Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Teresa Amaral
Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto (FCNAUP) / Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica (LAETA)

Percurso ligado ao estudo da desnutrição associado à doença


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto?
Comecei o meu percurso científico na Universidade do Porto em 1992, como estudante de doutoramento na (agora) FCNAUP, com uma bolsa da JNICT e com a tese “Risco Alimentar na Epidemiologia do Cancro da Mama e Colo-Retal”. Foi a primeira tese de doutoramento desenvolvida e defendida na FCNAUP e foi realizada com a colaboração do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, sob a coorientação do Professor Doutor Henrique Barros. Em 1997, comecei a minha atividade como Assistente Convidada a 50% e em 1998 como professora a 100%, primeiro como Professora Auxiliar, passando a Associada em 2007, nas áreas de epidemiologia, de avaliação do estado nutricional e da composição corporal.

O meu interesse pelo estudo da Desnutrição Associada à Doença começou na época em que era estudante de licenciatura em Ciências da Nutrição da Universidade do Porto. Realizei o meu estágio académico em 1987 no Serviço de Gastrenterologia do Hospital Geral de Santo António - Porto, na área de nutrição clínica, em que colaborei em alguns trabalhos de investigação e publiquei o meu primeiro artigo. O meu entusiasmo por esta área saiu reforçado pelo meu doutoramento. Desde aí, tenho investigado sobre a frequência dos determinantes e das consequências da desnutrição em ambiente hospitalar e também na comunidade. Tenho trabalhado no desenvolvimento e na validação de ferramentas de rastreio da desnutrição e da sarcopenia em ambiente hospitalar e comunitário, que incluem a avaliação da força da preensão da mão. Estou também envolvida no estudo experimental da funcionalidade física e dos benefícios clínicos e económicos de diferentes formas de intervenção nutricional.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
No final da década de 80, identifico um primeiro, o tempo em que desenvolvi a minha atividade como nutricionista clínica no departamento de Gastrenterologia no Hospital de Santo António e onde fui muitíssimo bem recebida por toda a equipa, numa altura em que esta profissão não era ainda conhecida. Este período marcou-me, pois, tive a oportunidade de interagir com profissionais extraordinários, que promoverem o meu conhecimento nesta área e me marcaram fortemente. Contactei com pessoas doentes, com diversas formas de doença e níveis de gravidade, que me fizeram aprender que a investigação só faz sentido se os seus resultados puderem ser aplicados. Tive a oportunidade única de aprender com os pioneiros e com os grandes especialistas do país, a trabalhar com tratamentos inovadores, como a nutrição artificial entérica e a parentérica e de perceber a importância da alimentação e da nutrição adaptada à situação de cada pessoa doente, como tratamento de primeira linha. Estas experiências fizeram nascer o meu entusiasmo pela avaliação do estado nutricional, pela sua ligação à funcionalidade física e pelo desenvolvimento de métodos apropriados para a sua avaliação em ambiente clínico, linha de investigação que mantenho desde aí. A necessidade de compreender a investigação e de investigar eficazmente, levaram-me a optar pelo percurso científico a tempo integral, o que foi uma opção arriscada. Desenvolvi então a minha investigação de doutoramento, que me permitiu um conhecimento mais aprofundado do método epidemiológico. Considero que este foi um segundo marco na minha carreira profissional.

Um outro marco extremamente importante para mim, foi quando vi os resultados da investigação sobre desnutrição a serem usados para fundamentar políticas e recomendações a nível nacional.  E também, quando comecei a utilizar os dispositivos de avaliação do estado nutricional e funcional que contribuí para desenvolver. Estes dispositivos são altamente inovadores e por isso, estando já no mercado, tenho o orgulho de os utilizar em investigação desenvolvida na unidade de Biomecânica do LAETA e no ensino.

Em paralelo com a docência na FCNAUP é investigadora no LAETA. Pode falar-nos um pouco acerca do trabalho desenvolvido?
Em 2006, integrei a então Unidade de Integração de Sistemas e de Processos Automatizados (UISPA) do Laboratório Associado de Energia, Transporte e Aeronáutica (LAETA) da Fundação de Ciência e Tecnologia e Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e em 2020 entrei para o Grupo de Biomecânica do LAETA, com o objetivo de colaborar no desenvolvimento de instrumentos de avaliação do estado nutricional. Tive o privilégio de integrar o grupo da Professora Maria Teresa Restivo e colaborei no desenvolvimento de um lipocalibrador para a medição da espessura de tecido adiposo e muscular e que incorporou tecnologia inovadora. Este dispositivo foi patenteado e está a ser comercializado com o nome Lipowise. Permite uma melhoria da avaliação da composição corporal, refletindo pequenas alterações do estado nutricional, para além de mapear as alterações dos tecidos quando são sujeitos a uma força. Fomos pioneiros a demonstrar as diferenças da compressibilidade do tecido adiposo na presença de desnutrição e de hipohidratação. Ou seja, que existem situações que vão influenciar a resposta dos tecidos a uma força constante e estamos atualmente em estudos exploratórios para as descrever. A relevância reside na potencial capacidade deste dispositivo poder medir de uma forma rápida e não invasiva a eficácia de intervenções nutricionais.

Também com este grupo, colaborei no teste de diversos dinamómetros existentes e no desenvolvimento e validação de um dinamómetro inovador, que pode ser usado em crianças e em indivíduos desnutridos e fragilizados. Este equipamento também foi patenteado e está a ser comercializado com o nome de Gripwise. Estamos atualmente a usá-lo nos estudos NutriFunction e NutrIC para tentar identificar indicadores de desnutrição que sejam mais eficazes para o fazer do que o valor da força máxima, que é o indicador mundialmente usado.

No âmbito do projeto Nutrition UP 65 coordenou um estudo nacional sobre o estado nutricional dos idosos para aumentar o conhecimento dos profissionais de saúde e criar mudanças a médio e longo prazo na vida da população idosa. Quais foram as conclusões obtidas?
Este foi um grande projeto, implementado em dois anos, em que foi caracterizado o estado nutricional de uma amostra de 1500 pessoas idosas residentes no continente e ilhas, representativa da idade, sexo, nível educacional e zona geográfica da população portuguesa. Os dados mostraram elevada frequência de alterações do estado nutricional, já que 1,3% dos participantes estavam desnutridos e 15% se encontrava em risco nutricional. A frequência de pré-obesidade foi de 44%, de obesidade de 39% e 16,3% estavam hipohidratados. A fragilidade física afetou um em cada cinco participantes e a pré-fragilidade estava presente em metade da amostra, sendo a força de preensão da mão, o critério que mais frequentemente se encontrou alterado. Um outro indicador de má funcionalidade física, a baixa velocidade da marcha (<0,8m/s), estava presente em cerca de metade desta amostra. Em relação aos valores séricos de vitamina D, e apesar de usarmos os pontos de corte conservadores do Institute of Medicine, mais de dois terços destes participantes apresentaram níveis séricos inadequados de vitamina D, em que 40% dos participantes estavam em risco de deficiência e 29,4% estavam em risco de inadequação de vitamina D. Ainda e entre muitos outros resultados e outputs do projeto, disponíveis em https://nutritionup65.up.pt/ encontrámos 80% das mulheres e 91,5% dos homens com um consumo de sódio acima do recomendado.

A informação gerada foi usada em formações dirigidas a 784 profissionais de saúde provenientes de 241 diferentes unidades de saúde. Ainda, a nossa rede de 56 voluntários realizou sessões formativas a cerca de 1400 pessoas idosas e cuidadores formais e informais de todo o país e foram publicados mais de duas dezenas de artigos.

Quais os doentes mais atreitos a sofrer de desnutrição hospitalar? É um problema mais relacionado com o tipo de patologia ou com a faixa etária?
Vários fatores podem contribuir para o desenvolvimento e instalação da desnutrição. Todas as pessoas que têm diminuição da ingestão alimentar ou uma alimentação insuficiente em energia, nutrientes (incluindo a água), durante um certo período, poderão desenvolver desnutrição. Há importantes fatores sociais e psicológicos que poderão interatuar e agravar a situação. A falta de literacia em saúde e especificamente em alimentação saudável e terapêutica, i. e., como conseguir uma nutrição adequada recorrendo a alimentos de baixo custo, contribuem fortemente para esta situação. A doença e a forma como fisiologicamente esta vai modificar os processos relacionados com a manutenção de um estado nutricional adequado, vai contribuir fortemente para este problema. Com o avançar da idade, ocorrem alterações específicas no metabolismo, que causam ou potenciam problemas nutricionais e funcionais. A presença de cada um destes fatores, a sua gravidade e a forma como interagem em cada pessoa, irá determinar a rapidez da instalação da desnutrição e a dificuldade da sua recuperação. A manutenção de um bom estado nutricional e funcional é a forma mais eficaz e prática de se promover um envelhecimento saudável.

Que avaliação faz do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2022-2030 (PNPAS)?
Este Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável 2022-2030 foi implementado ainda há pouco tempo, pelo que dispomos de um período ainda muito curto para o avaliar e para tecer considerações sobre a sua eficácia. Parece-me que, à partida, tem um desenho adequado, pois apresenta metas e estratégias ajustadas à atual situação do país. Acredito que o seu sucesso será diretamente proporcional ao investimento com que for dotado pelo nosso governo.

Que lhe parecem as medidas implementadas para o cabaz de bens essenciais com IVA zero? Considera que a medida já vem tarde, uma vez que a Ordem dos Nutricionistas já a propôs em outubro do ano passado e não foi concretizadado?
Embora não conheça estas medidas implementadas na sua totalidade, parecem-me ser extremamente úteis para minimizar o efeito catastrófico que o aumento concertado dos preços de bens alimentares essenciais, poderá ter na economia das famílias e, consequentemente, no seu estado nutricional.

Antes de a Ordem dos Nutricionistas propor esta medida, outros o fizeram, nomeadamente vários partidos políticos. Acho que quanto mais cedo se implementarem medidas que tenham impacto favorável na saúde das populações, melhor!

E as medidas mais importantes prendem-se com a melhoria da literacia em saúde dos portugueses, através de conhecimento baseado em evidência científica, que os empodere para saber e conseguir fazer as melhores opções em todas as horas do seu dia. Cada pessoa deverá ter uma noção sobre seu estado nutricional e sobre o que poderá fazer para prevenir e corrigir os seus principais problemas, com recurso a estratégias práticas e de baixo custo. Isto consegue-se com um maior investimento do Estado Português na educação e na prevenção primária.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A investigação sobre a desnutrição em Portugal é diminuta e a maioria dos trabalhos sobre este problema, surge no âmbito de teses académicas e é de natureza descritiva ou transversal, limitada a grupos específicos. Quando estas amostras são probabilísticas, os dados permitem-nos conhecer a dimensão e a carga do problema, mas ficamos por aí. A quase total ausência de estudos de natureza observacional prospetiva e experimentais, bem desenhados, que requerem meios e capacidade de implementação, revela a falta de investimento do nosso país nesta área.  

Elenco possíveis causas, como a escassez de financiamento para o emprego científico e a precariedade de muitos investigadores, aliada à baixa retribuição financeira. Os professores universitários têm infindáveis tarefas de gestão e a elevada carga docente, que no meu caso é de 12 horas por semana, o que limita o investimento em grandes projetos.

Considero que a ciência não é devidamente orçamentada em Portugal e que não é encarada como uma prioridade nos diversos investimentos. Nos concursos nacionais, temos assistido a uma boa classificação de uma elevada proporção de projetos, mas que não são financiados, pois a verba disponível é escassa. Tal como a ciência, a saúde dos Portugueses, o envelhecimento populacional, a deterioração do meio ambiente, entre outros problemas, não são devidamente considerados pelo nosso governo, que considera mais prioritário investir em betão e em asfalto. Mas considero que a ciência é valorizada em Portugal e pelos Portugueses. Refiro-me ao produto final, que é bem recebido e muito considerado. Considerando a escassez de financiamento em Portugal, será relevante reconhecer o esforço de todos os que têm tentado avançar um pouco mais no conhecimento, tanto nestas, como em outras áreas. Esforço este que tem vindo a ser reconhecido internacionalmente pelo elevado número de citações que algumas publicações recebem e pela incorporação dos achados nas estratégias preventivas e de tratamentos.









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