Atividade de investigação em Microbiologia
O que espoletou inicialmente o interesse pelo estudo do microbioma humano e de que forma foi percorrido e trilhado o caminho na academia, nesta área de estudo?
Após a conclusão do meu doutoramento (2006), focado nos mecanismos patofisiológicos da doença renal crónica, senti necessidade de juntar as minhas duas áreas de formação: microbiologia (licenciatura) e doença renal crónica (doutoramento). Nessa altura começaram a surgir os primeiros estudos que utilizavam as “inovadoras” sequenciações de alto rendimento (“high-throughput”) [PM1] permitindo estudar as comunidades microbianas como um todo e não de forma isolada, – microrganismo a microrganismo. Nos anos seguintes, estas novas tecnologias revolucionaram (, e continuam a revolucionar), o nosso conhecimento sobre a relação microrganismo-hospedeiro, revelando uma maior diversidade nas comunidades microbianas e um papel extremamente complexo e crucial para a saúde humana. Naturalmente atraída pela vontade de fazer parte dessa revolução, em 2014, iniciei um estudo que pretendia caracterizar o microbioma oral e intestinal na doença renal crónica. Para tal, reuniu-se [PM2] [PM3] uma coorte de doentes com colheita de amostras e levantamento de dados clínicos. O financiamento para as sequenciações de alto rendimento apenas foi conseguido em 2018, sendo que até lá as avaliações foram sendo realizadas recorrendo a outras técnicas de microbiologia. Entretanto vários outros projetos foram iniciados, sempre com o foco na relação entre o microbioma e a saúde humana: OralBioBorn (iniciado em 2019) e integrado no consórcio holandês Metahealth (em 2022) através dos quais pretendemos compreender como a patologia materna (obesidade, hipertensão e diabetes gestacional) pode afetar o processo de aquisição e maturação do microbioma oral e intestinal nos primeiros 1000 dias de vida; M2Child (iniciado em 2020) através do qual pretendemos encontrar novos alvos de diagnósticos e terapêuticos para a Perturbação da Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) caracterizando de forma muito completa o perfil psicológico, bioquímico e de microbioma oral e intestinal e, finalmente, o projeto Microbi-A (iniciado em 2020) em que pretendemos estudar a relação entre o microbioma oral e intestinal e os traços de personalidade.
Poderia partilhar quais as mais recentes e mais promissoras descobertas sobre o microbioma humano, e de que forma estas descobertas poderão ajudar a entender e melhorar o equilíbrio saúde/doença?
Nestes últimos 20 anos tem sido impressionante a enorme quantidade de novo conhecimento, revelando vias surpreendentes na para a relação entre microrganismo e saúde humana. Para além de conhecermos com maior profundidade as comunidades microbianas que habitam o nosso corpo, começamos agora a compreender muito melhor a forma como essas comunidades interagem com a fisiologia humana, bem como o seu papel regulador do equilíbrio entre a saúde e a doença. Para além disso, têm sido descritas comunidades microbianas (por análise da presença de ADN) em locais do corpo humano previamente considerados estéreis, como o sistema urinário superior, o sistema respiratório inferior e até tecidos e órgãos, estando a comunidade científica ainda a procurar esclarecer a sua real efetiva existência e o seu papel (caso existam) na saúde humana. Na minha opinião, algumas das descobertas mais promissoras incluem a associação entre o microbioma humano e as doenças metabólicas (como obesidade, diabetes tipo 2, insulinorresistência, hiperlipidemia, hipertensão, entre outras), a doença mental (como depressão, ansiedade, distúrbios do neurodesenvolvimento, entre outros) e a eficácia de imunoterapias (por exemplo no tratamento de doenças oncológicas). A manipulação do microbioma, através de dietas específicas ou suplementos probióticos e/ou prebióticos (ou até o transplante de microbiota fecal de indivíduos saudáveis) poderá, no futuro, ajudar a prevenir ou reverter doenças metabólicas e a promover a saúde mental. Relativamente à eficácia das imunoterapias, foi reportado que uma maior diversidade microbiana intestinal está associada a uma melhor resposta à imunoterapia, propondo-se, assim, que o perfil microbiano intestinal poderá ser usado como marcador preditivo para a eficácia de tratamentos oncológicos, permitindo uma personalização mais eficaz da terapêuticaitindo uma personalização mais eficaz da terapêutica.
Quais as pistas de investigação atuais que gostaria de vir a perseguir que, na sua opinião, se revestem de maior potencialidade no estudo do microbioma?
Há várias linhas de investigação promissoras no estudo do microbioma que gostaria de perseguir, dado o seu potencial de impacto significativo em diversas áreas da saúde humana, nomeadamente a aquisição e maturação do microbioma humano, cujo estudo durante os primeiros anos de vida e sua ligação com o desenvolvimento de doenças ao longo da vida, como doenças orais, doenças metabólicas, doenças imunológicas e doenças mentais, tem um enorme potencial. Também o microbioma oral e a patologia sistémica: o microbioma oral, embora menos estudado, tem sido implicado em diversas doenças sistémicas, incluindo doenças cardiovasculares, metabólicas e neurodegenerativas. A investigação sobre como o microbioma oral pode servir como um biomarcador precoce para essas doenças ou como a sua modulação pode reduzir o risco sistémico é uma área de investigação que gostaria de aprofundar ainda mais. Destaco também a relação entre o microbioma humano e a saúde mental. A investigação sobre a interação entre o microbioma e o cérebro (eixo microbiota-cérebro) é uma área fascinante. O impacto do microbioma na saúde mental, em condições como depressão, ansiedade, distúrbios do neurodesenvolvimento e doenças neurodegenerativas, é um campo emergente com implicações profundas e forte impacto na sociedade. Explorar a forma como intervenções baseadas em modulação do microbioma (como dieta, probióticos/prebióticos ou transplante fecal) podem influenciar a saúde mental é um caminho promissor. Estas áreas não só têm grande potencial para melhorar a compreensão científica do microbioma, mas também podem levar a intervenções clínicas inovadoras e mais eficazes no futuro, numa lógica de translação. Os projetos que tenho em curso procuram responder, em parte, a algumas destas questões... aguardemos pelos resultados.
De entre os muitos projetos que liderou e outros em que colaborou, alguns dos quais já referidos, gostaríamos de aprofundar o Microbi-A, que se debruça sobre o estudo da relação entre o microbioma e os traços de personalidade. Poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto de que forma surgiu esta pista de investigação e quais serão os resultados finais expectáveis?
Como referido anteriormente, a associação entre o microbioma e a saúde mental tem vindo a ganhar muita relevância. O projeto Microbi-A surge após ter conhecido um colega da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) numa formação contínua da U.Porto, o Professor Fernando Barbosa, que foca a sua investigação no estudo da personalidade antissocial e, pouco tempo depois, estar a delinear um projeto de Doutoramento para uma nova aluna, a Carolina Costa, que mostrou muito interesse no estudo do eixo microbiota-cérebro, em particular na sua influência nos traços de personalidade. Após várias reuniões entre a aluna Carolina Costa, o Professor Fernando Barbosa e eu, surge o desenho do projeto que visa compreender a associação entre o microbioma oral e intestinal e os traços de personalidade. O Professor Philip Burnet, da Universidade de Oxford, foi convidado a integrar o projeto e a equipa de orientação, trazendo uma mais-valia importante para o projeto Microbi-A. Como resultado esperamos encontrar associações entre perfis microbianos orais ou intestinais e perfis específicos de personalidade. Neste projeto exploramos fatores que condicionam o perfil microbiano, como a alimentação, o exercício físico, a história clínica e aspetos demográficos assim como moléculas circulantes que estão associadas ao metabolismo microbiano, de forma a melhor compreendermos os fatores que poderão condicionar as alterações do perfil microbiano que encontrarmos.
De que forma perspetiva o papel da investigação debruçada sobre microbioma na definição de futuras estratégias para melhorar os cuidados de saúde e a saúde pública, de forma global?
A investigação sobre o microbioma oferece uma perspetiva revolucionária para os cuidados de saúde e a saúde pública. À medida que o conhecimento se expande, podemos esperar um futuro em que a prevenção, tratamento e promoção da saúde sejam muito mais personalizadas, ecológicas e integradas, com um foco no microbioma como um dos pilares da saúde humana. A recente aplicação de abordagens meta-ómicas (metagenómica, metatranscriptómica, metaproteómica e metabolómica) a amostras clínicas permite a caracterização eficiente de comunidades microbianas (ao nível da estirpe) e a avaliação da atividade metabólica que ocorre nesse nicho ecológico, permitindo assim identificar espécies microbianas, vias metabólicas e metabolitos que estão associados ao desenvolvimento e tratamento de doenças. Acredito que esta estratégia abrangente permitirá, no futuro, que os cuidados de saúde sejam moldados com base no perfil microbiano de cada indivíduo, possibilitando tratamentos e intervenções mais personalizadas, direcionados e eficazes, pois sabemos que o microbioma é único para cada indivíduo e que muitas estratégias terapêuticas podem ser influenciadas por diferentes perfis microbianos. Assim, o desenvolvimento de técnicas ou estruturas que permitam uma previsão precisa das interações entre fármacos/hospedeiro-microbioma abrirá caminho para a medicina de precisão (ou medicina personalizada) baseada no microbioma. Por outro lado, a investigação sobre microbioma pode também ser fundamental para enfrentar crises de saúde pública emergentes, como as doenças metabólicas, autoimunes e mentais, ao proporcionar uma nova compreensão sobre as causas subjacentes dessas condições e ao abrir caminho para estratégias de intervenção mais eficazes.
Especificamente no âmbito da microbiologia oral, poderia partilhar um exemplo de como a investigação e estudo desta área em particular produziu impacto direto nas práticas clínicas em medicina dentária?
Na área da microbiologia oral, o estudo da relação entre o microbioma e a saúde orais tem gerado avanços significativos que impactam diretamente as práticas clínicas em medicina dentária. Um exemplo claro é o papel da microbiota oral no desenvolvimento da cárie dentária e na doença periodontal, e como o tratamento dessas condições evoluiu com base no conhecimento sobre a ecologia microbiana. Por exemplo, estudos sobre o microbioma oral têm mostrado que o desenvolvimento de doenças periodontais, como gengivite e periodontite, não se deve apenas à presença de bactérias específicas, mas ao desequilíbrio do ecossistema oral. Esse desequilíbrio, conhecido como disbiose, promove o crescimento de bactérias patogénicas, desencadeando inflamação e destruição dos tecidos de suporte dos dentes. Este conhecimento levou à introdução, na prática clínica, de terapias mais direcionadas, como a utilização de probióticos orais para restaurar o equilíbrio do microbioma, em vez de erradicar todas as bactérias indiscriminadamente. Por exemplo, o uso de elixires com agentes antibacterianos agora é mais ponderado para evitar perturbações desnecessárias no microbioma oral saudável. Relativamente à cárie dentária, a colocação de selantes de fissuras como abordagem preventiva surge para prevenir a adesão de bactérias acidogénicas. Como referido anteriormente, existem também ligações importantes entre a saúde oral e doenças sistémicas, como por exemplo a doença renal crónica, a diabetes, doenças cardíacas e a doença de Alzheimer, situações onde a identificação de alterações no microbioma oral podem servir como biomarcador precoce para o diagnóstico dessas condições.
Gostaríamos que partilhasse um ou mais aspetos da investigação desenvolvida, na área científica da microbiologia, que considere particularmente desafiantes. Que estratégias adota perante a exigência deste(s) desafio(s)?
No estudo do microbioma existem muito desafios com os quais temos de lidar diariamente. Um dos principais é a falta de financiamento que, sendo um problema crónico na área da investigação, no estudo do microbioma assume particular relevância pois apenas com financiamento regular e robusto conseguimos aceder às estratégias mais abrangentes e recentes, permitindo chegar a conclusões mais detalhadas e completas. Sem financiamento, infelizmente os estudos irão progredir mais lentamente e com uma abrangência mais limitada. Para além deste aspeto crítico, e olhando mais para o contexto laboratorial, existe ainda uma enorme falta de estandardização internacional a nível de protocolos de colheita e armazenamento de amostras, de extração de material genético e de métodos de sequenciação, o que muitas vezes limita uma comparação mais alargada de estudos de diferentes laboratórios reduzindo a reprodutibilidade dos resultados e a sua generalização. A análise bioinformática constitui, também, um forte desafio. O volume e a complexidade dos dados gerados exigem ferramentas e pipelines robustos, para os quais ainda não existe padronização, sendo sensíveis à heterogeneidade e incompletude das bases de dados que os suportam. Não existe, ainda, uma base de dados de referência abrangente e única, sendo necessário recorrer a diferentes bases para identificação de microrganismos. Ainda assim, sabemos que muitos organismos do microbioma humano permanecem não catalogados ou sub-representados nas bases de dados atuais, dificultando a interpretação e introduzindo vieses nos resultados. A principal estratégia que tenho adotado é a criação de colaborações nacionais e internacionais com outras equipas de investigação e a partilha de recursos, desde laboratórios até ferramentas bioinformáticas. Estas colaborações têm facilitado, ainda que de forma muito limitada, o acesso a algum financiamento complementar e que por vezes ajuda a mitigar o impacto da falta de um financiamento continuado
Na sua opinião que estratégias, simples mas eficazes, poderemos adotar no quotidiano para melhorar o nosso microbioma?Ter uma alimentação muito variada, pois os nossos microrganismos também se “alimentam” do que ingerimos diariamente. Ao ter uma alimentação muito variada iremos potenciar uma grande diversidade microbiana que se acredita estar mais associada à saúde. Melhorar o microbioma humano pode ser feito através de estratégias simples, baseadas nas evidências científicas mais recentes. Algumas recomendações incluem uma dieta rica em fibras consumindo mais frutas, legumes, cereais integrais, leguminosas e nozes, o que ajuda a alimentar as bactérias benéficas do intestino. Estes alimentos são ricos em fibras que promovem a diversidade do microbioma, que é essencial para a saúde geral. Incluir também alimentos fermentados, como iogurte, kefir, chucrute, miso e kombucha pode aumentar a presença de bactérias benéficas. Além disso, suplementos probióticos podem ser considerados, embora os alimentos sejam geralmente preferidos. Acrescento ainda a redução do consumo de açúcares e de alimentos processados. Estudos indicam que dietas ricas em açúcar e ultraprocessados estão associadas a uma menor diversidade da microbiota intestinal e a um aumento de bactérias prejudiciais, contribuindo para inflamação e doenças crónicas. Ter contacto regular com a natureza, como jardinar ou passar tempo ao ar livre, aumenta a exposição a uma maior variedade de microrganismos benéficos, promovendo a diversidade microbiana. Evitar o uso excessivo de antibióticos, uma vez que recorrer indiscriminadamente a antibióticos pode eliminar tanto as bactérias nocivas quanto as benéficas. É importante usá-los apenas quando necessário, e sempre sob orientação médica. Manter uma hidratação adequada: a ingestão de água é essencial para manter a saúde intestinal e, consequentemente, o equilíbrio do nosso microbioma. Por fim, dormir bem e reduzir o stress. O stress crónico e a falta de sono afetam negativamente o microbioma humano. Adotar hábitos que promovam a qualidade do sono e a gestão do stress, como a meditação ou ioga, pode ajudar a melhorar a saúde intestinal. Estas estratégias são práticas e acessíveis, baseadas em evidências científicas que demonstram a sua eficácia em promover um microbioma equilibrado e, por conseguinte, uma saúde geral melhorada.
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