IR no projeto NUDGE e Coordenadora do projeto EMB3Rs
Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Na realidade fiz todo o meu percurso académico na U.Porto, desde a licenciatura e o doutoramento em química na FCUP, e depois os estudos avançados em sistemas sustentáveis de energia pela FEUP (no que era o antigo programa FEUP/MIT). A nível de investigação, comecei por trabalhar na área de química computacional, em otimização de energia de sistemas químicos a escala molecular, na FCUP. Embora gostasse muito dessa área, sentia que queria trabalhar com problemas que estivessem mais relacionados com o ambiente e as alterações climáticas e, portanto, decidi ingressar na FEUP para ganhar novas competências. Em retrospetiva, é interessante pensar que troquei os sistemas à escala molecular para passar a otimização de sistemas de energia à escala de edifícios, cidades e países.
A minha primeira posição de investigação a nível pós-doutoral resulta precisamente da minha passagem pelo curso avançado da FEUP, no IDMEC, onde trabalhei em projetos de edifícios sustentáveis, de baixa energia e saudáveis, e em planeamento de sistemas sustentáveis de energia a nível local (municipal). Estive no IDMEC até final de 2013. Entre dezembro de 2013 e junho de 2017 estive a trabalhar como investigadora na Universidade de Cambridge no Reino Unido. A partir de Junho de 2017, regresso a Portugal para trabalhar no INEGI como bolseira de pós-doutoramento no projeto HEBE, retomando a temática de edifícios saudáveis e de baixa energia. Neste momento, ocupo o cargo de Diretora da Unidade de Energia do INEGI, onde coordeno uma equipa de cerca de 20 investigadores e engenheiros distribuída por vários projetos nacionais e internacionais com financiamento nacional, europeu e de projetos de consultoria. As áreas em que a Unidade de Energia se foca são inúmeras, destacando-se, talvez, os projetos de térmica dos edifícios e indústria, a saúde nos edifícios, planeamento de sistemas energéticos a várias escalas espaciais e temporais, e integração de novos vetores energéticos, como, por exemplo, o hidrogénio.
Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, mais relevantes para si?
Sim, o primeiro marco foi a mudança de curso superior quando estava no 2º ano de economia na FEP. Nessa altura pareceu-me que havia muitas perguntas para as quais a economia não me dava respostas, e decidi mudar para ciências, para química. O segundo marco foi a mudança de área após o doutoramento em química, para engenharia, para me focar em problemáticas mais próximas do ambiente e das alterações climáticas. E o terceiro marco foi ter aceitado uma oferta de trabalho como investigadora na Universidade de Cambridge no Reino Unido, que me abriu muitas portas a nível de temáticas de investigação, e onde pude expandir imenso a rede de contactos.
No INEGI, é investigadora responsável no projeto NUDGE. Qual a missão e os objetivos deste projeto que envolve 10 instituições, e qual o contributo do INEGI para o mesmo?
O INEGI é uma das instituições parceiras no consórcio do projeto NUDGE, onde estamos a liderar a implementação de um piloto em Portugal e também a monitorizar a implementação dos outros 4 pilotos do projeto, na Bélgica, Croácia, Alemanha e Grécia. O projeto NUDGE visa desenvolver e implementar metodologias comportamentais de nudging para incentivar praticas de poupança energética nos edifícios residenciais. No piloto português teremos 100 famílias com crianças até aos 12 anos a participar no projeto. No caso do piloto português, o estudo consiste em monitorizar os consumos energéticos e parâmetros de qualidade ambiental (temperatura interior, humidade, CO2, e outros parâmetros) que servirão de base para recomendações personalizadas de poupança energética e melhoria da qualidade do ambiente interior, que os participantes recebem por via de uma aplicação que está a ser desenvolvida no âmbito do projeto. Espera-se que os resultados do projeto, como um todo, possam informar políticas energéticas a nível Europeu para a melhoria da eficiência energética nos edifícios.
Portugal é um dos países europeus mais afetados pela pobreza energética, sendo a falta de conforto térmico, isolamento e luz natural nas habitações uma das principais causas. Na sua opinião, como se posiciona Portugal em termos de aderência às práticas de eficiência energética?
As questões da eficiência energética nos edifícios, e da vulnerabilidade energética, são tipicamente abordadas do lado dos sistemas de aquecimento e arrefecimento e dos consumos energéticos associados, e da integração de sistemas renováveis locais, tipicamente focados no solar fotovoltaico. Neste sentido, têm sido implementados vários programas que visam melhorar a eficiência dos sistemas de arrefecimento e aquecimento existentes, e de incentivo à instalação de sistemas fotovoltaicos em edifícios. No entanto, os problemas que menciona estão essencialmente relacionados com a baixa qualidade dos edifícios em Portugal. Num país com o nosso clima, uma grande parte dos edifícios residenciais poderiam manter temperaturas confortáveis no verão e no inverno sem recorrer a qualquer tipo de equipamento ativo de aquecimento e arrefecimento. Acho que nesse aspeto, temos muito caminho a percorrer - na melhoria dos edifícios já existentes, na integração de sistemas renováveis térmicos (solar térmico) otimizados para as necessidades das famílias, e na implementação de sistemas locais de produção de eletricidade renovável, também num âmbito comunitário. Este tipo de medidas permitiria, em princípio, uma redução do uso de energia superior a medidas focadas apenas na melhoria de eficiência energética, no sentido mais tradicional. Estas são temáticas nas quais temos vindo a trabalhar no INEGI e, neste momento, estamos envolvidos num par de projetos europeus que incluem também o estudo do potencial das comunidades de energia renovável na mitigação da vulnerabilidade energética, e está também planeado um projeto de avaliação dos níveis de pobreza energética e de medidas para a sua mitigação na Área Metropolitana do Porto.
Pode falar-nos do trabalho que tem desenvolvido no seu grupo de investigação Energia e Sustentabilidade, no INEGI, e sobre, como líder, qual o contributo que pretende deixar para a sociedade?
A Unidade de Energia do INEGI acaba por trabalhar num leque alargado de áreas dentro das áreas de apoio à transição energética. Convém talvez destacar que o foco é numa visão integrada do sistema energético e a sua interação com o ambiente, a saúde e a governança. Em particular, o nosso trabalho mais recente tem-se focado nas linhas de investigação e consultoria em soluções no âmbito da otimização e conceção de sistemas de energia térmica, no âmbito dos edifícios e indústria, planeamento de sistemas sustentáveis de energia a várias escalas temporais, a implementação de comunidades de energia, a interface da energia com a saúde (do qual o projeto NUDGE é um exemplo) e a integração de hidrogénio no sistema energético. A minha esperança é que o trabalho que estamos a fazer contribua para acelerar a transição energética para um mundo descarbonizado, de acordo com as metas estabelecidas para a neutralidade carbónica em 2050. A escala do desafio é difícil de explicar, visto que vivemos num mundo que ainda é largamente, em 2022, dependente dos combustíveis fósseis (na ordem dos 80%, se considerarmos a escala mundial), e que daqui a cerca de 30 anos temos que estar numa situação em que as nossas emissões de gases com efeito estufa são para todos os efeitos nulas, ou muito perto disso. E estas metas vão exigir uma coordenação excecional entre todos os setores da economia; não é só a descarbonização da eletricidade, é a forma como nos movemos, a forma como planeamos as nossas cidades, como trabalhamos e como consumimos. É o foco que tem que mudar também, na nossa saúde enquanto sociedade, na recuperação do ambiente, na forma como aprendemos. Vamos ter que criar toda uma nova geração de pessoas, em profissões que, neste momento, ou não existem, ou são muito raras.
Para si, qual o papel da tecnologia na identificação de novas soluções sustentáveis para a sociedade e o meio ambiente?
Depende do contexto; a tecnologia, só por si, não resolve o problema das emissões, do aquecimento global e da destruição ambiental. Mas é definitivamente uma parte essencial da solução, em particular, quando se tem em conta a dimensão dos sistemas em uso neste momento, que têm ainda uma elevada dependência de fontes fósseis, das adaptações que terão que ocorrer inevitavelmente nos setores finais de consumo (edifícios, mobilidade, industria, agricultura) e da necessidade novos algoritmos de otimização de gestão dos sistemas energéticos a todos os níveis, em particular, tendo em conta a quantidade de informação que estará cada vez mais disponível. No entanto, eu destacaria também alguns desafios para a tecnologia “verde” da próxima geração, em particular considerando que terão que obedecer aos princípios da economia circular, algo que deveria estar como enquadramento de qualquer nova tecnologia que se desenvolva ou se implemente em larga escala – o tempo de vida, os materiais sustentáveis e a reutilização de todas as componentes das novas tecnologias para um mundo descarbonizado deveriam ser objetivos principais, a par das emissões nulas ou muito baixas. Por último, acho que o papel primordial da nossa maior ferramenta na transição energética é, muitas vezes, esquecido - que é a diminuição do uso energético nos setores finais de consumo por via de melhoria dos sistemas passivos, isto é, melhoria da qualidade do edificado (não só do novo, mas de todo o parque habitacional), a mudança do nosso sistema de mobilidade, focando o planeamento urbano, os modos coletivos e “suaves” e os modos menos poluentes, como a ferrovia, e a otimização dos processos térmicos na indústria, tendo como meta uma redução absoluta do uso energético, em vez de apenas o aumento da eficiência energética. Aliás, os planos para o roteiro de neutralidade carbónica - o RNC2050 - preveem uma diminuição muito acentuada do consumo de energia primária em todos os setores finais.
Dado o contexto atual em que vivemos e o impacto da pandemia COVID-19, quais os desafios relacionados com a ciência e inovação que, na sua opinião, a investigação enfrentará nos próximos anos?
Como já mencionei, a transição para a neutralidade carbónica em pouco menos de 30 anos é um desafio enorme, especialmente se tivermos em conta que cerca de 50% do todos os gases com efeito estufa que estão neste momento na atmosfera a provocar um aumento já superior a 1°C, foram emitidos desde 1990, ou seja, nos últimos 30 anos. É preciso compreender como vamos implementar uma transição tão rápida a nível da sociedade, como criamos os tais empregos de um mundo descarbonizado, como adaptamos as infraestruturas já existentes, e como proporcionamos novas competências às pessoas que estão a trabalhar em todos os setores, mas, em particular, nos setores largamente dependentes dos combustíveis fósseis. É absolutamente essencial, também, que qualquer tecnologia implementada em larga escala esteja em sintonia com os princípios da economia circular. E por fim, temos que nos lembrar que o clima está já a mudar e vai continuar, e que as nossas cidades e infraestruturas, em geral, não estão adaptadas a um mundo com um clima mais variável e com mais extremos. É preciso perceber que impactos vamos ter localmente, e que adaptações temos que fazer.
No seu currículo, conta com diversas participações em projetos e, em muitos deles, como investigadora principal. Qual tem sido o contributo dos Fundos da União Europeia no reforço de redes de I&D e na formação de equipas, para que a ciência esteja ao serviço da sociedade?
O contributo dos Fundos da União Europeia, no âmbito dos programas H2020 e, agora, do Horizon Europe, têm sido fundamentais no crescimento da equipa da Unidade de Energia, e também na exploração de novos tópicos de investigação. Estes projetos são, também, essenciais na formação de redes de colaboração com outras instituições europeias e nacionais, quer a nível de investigação, quer a nível de parcerias com a indústria. Os projetos europeus em que estamos envolvidos são tipicamente de colaboração com muitos parceiros, em que ninguém tem a solução toda, mas é da união das partes que se desenvolvem, e implementam, as soluções. Acho que falta essa visão de partilha e colaboração, muitas vezes, em projetos nacionais. Os projetos europeus são muitas vezes extremamente desafiantes a nível de coordenação, mas o retorno a nível da qualidade das soluções desenvolvidas, e a comunidade de investigação que se vai desenvolvendo compensa largamente. Permitem também um contacto muito mais próximo com a sociedade, com as indústrias e com os poderes locais, porque os projetos em que acabamos por trabalhar têm uma visão holística, que muitas vezes é difícil financiar com fundos nacionais. A nível nacional ainda há muito o foco em tecnologias individuas na área de energia.
Que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação? Considera que Portugal está no “bom caminho” para conseguir energias mais limpas e alinhadas com medidas de eficiência energética?
Acho que a questão tem que deixar de ser o foco em “energias mais limpas” e em “medidas de eficiência energética”, para nos focarmos na meta de descarbonizarmos a sociedade toda e melhorarmos a sustentabilidade e, depois, integrar as tecnologias renováveis e a eficiência energética num contexto holístico, de meios para atingir um fim, e não como metas em si. Nesse aspeto acho que temos ainda, infelizmente, um caminho longo para percorrer, para o qual não temos tempo. Tudo tem que ser pensado a uma escala de estar feito para ontem e, na realidade, ao ritmo que estamos a implementar as mudanças, neste momento estamos muito longe da trajetória que nos leva à neutralidade carbónica em 2050. Estamos também atrasados na investigação dos efeitos das alterações climáticas locais, e do que isso significa em termos de adaptação que temos que fazer já, a nível da nossa infraestrutura, sistema legal, sistema de saúde. Tendo em conta estes tópicos, acho que tem que ser repensada a estratégia para a ciência e investigação, incluindo o ensino e o financiamento, e temos que incentivar mais investigação nacional e desenvolvimento de soluções que resultem de consórcios de vários parceiros nacionais, que inclua colaboração com todos os setores da sociedade. É preciso desenvolver soluções que privilegiem uma participação ativa da sociedade - o que também tem faltado.
Na sua opinião, qual/quais o(s) principal(ais) passos ou políticas que o país deve adotar para ser uma referência europeia na sua área de investigação?
Mais uma vez, acho que o foco não deve ser o que podemos fazer enquanto país, isoladamente, mas o que podemos fazer em colaboração com os outros países, a nível Europeu e internacional. As alterações climáticas afetam o mundo inteiro, e as ações locais têm efeito global, e vice-versa. Devemos tentar perceber que soluções fazem sentido a nível local devido às especificidades locais, mas deveríamos ambicionar a estabelecer soluções em coordenação com os nossos parceiros europeus e com a comunidade internacional.
Poderá consultar mais informações e contactos na página pessoal da investigadora, acessível aqui.