Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Cidália Pina-Vaz
Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) / Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)

Prof. Catedrática da FMUP e Investigadora em Doenças Infeciosas e Microbiologia


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Frequentei a Faculdade de Medicina na U.Porto onde desde cedo me envolvi em projetos de investigação científica. No 4º ano iniciei atividade de investigação no Departamento de Farmacologia com o saudoso Prof. Daniel Moura pessoa que marcou todo o meu percurso académico. O meu interesse pela investigação começou nesta altura tendo sido monitora de Farmacologia no 6º ano. Como gostava muito da área da antibioterapia acabei por transitar para o Serviço de Microbiologia onde exerço atividade docente até ao momento. Foi na U.Porto que realizei toda a minha investigação, o meu doutoramento, as provas de agregação e é onde continuo a dar as minhas aulas sempre com grande prazer. Orientei diversos alunos de mestrado e doutoramento participando em inúmeros projetos científicos e colaborando com diversas Universidades nacionais e internacionais. Realço a Universidade do Minho, Lisboa, Covilhã, Coimbra e, a nível internacional, o Instituto Ramon et Cajal de Madrid, Instituto de Bacteriologia de Uppsala, na Suécia, onde tive a oportunidade de estagiar por diversos períodos. Reconheço que a atividade docente é uma das atividades que realizo com bastante prazer tendo tido sempre uma excelente relação com os alunos. Considerei que uma especialidade na área laboratorial seria essencial para desenvolver capacidades na investigação. A carreira académica na área da Microbiologia na FMUP decorreu sempre a par da carreira hospitalar na Patologia Clínica do Hospital de S. João. Mais recentemente, pertencendo ao CINTESIS, tenho tido oportunidade de estabelecer relações e parcerias multidisciplinares. Fundou uma spin-off da U.Porto - a FASTinov - onde, neste momento, sou CSO.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Sim, sobretudo o conhecimento de algumas pessoas que marcaram de forma decisiva o meu percurso. Durante o curso tive a felicidade de ser aluna do Professor Daniel Moura, personalidade notável com quem tive a felicidade de trabalhar. Foi com ele que percebi que se podia ser médico sem doentes, e foi com ele que iniciei o meu percurso na investigação. Relevante para a minha carreira foi a possibilidade de estagiar por diversas vezes, no instituto de Bacteriologia em Uppsala, na Suécia, onde trabalhei com excelentes profissionais. Mais tarde, o contacto com académicos que tinham desenvolvido investigação de translação fundando complexos empresariais como o Biocant, e um dos seus grandes impulsionadores o Professor Carlos Faro, estimularam a criação da FASTinov, uma empresa que colocou no mercado o produto da investigação de muitos anos.

No seu currículo conta com a participação em projetos, muitos deles como investigadora principal. Consegue identificar e falar-nos um pouco sobre aquele, ou aqueles projetos, que considera terem tido um grande impacto na sociedade?
Tive a oportunidade de liderar diversos projetos científicos, mas, de facto, o projeto a que tenho dedicado mais a minha vida, é o projeto de avaliação da suscetibilidade antimicrobiana de forma rápida. A terapêutica antimicrobiana ainda é empírica já que a resposta laboratorial, ainda que precisa, é muito tardia em relação às necessidades. O aumento das resistências aos antimicrobianos é real e pode ser causa de grande retrocesso na Medicina. Sem antibióticos não poderemos ser tão agressivos no tratamento cirúrgico e na imunodepressão de doentes, por exemplo, associado à transplantação. A ideia é conseguir, de forma rápida e segura, fornecer uma orientação no tratamento da infeção. Com um resultado rápido que diga como a infeção deve ser tratada de forma segura, evitará a falha terapêutica e poupará os fármacos mais ativos para as situações mais críticas. Após ter trabalhado muito em biologia molecular que permite respostas mais rápidas do que o método tradicional, percebi que dificilmente um método molecular consegue dar resposta à suscetibilidade e a como podemos tratar a infeção. Desenvolvi um método fenotípico, recorrendo à análise por citometria de fluxo, sendo possível determinar a suscetibilidade de bactérias e fungos em 2h versus os clássicos 2 dias. A ideia está já patenteada na Europa, EUA, Japão e Brasil, tendo já 3 dos seus produtos obtido marcação CE-IVD e estão neste momento a iniciar comercialização no mercado europeu..

Como investigadora do grupo de investigação em ‘MicroMed: Microbiologia Médica’ do CINTESIS, pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver e ações futuras planeadas?
O CINTESIS é uma grande família científica, multidisciplinar e diversificada da qual tenho sempre a noção de não tirar todo o proveito, simplesmente, por falta de tempo. O Professor Altamiro é um visionário que tem uma grande obra criada com enorme potencial de crescimento. O trabalho tem-se centrado nas resistências aos antibióticos havendo inúmeras ideias em pipeline, nomeadamente, como dosear antibióticos nos produtos biológicos dos doentes recorrendo também à citometria de fluxo. Pretendemos ainda fazer estudos de benefício clínico e económico dos métodos de diagnóstico desenvolvidos face aos tradicionais e, para tal, serão envolvidos inúmeros especialistas de diferentes áreas.

É fundadora da FASTinov, spin-off do CINTESIS - Universidade do Porto. Que benefícios considera ser mais relevantes para as empresas com o estatuto spin-off Universidade do Porto?
A Universidade do Porto é uma entidade prestigiada do nosso país. Temos orgulho de pertencer a esta comunidade científica e de ter esta chancela. A procura de investimento para a investigação é difícil e sem dúvida que ter uma instituição de prestigio na retaguarda abre algumas portas.

Pandemias como a COVID-19 ou outras zoonoses, como a monkeypox, continuarão a repetir-se se não se optar por uma perspetiva muito mais holística e muito mais integrada do que é a Saúde. Qual considera ser a melhor forma de prevenir futuras pandemias?
A melhor forma de prevenir futuras pandemias é mesmo a aposta na investigação. Tem sido impressionante a resposta da comunidade científica a estes últimos acontecimentos, nomeadamente, na área das vacinas e de tratamentos inovadores. A comunidade científica está cada vez mais perto da sociedade e com ela interage. Quer de forma preventiva quer de forma a minimizar o impacto dos inúmeros desafios a que a nossa sociedade tem sido exposta, a comunidade científica tem dado uma resposta impressionante.

De que forma as mudanças climáticas já estão a alterar a Saúde? Fala-se muito em alergias, mas que outros problemas estão a afetar a população e que ainda não são vistos como um perigo?
Realmente são muito evidentes as mudanças climáticas, a falta de estações do ano, os fenómenos climáticos extremos. Na área das infeções não me admira que doenças como malária ou outras neste momento limitadas a algumas áreas geográficas por questões climáticas, alastrem a outras áreas e venham a surgir até entre nós. Temos repensado o programa científico dos nossos alunos, no sentido de os preparar não só para o presente como para o que pode vir a acontecer de uma forma mais global.

Para além de tudo o que faz, que outra paixão nutre, que a completa enquanto pessoa?
Sou bastante viciada no trabalho, mas há inúmeras outras coisas que me completam enquanto pessoa. Gosto muito do mar, do rio, de música calma e de um bom livro. Gosto de cozinhar e ter a família reunida. Mas paixão eu tenho pela família. Sou mãe de 4 pessoas que amo acima de qualquer outra coisa. Sou uma mãe orgulhosa e eles são a minha prioridade sempre. Os meus pais e os meus irmãos foram sempre um exemplo para mim e coloco sempre a família em primeiro lugar.

Como cientista e com obra feita em prol da saúde nacional e, pela sua vocação médica e conhecimento, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A ciência nunca foi devidamente valorizada em Portugal. Há muitas oportunidades perdidas no nosso país que segue sem apostar na investigação. Não investe na investigação nem na saúde ou educação. Não investe nos transportes, na justiça, não temos ambição. Há muita gente muito válida a sair do país e talvez sejam eles que estão certos. Tive oportunidades muito boas no estrangeiro, nomeadamente na Suécia, e muitas vezes me arrependo de não ter ficado por lá.

Que mensagem gostaria de deixar aos médicos portugueses?
A situação em Portugal está muito difícil para a classe médica. A remuneração é vergonhosa relativamente à exigência, responsabilidade e quantidade de trabalho e empenho exigidas. Pior do que a remuneração estão ainda as condições de trabalho que se têm degradado de uma maneira geral. Gostaria de dizer aos médicos que mantenham o espírito de missão e que coloquem os doentes acima de tudo, porque foi para isso que nos formamos. Contudo, não devem aceitar trabalhar sem terem assegurado as mínimas condições de segurança e dignidade.






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