil obter financiamento regular. Faremos então um grande esforço para integrar consórcios europeus e diversificar as fontes de financiamento.

Embora o projeto esteja ainda numa fase inicial de execução, pode dar-nos algumas pistas sobre que linhas de investigação se irão desenvolver no âmbito deste projeto?
Iremos fortalecer as nossas linhas atuais de descoberta de produtos naturais e enzimas biossintéticas, com uma forte componente de utilização de dados de metagenómica para identificar novos compostos bacterianos diretamente a partir de amostras colhidas no ambiente, ou seja, sem ter de cultivar estes microrganismos no laboratório. Mas, para além disso, iremos implementar duas novas linhas de investigação, com uma maior componente tecnológica, nomeadamente na produção de moléculas de interesse industrial, recorrendo a biologia sintética e engenharia metabólica, e também no desenvolvimento de biocatalisadores, recorrendo a técnicas de evolução de proteínas.

Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no seu grupo de investigação em temáticas aproximadas, nomeadamente no projeto FattyCyanos  – ERC Starting Grant, em execução até 2022 e onde é investigador principal? De que forma este complementa o projeto BlueBio4Future?
O meu grupo foca-se na descoberta de novos produtos naturais e novas enzimas envolvidas na sua biossíntese. Quando descobrimos um novo composto, com uma estrutura única, então sabemos que há uma ou mais enzimas também novas a trabalhar para gerar essa estrutura. Nós estamos interessados nessa conexão, perceber como funcionam estas enzimas e como geram a extraordinária diversidade estrutural associada aos produtos naturais. No projeto FattyCyanos, abordamos este assunto com base nos ácidos gordos – estes elementos estruturais não são particularmente exuberantes quimicamente: na sua maioria são cadeias de átomos de carbono e hidrogénio com baixa reatividade. Mas as bactérias conseguem incorporar e modificar estas estruturas e decorá-las com vários outros átomos, imbuindo-as de funções adicionais. Neste projeto queremos descobrir quão diversas são estas modificações e como são feitas. Para isso, desenvolvemos um método que permite identificar novos produtos naturais que incorporam e modificam ácidos gordos. A ideia é depois estudarmos a sua biossíntese. Também descobrimos uma enzima que catalisa uma nova reação de esterificação de ácidos gordos. O projeto está em velocidade cruzeiro e a maioria das novidades ainda está agora a surgir. A abordagem no BlueBio4Future é mais tecnológica, mantemos o objetivo de descobrir novos compostos e novas enzimas, mas queremos trabalhar para que estes compostos possam ter uma aplicação (por exemplo, na indústria farmacêutica ou agroquímica), e que as enzimas possam ser otimizadas para catalisar reações industrialmente relevantes. A base, no entanto, é comum aos dois projetos – a diversidade bioquímica das bactérias marinhas.

Qual tem sido o contributo dos Fundos da União Europeia para o seu trabalho de investigação?
Têm sido extremamente importantes. Sem estes fundos, não era possível, na minha área, realizar ciência competitiva e de qualidade no nosso país. Fazer ciência em algumas áreas de conhecimento custa muito dinheiro, e o financiamento nacional é incipiente e errático; acontecem coisas que nos fazem, por vezes, questionar o valor do nosso trabalho. Por exemplo, no último concurso anual de projetos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, esta entidade decidiu barrar as candidaturas de investigadores que tinham tido propostas aprovadas no concurso anterior. Incompreensível também é o nível de financiamento (250 000€ / 3 anos) ser igual para (por exemplo) um projeto de Sociologia, um projeto de Direito, um projeto de Química Orgânica ou para um de Biomedicina. Acima de tudo, o panorama de financiamento de Ciências e Tecnologia nacional tem primado pela inconsistência. Como tal, temos tido de nos voltar para o financiamento europeu. O European Research Council tem o pacote de financiamento mais atrativo (e também mais competitivo) e em que se dá liberdade ao cientista de seguir as suas ideias, muitas vezes extremamente arriscadas. Existem também os programas “top-down” de financiamento da UE, que correspondem à maior fatia do bolo, mas penso que o seu peso relativo terá de ser repensado no futuro. Não acho que sirva de muito dizer aos cientistas, com um nível de detalhe considerável, aquilo que devem investigar, salvo em situações muito particulares. Os políticos têm de entender isto, e penso que a UE vai perder competitividade a longo prazo se continuar a fazê-lo.

O que acredita ser o fator mais importante para ter sucesso na angariação de financiamento competitivo?
Penso que depende do programa de financiamento. Tenho mais experiência na angariação de fundos em programas cuja avaliação se foca na Ciência e não nas aplicações, impacto na sociedade, impacto institucional… Naqueles programas em cujo foco está puramente na Ciência - na minha opinião e tendo em conta que a decisão recai sobre uma proposta escrita (pelo menos em primeira instância) - acho que o fator mais importante é a capacidade de articular e comunicar muito bem as ideias científicas (que obviamente têm de ser interessantes), e a forma como as vai abordar. Quem lê a proposta tem de querer continuar a ler, porque está a partilhar a visão de quem a escreveu. Por isso, tem de se conseguir “agarrar” os revisores logo desde as primeiras frases da proposta.

De que forma o projeto BlueBio4Future e o trabalho desenvolvido nesta área pode informar, para além da ciência, também medidas e políticas aos níveis nacional e internacional?
O CIIMAR tem tido um papel importante no desenvolvimento da biotecnologia marinha em Portugal (ainda em fase embrionária), e tem também contribuído para a sua promoção a nível internacional. Isto tem acontecido quer por ações diretas do CIIMAR (investigação e divulgação), quer pela participação de cientistas do CIIMAR em grupos, mais ou menos formais, que acabam por aconselhar as políticas nesta área a nível nacional e internacional. Na minha perspetiva, o projeto BlueBio4Future irá alavancar estes esforços ao demonstrar a importância de um recurso biológico muito importante (as bactérias marinhas). Espero que o projeto transforme estes recursos genéticos em algo com valor científico e tecnológico. Ao gerar este conhecimento, e se este conhecimento for robusto e promissor, como se pretende, acabará por ser usado para informar políticas de bioprospecção, de investimento em recursos biológicos, nomeadamente na catalogação e preservação da diversidade biológica. A nossa ideia é sermos o mais abertos possíveis quanto à divulgação dos nossos resultados, tornando-os acessíveis a todos: julgo que isso maximiza o impacto além-ciência da nossa investigação.


Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal do investigador, acessível aqui.


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