Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Sara Rocha
i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde

Vencedora do Prémio Pulido Valente 2020

Para si, enquanto investigadora, o que simboliza este prémio?
Receber o Prémio Pulido Valente Ciência é, antes de mais, uma honra enorme. Este prémio reconhece não só a dedicação e empenho da nossa equipa, como a nossa vontade de contribuir para o avanço da ciência. Esta distinção dá-nos uma motivação extra para continuar a desenvolver este trabalho.

Fale-nos um pouco do o seu percurso científico na U.Porto, e de que forma este foi importante para a obtenção deste prémio.
A U.Porto tem sido o eixo central do meu percurso científico, intrinsecamente ligado ao meu percurso académico e, por esta razão, foi uma força motriz para a obtenção do prémio. O meu percurso científico iniciou-se quando ainda estava a frequentar o Mestrado Integrado em Bioengenharia (FEUP/ICBAS). Nessa altura, tive a oportunidade de frequentar estágios curriculares ligados à genética humana e biomateriais no IBMC/INEB, um dos laboratórios associados da U.Porto. Através dos protocolos de ERAMUS da U.Porto tive a minha primeira experiência a tempo inteiro em investigação, no MRC/Hutchison em Cambridge, UK, o que me permitiu confirmar a vontade de ser investigadora. Desde então, tenho vindo a desenvolver investigação na área da oncobiologia, particularmente através do desenvolvimento de modelos de pré-clínicos que permitam compreender melhor as complexas alterações que ocorrem durante a progressão de tumores, particularmente associadas ao fenómeno de metastização. Este trabalho, realizado no âmbito do meu doutoramento (ICBAS, UPorto), foi desenvolvido no Ipatimup/i3S em colaboração com a Universidade de Freiburg.

Sucintamente, o que aborda o artigo premiado?
O desenvolvimento de tumores sólidos depende, em grande medida, da composição do microambiente tumoral e da comunicação dinâmica estabelecida entre células malignas e não malignas. As vesículas extracelulares (EVs) destacam-se, entre os mecanismos de comunicação intercelular tumoral, por proporcionarem o transporte estável de moléculas bioativas que mantêm a comunicação entre células. Em cancro gástrico (CG), foi já demonstrado que as EVs desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do tumor. No entanto, o modo como estas EVs contribuem para a disseminação à distância deste tipo de cancro, permanece por explorar. Neste trabalho, estudámos o impacto que a arquitetura 3D das células de cancro gástrico pode ter no conteúdo e na função das EVs que estas produzem. A análise comparativa das características bioquímicas e das biomoléculas contidas nestas EVs, evidenciou que o conteúdo das EVs produzidas em 3D é de facto diferente das condições 2D normalmente utilizadas em estudos in vitro. Entre outras observações, esta alteração do conteúdo está associada a um efeito negativo na regulação da via de sinalização da ARF6 em EVs, o que pode indicar uma alteração do processo de biogénese das EVs. As diferenças observadas foram particularmente relevantes no caso das CG-EVs produzidas por células de cancro gástrico do tipo difuso, uma vez que as EVs produzidas por estas culturas 3D potenciaram a invasão de células epiteliais não malignas, o que não se verificou com as EVs derivadas de culturas 2D. Este estudo postulou que a alteração da arquitetura celular conduz à modulação do conteúdo molecular das EVs, e à consequente modificação do seu efeito funcional nas células que as recebem.

Considera que o impacto que as mensagens transmitidas pelas vesículas extracelulares (EVs) têm no padrão de metastização será particularmente relevante na prática clínica?
O potencial de utilização das EVs como fonte de biomarcadores para a prática clínica é enorme, e não se restringe apenas à análise do padrão de metastização. As EVs podem ser vistas como pequenas “cópias incompletas” das células que as produzem, ou seja, as EVs transportam parte da informação das células de origem. Aplicando este conceito em oncologia, isto significa que as EVs podem transportar moléculas específicas das células tumorais, e como as EVs se distribuem por todo o organismo através da corrente sanguínea, torna-se possível fazer a deteção e monitorização de doentes oncológicos através de simples análises de sangue. Isto é particularmente importante para o diagnóstico e prognóstico de tumores de difícil acesso em que os atuais métodos de deteção não são eficientes, como é o caso do cancro gástrico.  Adicionalmente, as EVs permitem ter mais informações sobre o próprio tumor, comparativamente às biopsias de tecido que refletem apenas o comportamento do tumor no local específico em que a biopsia foi recolhida. Contudo, existem ainda algumas limitações técnicas que terão de ser investigadas antes de ser possível implementar estes conceitos na prática clínica, como é o caso da deteção específica das EVs produzidas pelas células tumorais. A informação obtida neste trabalho poderá ser importante para facilitar a deteção específica de EVs associados a metastização, o que será relevante para a implementação de novas estratégias de identificação e monitorização de doentes oncológicos.

Esta contribuição desencadeou projetos futuros no domínio do cancro gástrico?
Atendendo à importância dos resultados obtidos neste estudo, prosseguimos com a análise do impacto da arquitetura celular e das mensagens transmitidas pelas EVs na metastização de cancro gástrico, recorrendo a modelos animais. Estes dados confirmaram que as alterações das mensagens transportadas pelas EVs, observadas entre modelos in vitro, se traduzem em diferentes padrões de metastização de cancro gástrico. Este prémio contribuiu para a concretização e finalização destas experiências, que serão publicadas brevemente.

Qual é a importância de integrar uma equipa de investigadores do grupo Expression Regulation in Cancer, liderado por Carla Oliveira?
Desde a minha tese de mestrado, realizada numa colaboração entre o INEB e o Ipatimup, que tive a oportunidade de crescer cientificamente neste grupo. O ambiente estimulante e o contínuo apoio que senti por parte das minhas orientadoras fazem parte dos principais fatores que contribuíram para o sucesso deste trabalho. Ao integrar o grupo Expression Regulation in Cancer, tive a oportunidade de aprender sobre vários temas principalmente relacionados com a genética tumoral e bioinformática que foram complementares e essenciais para o meu projeto de doutoramento. Tive oportunidade de contactar com tecnologias e conceitos multidisciplinares no limiar de vários domínios científicos, o que só foi possível devido ao ambiente aberto à mudança e colaborativo que se vive neste grupo.

Tendo em conta o elevado nível de incidência de cancro gástrico em Portugal, qual é para si o papel da investigação na compreensão da doença, diagnóstico precoce, prevenção e tratamento?
Portugal é um dos países com níveis de incidência e mortalidade devido a cancro gástrico mais elevados, pelo que temos também de ser líderes na compreensão desta doença. De facto, o trabalho desenvolvido por investigadores portugueses tem sido crucial não só na compreensão da genética, epigenética, e comportamento do cancro gástrico, mas também na análise da influência do microbioma, por exemplo. Estas descobertas têm contribuído de forma extraordinária para a prevenção da doença e para a identificação de estratégias terapêuticas mais adequadas. A continuidade deste esforço coletivo será de extrema importância para a identificação de formas de diagnóstico precoce e tratamentos mais eficientes.

Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que a investigação enfrentará nos próximos anos?
Nos últimos meses percebemos que há um conjunto de situações para as quais a ciência e a sociedade não estão preparadas. A capacidade de previsão do aparecimento de novas doenças, principalmente infeciosas, e de resposta rápida às mesmas será crucial num futuro próximo. Com a pandemia COVID-19 foi possível perceber a facilidade com que uma doença desta tipologia pode propagar-se, e o impacto que isso tem nas várias vertentes da sociedade. Na minha opinião, um dos grandes desafios da investigação será utilizar o conhecimento acumulado sobre cada doença em modelos de previsão de doença que possam ser usados para desenvolver novos tratamentos para as doenças atualmente existentes.

Após a atribuição deste prémio, quais são as principais ambições ou objetivos na sua futura carreira na investigação?
Tal como referi, estamos a dar continuidade ao trabalho que originou esta distinção, e queremos divulgar esses resultados assim que possível. Esperamos que as nossas observações possam originar mais perguntas e com elas novos caminhos de investigação que possam contribuir para melhorar a deteção, monitorização, e tratamento de doentes com cancro gástrico. Como cientista, a minha maior ambição sempre foi e sempre será contribuir para a redução do sofrimento de doentes oncológicos.

Na sua opinião, qual o principal passo ou política que o país deve lançar para ser uma referência europeia em termos de investigação?
Apesar do investimento na formação de doutorandos, a carreira científica em Portugal é quase inexistente. Ao longo das diversas fases do meu percurso sempre tive a sorte de fazer investigação em Portugal, ainda que com colaborações internacionais e pequenos períodos de mobilidade no estrangeiro. Contudo, ao longo destes anos assisti a vários amigos e colegas que se sentiram obrigados a fazer investigação no estrangeiro, por não terem condições de trabalho minimamente satisfatórias, ou porque simplesmente não havia possibilidade para continuarem cá. É muito importante que se criem condições de retenção destes investigadores em Portugal, através de mais e melhores condições e oportunidades de trabalho em institutos puramente académicos, e/ou pela criação de condições atrativas ao desenvolvimento ou captação de empresas com atividade de investigação.

Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.


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