Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Arminda Alves
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) / Laboratório Associado em Engenharia Química (ALiCE) / Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE)

Coordenadora do Laboratório Associado em Engenharia Química - ALiCE


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto?
O meu percurso científico está intimamente ligado ao percurso académico e de gestão na FEUP. Formei-me em Engenharia Química em 1983 na FEUP, onde me Doutorei em 1992. Ainda antes de terminar a Licenciatura já tinha funções de ensino como monitora, e mantive sempre uma atividade muito intensa de ensino - que hoje conta com 42 anos de serviço - tendo evoluído na FEUP até Professora Catedrática. Sobre o percurso científico, ingressei em 2000 no LEPABE – Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia, uma unidade de investigação avaliada sucessivamente como EXCELENTE, e que conta com 240 investigadores, dos quais 90 são Doutorados. Fui Coordenadora Científica do LEPABE entre 2013 e 2023. Recentemente, em 2021, como resultado do consórcio entre as três unidades de investigação do DEQ – CEFT, LEPABE e LSRE-LCM, criámos o ALiCE – Laboratório Associado em Engenharia Química. É o maior Laboratório Associado português, com 413 investigadores, onde assumo as funções de Diretora desde a sua fundação. Tenho tido uma atividade de gestão muito intensa, da qual destaco a direção do DEQ entre 2010 e 2018. A investigação que desenvolvo tem sido direcionada para o desenvolvimento de métodos analíticos de elevada resolução e a monitorização ambiental, de compostos orgânicos “emergentes” como fármacos, produtos de higiene pessoal e químicos industriais da nova geração. Integro este conhecimento com a avaliação do risco de exposição e o desenvolvimento de métodos de degradação.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Porque o ensino é a atividade profissional pela qual me apaixonei, destaco em primeiro lugar o ano de 2000, ano da mudança das instalações da FEUP para a Asprela que trouxe consigo, entre outras coisas, a criação de condições laboratoriais muito relevantes para o ensino da unidade curricular de Métodos Instrumentais de Análise, à qual estou ligada há mais de 20 anos. Foi possível ter um espaço dedicado exclusivamente ao ensino, apetrechado com equipamentos modernos e, hoje em dia, temos um conjunto de equipamentos que não é comum serem disponibilizados aos alunos, como o GC-MS (cromatógrafo gasoso com espetrometria de massa) ou o EAA-ICP (espetrofotómetro de emissão atómica de plasma acoplado induzido). Em segundo lugar destaco o ano de 2010 em que assumi o desafio da Direção do DEQ, numa altura em que o Departamento estava bastante dividido, com uma competição interna enorme, a qual, sendo salutar, não ajudava na definição de estratégias de desenvolvimento conjuntas. Julgo que consegui alcançar, nos 8 anos em que estive à frente do departamento, em conjunto com muitos colegas que partilhavam a mesma visão, um espírito de coesão que culminou na união entre as 3 unidades de investigação para formar o ALiCE. Em terceiro lugar destaco a partir de 2013, e durante dez anos, a liderança do LEPABE que teve um crescimento notável e se tornou numa unidade de investigação de referência em várias áreas como a Energia (energias renováveis), a Biotecnologia (biofilmes) e Ambiente (monitorização de compostos emergentes).

No seu currículo conta com a participação em projetos, muitos deles como investigadora principal. Consegue identificar e falar-nos um pouco sobre aquele, ou aqueles projetos, que considera terem tido um grande impacto na sociedade?
Dos projetos que liderei destaco o SAFEGOAL - Tornar mais seguros os relvados sintéticos com enchimento de grãos de borracha de pneus reciclados, terminado em 2022 e que abordou uma temática muito relevante relacionada com a economia circular e a sustentabilidade ambiental. Este projeto teve como objetivo a criação de uma alternativa viável e segura para a reciclagem de pneus descartados anualmente, garantindo a redução de possíveis contaminantes presentes nos granulados de borracha, em particular os 8 hidrocarbonetos aromáticos policíclicos considerados carcinogénicos. Foi possível identificar os níveis de contaminação, avaliar o risco de exposição - sendo as crianças o grupo mais sensível - e implementar uma metodologia de descontaminação dos grãos de borracha, a qual, contudo, exige ainda estudos suplementares para garantia total de segurança dos atletas e crianças que diariamente utilizam relvados sintéticos para a prática desportiva ou de lazer. O impacto deste projeto traduz-se na contribuição para o avanço do conhecimento, prevendo-se a proibição da utilização do granulado de borracha nos relvados sintéticos para a prática de futebol a partir de 2028. Dos projetos em que participei, destaco o projeto europeu SECUREAU - Segurança e descontaminação de sistemas de distribuição de água potável após contaminação deliberada, liderado pela Universidade de Nancy, sendo o responsável, na FEUP, o Prof. Luís Melo. Tratou-se de um projeto muito confidencial, de proteção das águas de abastecimento público face a ataques terroristas, sejam eles químicos, biológicos ou radiológicos. As duas principais motivações do SECUREAU foram a necessidade de identificação precoce do evento de contaminação intencional antes que esta produza efeitos na saúde, e a falta de métodos eficazes de
neutralização dos contaminantes absorvidos nas paredes das tubagens da rede. A equipa do SECUREAU terminou o projeto, testando as metodologias desenvolvidas na segurança dos sistemas de abastecimento de água durante os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.

O que é mais e menos valorizado, pela sua experiência, nos projetos da sua área científica?
A avaliação dos projetos científicos em Portugal, e consequentemente a sua valorização, depende muito dos resultados que geram, como as publicações científicas, as comunicações em conferências internacionais e a formação avançada (Mestrados e Doutoramentos). Já os projetos em copromoção (via ANI) ou regionais (via CCDR-N), valorizam mais o grau de inovação, medido através de eventuais patentes registadas ou implementação de novos processos/produtos em empresas. Na minha opinião, seria importante valorizar igualmente a capacidade de gerar emprego científico, através de contratos ou bolsas de investigação, bem como o grau de internacionalização, que constitui atualmente a possibilidade de aceder a fontes de financiamento mais relevantes em termos de montantes, e menos complexas em termos de burocracia. Aliás, Portugal e a U.Porto ainda têm um caminho importante a percorrer no domínio da gestão de projetos, uma vez que os obstáculos burocráticos que se colocam ao desenvolvimento regular da investigação, mesmo quando existe financiamento, tornam os projetos muito difíceis de gerir, colocando-nos em desvantagem em relação a outros países. Efetivamente, todos temos responsabilidade em procurar fazer mais e melhor. Demorar 3 a 4 meses para contratar um/a investigador/a ou para adquirir um equipamento complexo impede qualquer programação atempada do trabalho a realizar, e tira o foco do responsável do projeto, que se deveria centrar nos resultados e avanço do conhecimento.

Como Diretora do Laboratório Associado em Engenharia Química (ALiCE) da Universidade do Porto, pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver e ações futuras planeadas?
Tenho muito gosto em falar da atividade enquanto Diretora do ALiCE, um Laboratório Associado criado em 2021. O ALiCE resulta do consórcio entre três unidades de investigação de excelência, o CEFT, LEPABE e LSRE-LCM. Temos em comum o facto de pertencermos à Universidade do Porto, e estamos sediados na Faculdade de Engenharia onde cerca de 90% dos/as investigadores/as desenvolvem a sua atividade no Departamento de Engenharia Química. E porquê o ALiCE? Com esta associação, já sedimentada com várias parcerias internas, tornámo-nos no maior Laboratório Associado Português em engenharia química, atualmente com 413 investigadores/as, dos quais 172 são investigadores/as Doutorados/as e 196 são estudantes de Doutoramento. E compreendemos que a dimensão é de facto relevante para aumentar a nossa visibilidade e a nossa projeção internacional. Por outro lado, a partilha de infraestruturas é fundamental na otimização dos recursos disponíveis. E finalmente, os excelentes indicadores dos/as investigadores/as mais jovens motivam-nos para encontrar soluções para a criação de carreiras estáveis. Destaco a contratação de 17 investigadores/as permanentes nos últimos 2 anos, antecipando assim a meta desejada de 10% dos/as investigadores/as com contratos permanentes até ao final de 2025. E porquê a engenharia química? As grandes associações europeias, da indústria e da academia, destacam o papel central da engenharia química e áreas de interface nos desafios societais atuais. Defendem que a 4ª revolução industrial, baseada no digital e por si só, não resolve o que designamos de “Grandest Challenges”, nomeadamente os desafios climáticos, e em particular a descarbonização em indústrias tradicionais, pouco eficientes, que obrigam ao redesenho de processos, e a melhoria de eficiência dos recursos, sendo que tudo isto obriga à redefinição da engenharia, onde por exemplo a biotecnologia e a nanotecnologia assumem um papel relevante. E por isso definimos a missão do ALiCE no sentido de contribuir para o conhecimento científico e as suas aplicações tecnológicas para o desenvolvimento de processos e produtos inovadores, de uma forma sustentável e eficiente. Para além da aposta na criação de empregos científicos estáveis, através de contratos permanentes de investigadores/as, temos apoiado através das unidades de investigação a atividade no domínio da internacionalização, traduzido já em alguns sucessos como a atribuição de uma ERC STARTING GRANT (1.5 M€) à Doutora Rita Lado, investigadora do ALiCE/LSRE-LCM, e de uma ERA-CHAIR (2.5 M€) atribuída à equipa do  ALiCE/LEPABE, liderada pelo Professor Nuno Azevedo.

A representatividade de liderança feminina nas instituições vem aumentando consideravelmente ao longo dos anos. Sendo Diretora do ALiCE, que desafios encontra?
Concordo que a representatividade de liderança feminina nas instituições tem vindo a aumentar ao longo dos anos, mas ainda existem desafios significativos que precisam ser superados para alcançar uma verdadeira igualdade de género. Existem ainda algumas profissões para as quais o estereótipo de género pode limitar as oportunidades para se alcançarem posições de liderança. Outro desafio que ainda é extremamente relevante é o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, sendo que a falta de políticas de conciliação entre trabalho e vida pessoal podem afetar negativamente a ascensão das mulheres a cargos de liderança. Na nossa área em particular, de tecnologia e ciência, as mulheres ainda são sub-representadas desencorajando, de certo modo, as mulheres jovens a desenvolver carreiras na indústria. Finalmente, alguns desafios estão enraizados em normas culturais e estruturas organizacionais, cuja alteração pode ser um processo lento, mas essencial para criar ambientes de trabalho mais inclusivos. No caso particular da engenharia química, destaco a dificuldade das grávidas em permanecerem em locais de trabalho como laboratórios ou indústrias com manuseamento de produtos químicos, que podem afetar o desenvolvimento fetal, mesmo utilizando medidas de proteção individual. Este facto atrasa necessariamente a progressão na carreira, não sendo geralmente tido em conta na avaliação de desempenho ou curricular das mulheres.

Como avaliadora em programas nacionais e europeus de Investigação e Inovação, quais as áreas do conhecimento que identifica como sendo as mais promissoras atualmente?
Destaco em primeiro lugar as áreas de conhecimento que permitem cumprir os objetivos de desenvolvimento sustentável, que estão integradas nos objetivos estratégicos do ALiCE e que passam pela área das energias renováveis e sustentabilidade, capazes de fazer face às alterações climáticas, em setores especiais como transporte, construção e agricultura; pela área de materiais e da eficiente utilização de recursos, usando os conceitos de economia circular e de avaliação de ciclo de vida de processos e produtos; a nanotecnologia e a sua relação com a saúde, com especial foco na produção de medicamentos; e finalmente a água, que vai desde a identificação das contaminações e respetivos tratamentos avançados até à gestão sustentável da água para fazer frente às alterações climáticas. São ainda áreas promissoras, no avanço do conhecimento, a Inteligência Artificial e a Ciência de Dados, entre outras.

Como avalia a visibilidade da profissão de Engenheiro/a Químico/a na sociedade portuguesa? Consegue identificar o melhor e o pior?
A visibilidade da profissão de Engenheiro/a Químico/a na sociedade portuguesa tem passado por transformações que refletem a evolução das indústrias e das necessidades societais. Portugal não apresenta uma indústria química muito forte, mas o/a Engenheiro/a Químico/a tem uma formação tão abrangente que facilmente assume posições de liderança em vários sectores.
Alguns pontos positivos incluem:
1. A contribuição para setores estratégicos como a indústria farmacêutica, petroquímica e ambiental. A sua contribuição é vital para o desenvolvimento económico e a sustentabilidade;
2. A grande envolvência em Investigação e Inovação: Existe uma grande tradição em Portugal de envolvimento da indústria em investigação aplicada, potenciando a inovação, desenvolvendo novos materiais, processos e tecnologias;
3. Sustentabilidade e Ambiente: Em resposta às alterações climáticas e às necessidades societais, com crescente ênfase na sustentabilidade, os/as engenheiros/as químicos/as desempenham um papel fundamental na conceção de processos e produtos mais sustentáveis, alinhados com as preocupações ambientais;
4. Internacionalização: Os/as engenheiros/as químicos/as portugueses/as têm-se destacado internacionalmente, trabalhando em projetos e colaborando em diferentes partes do mundo, o que eleva a reputação da profissão. Temos vários exemplos de profissionais formados na U.Porto em lugares de destaque na indústria internacional, como a Dra. Irina Ramos, engenheira de processos e de purificação de fármacos, da AstraZeneca, com papel muito ativo no desenvolvimento das vacinas contra o COVID-19, ou o Professor António Moreira, vice-reitor da Universidade de Maryland, entre muitos outros.
Como pontos menos positivos, destaco:
1. A falta de reconhecimento público, uma vez que a sociedade parece ainda não compreender o impacto positivo que os engenheiros químicos têm;
2. A estigmatização de indústrias químicas, devido a problemas ambientais no passado, podendo afetar a imagem da profissão;
3. A escassez de profissionais com qualificações adequadas às necessidades atuais: a evolução industrial exige engenheiros/as químicos/as com elevado grau de qualificação na área digital, na área de intensificação de processos e na sustentabilidade.

Perante a conjuntura macroeconómica atual, que apreciação faz do panorama científico português na sua área, e de uma forma geral?
De uma forma geral, acredito que Portugal reconhece a importância da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico para impulsionar o progresso económico e social. Investir em ciência e tecnologia geralmente é considerado crucial para inovação, competitividade e resolução de desafios globais. E, para isso, é fundamental alocar recursos para os centros de investigação, promover parcerias entre universidades e indústrias, incentivar a formação de talentos científicos ao mesmo tempo criando condições para os reter, e participar em projetos internacionais. Contudo, perante a conjuntura macroeconómica atual, a apreciação do panorama científico em Portugal é uma mistura de desafios e progressos notáveis. Temos assistido a algum aumento no investimento em investigação, desenvolvimento e inovação tecnológica (I&D&I), mas continuamos a enfrentar obstáculos relacionados com capacidade de financiamento, infraestruturas e retenção de talentos. Apesar do reconhecimento internacional, onde a engenharia química se inclui, a limitação de recursos continua a ser um desafio significativo. Lembro que não temos tido, nos últimos anos, programas de investimento em equipamentos de ponta, ou de acesso a novas infraestruturas, o que terá a médio prazo um impacto negativo na competitividade e na capacidade de inovação. Outra área crítica é a retenção de talentos. A fuga de cérebros continua a constituir uma realidade e uma preocupação, na medida em que os/as mais qualificados/as procuram oportunidades noutros países com melhores condições de trabalho, de carreira e de salários. É fundamental a adoção de políticas de recursos humanos mais flexíveis e condições de trabalho competitivas.

Para além de tudo o que faz, que outra paixão nutre, que a completa enquanto pessoa?
Fui sempre muito dedicada e tive enorme motivação pela minha profissão de professora universitária. Em 2024 completarei 43 anos de atividade profissional, e será o ano da minha aposentação, onde irei encontrar novos desafios, passando a ter maior disponibilidade para apoiar o meu neto, para já, e os meus filhos e noras. Além da grande dedicação à profissão, a minha verdadeira paixão que me completa como pessoa é a minha família. Foram sempre a minha prioridade, e encontrar equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar foi essencial para o meu bem-estar. Para além disso, mantenho uma paixão pelo desporto, que vem dos tempos jovens e que partilho com o meu marido, pois fomos os dois praticantes de voleibol. A competição, a camaradagem e a superação de desafios em equipa constituíram momentos de muita felicidade. O meu sogro, o Prof. Manuel Puga, referia que “o desporto é um projeto de vida acelerado” e, de facto, agora apenas como espetadora, continuo a viver com entusiasmo os momentos de enormes decisões, que têm de ser tomadas em frações de segundo, que se traduzem em grandes vitórias. Sou uma grande fã do Futebol Clube do Porto, instituição que ultrapassa as linhas do campo de futebol para se misturar com os valores da nossa cidade do Porto. A resiliência, a solidariedade, a ambição e a determinação, são características dos portuenses que vejo refletidas na forma como o nosso clube enfrenta desafios dentro e fora de campo. Posso assim dizer que nutro uma paixão enraizada pela cidade, pela minha faculdade e pelo FCP.


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