Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Susana Barbosa
Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC)

Investigadora no projeto traceRadon 


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
A U.Porto é realmente a minha alma mater - fiz a licenciatura na FCUP (em Física/Matemática Aplicada - Astronomia), o mestrado na FEUP (em Métodos computacionais em ciências e engenharia) e o doutoramento novamente na FCUP (em Engenharia Geográfica, 2006). A formação que tive na U.Porto foi fundamental para o meu percurso científico ao dar-me, por um lado, bases sólidas em física e matemática, e por outro lado, uma forte vertente multidisciplinar. Sempre tive dificuldade em escolher uma única disciplina ou tópico, e cheguei à conclusão que essa abrangência é útil quando a área de estudo é o mundo natural. Por exemplo, é difícil olhar para o planeta Terra sem considerar as interações com o espaço ou, pelo menos, entre as diversas componentes (atmosfera, criosfera, ...) do sistema terrestre. Acabei por me especializar na análise de dados como elo comum aos diferentes temas de investigação em que estou envolvida, mas sempre focada no contexto, e com uma perspetiva de integração do conhecimento de diferentes disciplinas. O meu trabalho científico na U.Porto começou ainda durante o mestrado, com uma passagem, como bolseira de investigação, pelo Instituto Geofísico, que estimulou o meu gosto pela recolha de dados e trabalho de campo. Durante o doutoramento na Faculdade de Ciências trabalhei na análise de dados de satélite para o estudo da variação do nível do mar, tema que continuei a aprofundar durante o pós-doutoramento no Danish National Space Centre. Fui ainda postdoc no Geological Survey of Israel, onde trabalhei na análise de séries temporais de radão e na monitorização de radioatividade. Entre 2009 e 2014 fui investigadora no Instituto Dom Luís (Universidade de Lisboa), onde conciliei a investigação nos temas do nível do mar e da radioatividade ambiental com a análise de dados climáticos. Em 2015, regressei ao Porto como investigadora do INESC TEC, onde continuo a fazer ciência interdisciplinar focada na análise de dados e em aplicações nas áreas do clima, ambiente e espaço.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, mais relevantes para si?
O decidir mudar drasticamente o rumo do pós-doutoramento e ir para Israel, dedicar-me a uma área diferente, foi marcante na minha carreira profissional. Mais do que a componente técnica em si, que foi relevante – costumo brincar que fiz dois doutoramentos, um no nível do mar e outro em radioatividade ambiental, durante o meu postdoc em Israel -, tive mentores excecionais, que influenciaram muito a minha forma de ver e fazer ciência. Outro marco que identifico foi o meu primeiro contrato como investigadora, no Instituto Dom Luís (IDL), ao abrigo do então Programa Ciência. Além da independência e liberdade científica que me proporcionou, permitiu-me integrar um departamento que não de matemática ou física e, assim, aprofundar a minha ligação à parte do clima e geofísica. Também foi um desafio logístico, porque morava no Porto e trabalhava e dava aulas em Lisboa - já então implementava o modelo de trabalho híbrido (!) -, o que foi uma experiência gratificante, ainda que cansativa, em muito facilitada pela compreensão e apoio da direção e dos colegas do IDL. Finalmente, a minha ida para o INESC TEC é outro marco que identifico como relevante, por me ter permitido alargar ainda mais os horizontes, reforçar a interdisciplinaridade, e concretizar ideias e desafios científicos, por exemplo, a campanha de monitorização que desenvolvi a bordo do navio-escola Sagres.

No INESC TEC, é investigadora responsável no projeto traceRadon. Qual a missão e os objetivos deste projeto, que envolve 17 parceiros de 13 países, e qual o contributo do INESC TEC para o mesmo?
O  projeto traceRadon tem como principal objetivo desenvolver métodos de medição da concentração de gás radão na atmosfera. O radão é um gás nobre radioativo produzido maioritariamente na superfície terrestre, mas, sendo um gás, consegue, em parte, escapar para a atmosfera. A concentração de gás radão na atmosfera é tipicamente muito pequena, quando comparada com os valores no solo e, por isso, mais difícil de quantificar. Apesar da concentração de radão na atmosfera ser muito pequena, este gás, por ser radioativo, é mensurável, mesmo em quantidades muito pequenas. Por outro lado, por ser um gás nobre, não reage com outros elementos, o que o torna um traçador ideal do fluxo de outros gases, como o metano ou o dióxido de carbono, que são muito relevantes para o clima. No INESC TEC, contribuímos na análise de dados de radão e de modelos meteorológicos para validação das novas metodologias desenvolvidas no projeto, e avaliar a utilização do radão como traçador dos gases com efeito de estufa.

Em Portugal, grande parte do território é de natureza granítica, o que favorece uma concentração elevada de radão (Rn). Na sua opinião, como se posiciona Portugal em termos do nível de conhecimentos que permitam a adoção de medidas de mitigação do radão eficazes e, sobretudo, a sensibilização do público e do setor da construção civil para o tema?
O meu trabalho na área do radão é focado na sua utilização como traçador de processos geofísicos, e não nos seus efeitos na saúde humana. Não trabalhando na área de proteção contra a radiação, a minha perceção é que, sendo Portugal um país com fluxos de radão comparativamente mais elevados do que muitos outros países, o conhecimento do público em geral sobre o que é o radão, e potenciais perigos, é muito reduzido. O radão é um gás que não tem cor, nem cheiro, e passa facilmente despercebido. E, embora a geologia tenha um papel fundamental, há muitos outros fatores que determinam a fração de gás que é libertada da superfície para a atmosfera, e esses fatores são muito variáveis, quer no espaço, quer no tempo. A medição da concentração de radão é, por isso, fundamental para perceber o risco de exposição, que depende também da construção dos edifícios e dos seus padrões de ocupação – por exemplo, melhorias introduzidas com vista ao aumento da eficiência energética tendem a ser prejudiciais quanto ao radão, ao tornarem as habitações mais isoladas. Na minha opinião, em Portugal, o público está muito pouco informado e, por isso, a preocupação com o radão é também muito reduzida.

É indissociável falar do radão e não abordar os riscos da sua exposição para a saúde humana. No entanto, a presença do radão é também um fator de risco ambiental. O projeto traceRadon prevê algo nesta vertente?
Sim, o projeto traceRadon também vai contribuir para aumentar o conhecimento dos riscos para a saúde humana, porque vai fornecer medidas precisas da concentração atmosférica de gás radão, melhorando a capacidade de identificar as áreas de maior risco de exposição. As metodologias a desenvolver no projeto traceRadon serão utilizadas tanto na área do clima, como na área de radio-protecção e prevenção dos riscos para a saúde humana.

Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no Centro de Sistemas de Informação e Computação Gráfica e no Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC?
Em ambos os centros tenho trabalhado com dados climáticos e geofísicos, embora em vertentes diferentes. No Centro de Sistemas de Informação e Computação Gráfica, o meu trabalho está focado no desenvolvimento de metodologias para extrair informação de grandes volumes de dados (por exemplo, dados de satélite) e também na gestão dos dados, de modo a garantir a reproducibilidade e explicabilidade dos resultados. No Centro de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC, o meu trabalho está também centrado nos dados, mas na vertente de monitorização ambiental e recolha de dados. Os sistemas autónomos permitem a recolha de um grande número de dados relevantes para a gestão de riscos naturais e para o clima. Temos trabalhado, por exemplo, no desenvolvimento de sistemas autónomos para medir radão debaixo de água, e sistemas de monitorização da atmosfera marinha.

Para si, qual o papel da tecnologia e da ciência de dados na identificação de novas soluções sustentáveis para a sociedade e o meio ambiente?
A ciência de dados tem, sem dúvida, um papel fundamental na resposta aos desafios das alterações climáticas e preservação ambiental. A extração de informação a partir de dados de satélites, drones, e outros sistemas autónomos, e a sua fusão com dados socioeconómicos e informação cidadã, por exemplo, é essencial para a gestão de riscos naturais e dos seus impactos na sociedade. O uso de dados heterogéneos, de diversas fontes e domínios, é facilitado pela preocupação crescente em promover a reutilização dos dados científicos e possibilitar o seu reaproveitamento para outros fins. Outro aspeto relevante é a preocupação em reduzir o impacto energético do armazenamento e manipulação de grandes volumes de dados, tornando a ciência de dados mais sustentável em termos ambientais.

Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que, na sua opinião, a investigação enfrentará nos próximos anos?
O impacto da pandemia foi muito sentido na investigação baseada em trabalho experimental, seja de laboratório ou trabalho de campo. A recolha de dados de campo foi muito afetada, levando ao adiamento, ou mesmo interrupção, de várias atividades de monitorização ambiental. No entanto, estes impactos vão sendo atenuados com a evolução favorável da pandemia. Mais duradouros, subtis, e eventualmente perniciosos, são, parece-me, os efeitos deixados pela pandemia na perceção da ciência pelo público e pelos próprios investigadores. Penso que o desafio será equilibrar a natureza básica da ciência, enquanto produtora de conhecimento sem um fim utilitarista em mente, com a aspiração, compreensível, da ciência como solução para problemas societais concretos e complexos.

No seu currículo, conta com diversas participações em projetos e, em muitos deles, como investigadora principal. Pela sua experiência, o que é mais e menos valorizado, nos projetos da sua área científica?
Os meus projetos estão, em geral, relacionados com questões que são consideradas relevantes em termos societais, como as alterações climáticas, o radão, ou os riscos naturais associados à subida do nível do mar, ou a sismos, por exemplo. Esse aspeto é valorizado por serem temáticas apelativas e fáceis de apreender, em traços gerais, por não especialistas, comparativamente com outros temas mais abstratos. A multidisciplinaridade, que é inerente a este tipo de projetos, também é, em geral, um fator de valorização, embora, na prática, as dificuldades subtis do trabalho interdisciplinar sejam frequentemente pouco compreendidas e, por isso, menos valorizadas.

Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia na sua área de investigação?
Puxando um pouco a brasa à minha sardinha, diria que o país tem ainda muito por fazer em termos de política de dados. Os avanços têm sido significativos nos últimos anos, com a preocupação europeia com a ciência aberta e a gestão de dados, principalmente, os obtidos com financiamento público, mas Portugal ainda está muito atrás, principalmente em termos de implementações concretas e disponibilização real de dados. É, sem dúvida, importante pensar em estratégias, mas, depois, é fundamental colocá-las em prática. Prefiro, em geral, avançar com passos pequenos e evoluir a partir daí, corrigindo e melhorando, do que pensar em termos grandiosos, e depois não chegar a uma implementação concreta relevante.



Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.

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