Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Pedro Nobre
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Universidade do Porto (FPCEUP) / Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP) / SexLab (Laboratório de Investigação em Sexualidade Humana)

Atividade de investigação na área da sexualidade humana


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Entrei na Universidade do Porto em 2012 como Professor Associado com Agregação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação através de concurso público, vindo da Universidade de Aveiro. Desde essa altura tenho-me dedicado em termos de investigação às temáticas da Saúde Sexual e Saúde Mental, tendo-me associado ao Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP) onde criei e liderei o Grupo de Investigação em Sexualidade Humana. Nesse particular foi muito importante a criação de condições por parte da FPCEUP para acolher o Laboratório de Investigação em Sexualidade Humana bem como a minha equipa de investigadores que transitou da Universidade de Aveiro. Essa equipa inicial foi aumentando ao longo dos anos com a participação de um número crescente de investigadores com interesse particular pelas temáticas da investigação em sexualidade. Esse crescimento, associado à colaboração com outros membros e grupos de investigação da FPCEUP e de outras Faculdades da Universidade do Porto como a FMUP e o ICBAS, permitiu a criação do Programa Doutoral em Sexualidade Humana que teve a sua primeira edição em 2018. Este programa pioneiro no espaço europeu, só foi possível em função das sinergias entre pessoas e grupos de investigação em áreas como a medicina sexual, a educação sexual, a sexologia clínica, a saúde sexual e reprodutiva ou os estudos de género, que fazem atualmente da Universidade do Porto uma referência internacional nesta área de investigação e formação. Mais recentemente fui eleito Diretor do CPUP em 2021, e depois Diretor da própria FPCEUP no final do ano passado. Estas novas experiências em cargos de gestão científica e académica constituem desafios extremamente estimulantes. Para além da capacidade de desenvolver projetos de investigação e programas científicos, há um nível de organização, de gestão e de planeamento estratégico mais global que considero fundamental. Temas como o financiamento da Ciência e do Ensino Superior, a criação de oportunidades de carreira para os investigadores, a estratégia de renovação do corpo docente e investigador das Universidades, o fortalecimento do binómio ensino-investigação de qualidade, a mobilidade académica e a abertura ao mundo e à internacionalização, ou o impacto e responsabilidade social do conhecimento científico, são centrais no desenvolvimento de um plano estratégico que mobilize a nova geração de investigadores e docentes de excelência e que consolide o reconhecimento internacional da Ciência e do Ensino na Universidade do Porto e em Portugal.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos na sua carreira profissional mais relevantes para si?
Creio que o primeiro marco que foi extremamente relevante na minha carreira profissional foi o facto de ter tido a oportunidade de trabalhar durante um ano com um dos mais prestigiados psicólogos clínicos do mundo, o Professor David Barlow da Universidade de Boston. A riqueza dessa experiência e o impacto que teve na minha carreira foi muito para além das aprendizagens relacionadas com o tema da minha tese de doutoramento sobre disfunções sexuais ou com a psicologia clínica. Na verdade, não mais esquecerei a forma como fui acolhido numa Universidade com uma cultura de abertura ao mundo e a forma como a diversidade e o confronto de ideias era promovido e o reconhecimento do trabalho de todas as pessoas reconhecido.

Um segundo marco foi a criação do SexLab, o primeiro laboratório de investigação na área da sexualidade humana em Portugal e no Sul da Europa, criado em 2009 na Universidade de Aveiro e que está desde 2012 na Universidade do Porto (de que falarei mais abaixo em detalhe).

O terceiro marco que destaco foi a minha eleição para presidente da Associação Mundial de Saúde Sexual, a mais antiga e mais global organização internacional dedicada à promoção da saúde e dos direitos sexuais, representando dezenas de sociedades nacionais dos cinco continentes e vários milhares de profissionais de todo o mundo (da qual também falarei mais pormenorizadamente em baixo).

Na mais recente edição dos rankings Research.com, divulgado em 2023, faz parte dos investigadores mais citados do mundo e com maior impacto na sua área de investigação. O que considera que o levou a chegar até aqui?
Esta é uma pergunta difícil porque creio que nunca refleti sobre o que me levou a ter uma carreira na investigação que tivesse o reconhecimento atual com a inclusão nalgumas das listas de investigadores mais citados do mundo na minha área. Em primeiro lugar, devo dizer que é um enorme orgulho ser reconhecido pelos pares e no essencial estes rankings usam indicadores que dependem sobretudo da relevância e do impacto que o nosso trabalho tem nos outros investigadores (e.g., citações). Nesse sentido, esta é uma das maiores fontes de reconhecimento, mas mais importante e mais difícil de quantificar é o impacto social e as implicações na promoção da qualidade de vida e bem-estar das pessoas resultantes da nossa investigação. Esse será o principal objetivo que um investigador nas áreas das ciências psicológicas e de saúde mental e sexual almeja alcançar. Para conseguir o reconhecimento dos pares é de facto necessário a meu ver primeiro que tudo ter uma enorme motivação e gostar muito de fazer investigação. Ser curioso, fazer perguntas, não ficar satisfeito com respostas fáceis, continuar a perguntar. Também é importante ter hipóteses e procurar testá-las de forma sistemática, usar os resultados para reformular ou construir conhecimento teórico e voltar a testar. Tudo isto implica muito trabalho e perseverança contínua. Para além destas características mais individuais é também muito importante o ambiente académico e de investigação que nos rodeia, a liberdade de investigação, a partilha com colegas, o debate de ideias e o questionamento contínuo. Por último destaco o trabalho de equipa, a investigação é sobretudo a meu ver um trabalho conjunto e o facto de ter a sorte de ter tido ao longo do meu percurso científico um conjunto de pessoas extraordinárias a trabalhar comigo foi central para o reconhecimento atual.

Em 2009, fundou o Laboratório de Investigação em Sexualidade Humana – SexLab. Pode falar-nos um pouco sobre este laboratório pioneiro em Portugal?
O SexLab nasceu de facto em 2009 então na Universidade de Aveiro e está desde 2012 sediado na Universidade do Porto. A criação deste laboratório foi uma aventura. Desde a minha passagem pelo Centro de Investigação na Universidade de Boston no início do século que tinha o sonho de criar em Portugal um laboratório que permitisse fazer investigação experimental e psicofisiológica sobre a resposta sexual humana. Essa vontade não me abandonou apesar da escassez de financiamento próprio por parte das Universidade para investirem na criação de estruturas de investigação e laboratórios. Foi na verdade através de um concurso de financiamento para projetos de investigação da FCT em 2006 que em colaboração com a então estudante de doutoramento Sandra Vilarinho consegui comprar os primeiros equipamentos que estiveram na base da criação do SexLab. A partir daí foi uma “pescadinha de rabo na boca”, os primeiros estudos publicados ajudaram a consolidar o reconhecimento da investigação feito pela nossa equipa e facilitaram o sucesso posterior na captação de novos financiamentos que ajudaram a requalificar o nosso laboratório e permitiram que hoje seja dos mais considerados internacionalmente. Hoje o SexLab tem equipamento que permite avaliar a resposta sexual genital (fotopletismógrafo vaginal e pletismografia peniana para medição da vasocongestão vaginal e circunferência peniana) bem como as alterações da temperatura genital (câmaras térmicas). Para além destas medidas genitais, o SexLab está ainda equipado instrumentos psicofisiológicos que avaliam respostas cardio-respiratórias (tensão arterial, frequência cardíaca e respiratória), galvânicas (condutância galvânica da pele) de startle (resposta de alarme), bem como equipamento que permite avaliar o foco de atenção visual (eyetracker), a resposta emocional (face-reader) ou a resposta cerebral (EEG). Na aventura original não posso deixar de destacar os nomes dos então estudantes de doutoramento que comigo partilharam uma experiência única: Sandra Vilarinho, Joana Carvalho, Ana Gomes, Cátia Oliveira e Pedro Laja.

Em paralelo com a docência na FPCEUP e investigação no CPUP / SexLab, integrou várias sociedades / associações de Saúde Sexual. Que balanço retira das experiências?
Sim, numa primeira fase, entre 2008 e 2011, fui presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. A SPSC é uma referência nacional incontornável e uma escola de aprendizagem para gerações de médicos, psicólogos, profissionais de saúde e das ciências sociais com interesse na área. É a maior e mais antiga sociedade nacional que teve como primeiro presidente Francisco Allen Gomes, uma figura incontornável da história da sexologia em Portugal e que teve um papel muito relevante na minha carreira. A minha experiência enquanto presidente da SPSC foi extremamente rica e constituiu um ponto de viragem geracional e também disciplinar e de género. A direção que tive o privilégio de presidir era sobretudo composta por jovens profissionais e investigadores maioritariamente psicólogos e com constituição paritária em relação ao género. Desde essa altura todas as cinco novas direções da SPSC foram lideradas por mulheres. Para além disso, a minha passagem pela SPSC foi marcada pela consolidação da internacionalização do trabalho feito em Portugal nesta área. Hoje em dia Portugal é um dos países mais reconhecidos globalmente pelo trabalho desenvolvido por dezenas de profissionais e investigadores que contribuem significativamente para a produção de conhecimento científico na área para além de ser um exemplo internacional na promoção da saúde sexual e na defesa dos direitos sexuais. Esta experiência na presidência da SPSC esteve na origem do meu envolvimento com a Associação Mundial de Saúde Sexual (WAS) da qual fui, primeiro membro da Comissão Consultiva (2009-2013), depois presidente da Comissão Científica (2013-2017) e finalmente presidente da própria organização (2017-2021). A WAS foi e continua a ser para mim uma experiência de imersão na diversidade em todos os sentidos. Diversidade cultural, diversidade geográfica, diversidade religiosa, diversidade de opinião, diversidade disciplinar, diversidade de áreas profissionais, diversidade de identidades de género e sexuais, etc. No entanto, independentemente dessa diversidade, um traço comum a toda a organização sempre foi o genuíno interesse pela promoção do conhecimento científico na área e sobretudo pela sua translação em termos de promoção da saúde sexual e dos direitos sexuais em todo o mundo. É esta a identidade comum construída sobre a diversidade que para mim constitui a característica mais fascinante da WAS e na qual me revejo.

Pode falar-nos um pouco sobre os projetos financiados, nos quais participa ou lidera, atualmente em execução que mais o entusiasmam? Quais as suas temáticas e principais objetivos, e de que forma estes projetos se complementam?
Neste momento estou envolvido em vários projetos financiados e lidero três deles. Todos eles estão relacionados com temas de saúde sexual e todos têm também um elevado grau de translação e aplicabilidade com potencial impacto na promoção da saúde sexual e bem-estar das pessoas. Por ordem cronológica, o Anathema que iniciou em 2020, resulta de uma parceria com a Fraunhofer e instituições dos Países Baixos e da Áustria e visa desenvolver intervenções psicológicas usando aplicações online para promover a saúde sexual, saúde mental e bem-estar em pessoas mais velhas e em pessoas com cancro do colo-rectal. Este projeto tem sido um novo e estimulante desafio uma vez que integra instituições diversas em termos de nacionalidade e em termos de área de atuação e que inclui como objetivo, para além do teste da eficácia do programa de intervenção, também a criação de um modelo de negócio com vista à disseminação desta intervenção por organizações ligadas à saúde em termos globais. O SexHealth and Prostate Cancer iniciou em 2021 e inclui 3 linhas de investigação numa parceria entre o CPUP/FPCEUP e o CINTESIS/FMUP. A primeira linha é liderada pelo CINTESIS e visa investigar os fatores de risco microbiológico para o desenvolvimento de cancro da próstata, a segunda linha inclui um estudo longitudinal que pretende estudar os preditores biopsicossociais do processo de adaptação ao cancro da próstata e seus tratamentos em termos de saúde mental e sexual e um estudo em ressonância magnética que avalia os correlates neuronais da resposta sexual face a estímulos eróticos em pessoas com cancro. A terceira linha é direcionada para o desenvolvimento e teste de eficácia de uma intervenção online para promoção de saúde sexual e mental em sobreviventes de cancro da próstata. Trata-se de um projeto bastante ambicioso que poderá ter impacto na vida de muitas pessoas e desenvolver estratégias de promoção do bem-estar em populações específicas. Neste projeto está também prevista a criação de três novas patentes. Por último, o terceiro projeto que iniciou em 2022: NeuroPsychSex que inclui um estudo sobre o estado da arte da saúde sexual em Portugal com utilização de um inquérito desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde e cuja primeira implementação a nível mundial está a ser feita pela nossa equipa em Portugal. Este estudo permitirá ter indicadores fundamentais sobre temáticas relacionadas com a saúde sexual e reprodutiva (e.g., ISTs incluindo HIV, gravidez não desejada, violência sexual, direitos sexuais, práticas e preferências sexuais, disfunções sexuais, etc.) numa amostra representativa da população Portuguesa e poderá no futuro permitir comparar com a situação em diferentes regiões do mundo e facilitar o desenvolvimento de políticas públicas nesta área central da saúde e do bem-estar geral.

No contexto da sua investigação, está envolvido numa Ação COST (CA18124), a qual ainda a decorrer. Que balanço retira desta experiência, e que dicas gostaria de partilhar com a restante comunidade científica da U.Porto, de forma a incentivá-los a integrar, também, uma ação COST?
A ação COST em que estou envolvido visa promover o desenvolvimento de redes de investigação entre profissionais dos mais diversos países europeus. Ao longo destes anos foram consolidados laços sólidos de colaboração entre várias dezenas de membros de quase todos os países europeus em torno de uma multiplicidade de temas na área da saúde sexual. Esta atitude colaborativa esteve na origem de diferentes projetos de investigação e na publicação de diversos artigos em conjunto que nunca teriam sido possíveis sem a existência da ação COST e do financiamento que permitiu a realização de múltiplas reuniões em vários países em torno de temas específicos. Para além dessa componente de networking e construção de redes em torno de temas de interesse específico, esta ação COST permitiu realizar também Training Schools com a participação de estudantes de doutoramento e jovens investigadores pós-doutorados de diversos países europeus. Neste particular a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto teve um papel fundamental ao acolher duas Training Schools, uma em 2021 e outra em 2022, que contaram com a participação de alguns investigadores de referência mundial em tópicos relacionados com a sexualidade e com a presença de mais de três dezenas de jovens investigadores promissores de toda a europa incluindo Portugal. Este legado que a COST deixa é a meu ver o mais relevante e fico muito satisfeito pelo facto da Universidade do Porto ter sido a instituição de acolhimento destas ações de formação.

Como é que gostaria de ver Portugal daqui a dez anos?
Gostaria de ver um Portugal que assume a responsabilidade de ser um país com uma história milenar, que está incluído na vanguarda dos países mais desenvolvidos do mundo em termos de valores democráticos, direitos humanos (incluindo direitos sexuais) e progresso socioeconómico. Um país em que as pessoas assumam que não pertencem a um pequeno país periférico, pobre e sem capacidade de influência, mas num dos países mais antigos do mundo ocidental, com uma história universal e uma dimensão média, inserido no contexto geográfico mais desenvolvido do mundo (União Europeia). E isso implica um país que olha para os outros não com um sentimento de inferioridade e de necessidade de obtenção de ajuda, mas um país que participe e contribua como um par no seio das nações mais democráticas e progressistas, que valorize o que tem de melhor e assuma a liderança nas áreas onde pode ser um exemplo para o mundo. Isto implica a meu ver também uma mudança cultural que nos liberte das amarras de quase 50 anos de ditadura baseada na pobreza e analfabetismo (que já deveria ter sido claramente ultrapassada com os novos 50 anos de democracia), uma cultura de exigência e de responsabilidade coletivas e que valorize tudo o que temos de melhor, começando pelas pessoas e terminando no nosso património histórico-cultural e linguístico. Uma cultura que facilite a criação de oportunidades para a geração mais bem preparada de sempre, que incentive o acolhimento e a retenção dos mais jovens, que lhes dê crédito e responsabilidade e que promova lideranças a todos os níveis, desde o político, ao social, académico-científico, ou empresarial, mais capazes, mais responsáveis e mais audazes.








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