Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Benjamin Costas Refojos
Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) / Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)

Investigação em aquacultura e crescimento azul


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Comecei o doutoramento em 2008 com uma bolsa da FCT, com o CIIMAR e o CCMAR como instituições de acolhimento. Durante o doutoramento, o objetivo foi desenvolver alimentos funcionais (nutracêuticos) para peixes de aquacultura, e que acabou por ser a principal área na que tenho vindo a trabalhar. Durante esse período sempre tive claro o percurso que pretendia seguir em ciência e após ter defendido a minha dissertação em dezembro de 2011, em janeiro de 2012, comecei com a minha primeira bolsa de pós-doutoramento da FCT, com o CIIMAR e o i3S como instituições de acolhimento. Em 2015 consegui uma melhor estabilidade ao ser beneficiário do programa Investigador FCT (IF) – Starting Grant, o que me permitiu começar a criar a minha equipa no CIIMAR em outubro de 2016. Ainda nessa altura, comecei a minha aventura na docência através do apoio a algumas aulas de mestrado no ICBAS, e a partir de 2018 tenho vindo a ser Professor Auxiliar convidado no Departamento de Produção Aquática do ICBAS. Poucos anos depois, em 2020, e com o apoio da FCT através do concurso Estímulo ao Emprego Científico e da Direção do CIIMAR, consegui criar a minha própria equipa como Investigador Principal, a A2S – Saúde de Animais Aquáticos, da qual muito me orgulho. Neste momento, a minha carreira está bem consolidada na área da aquacultura e saúde animal.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
O meu grande primeiro marco foi, sem dúvida, o doutoramento. Tive um grande apoio da minha equipa de supervisão, o Professor António Afonso (na altura Professor Associado do ICBAS, reformado na atualidade) e o Doutor Luís Conceição (na altura investigador auxiliar do CCMAR, e, no presente, fundador e CEO da SPAROS) por ter acreditado nas minhas capacidades e por me impulsionar nessa grande aventura. O seu apoio foi fundamental não só para chegar a “bom porto”, mas também para manter a minha saúde mental. Em ciência não existem caminhos em linha reta, pelo que é fundamental que exista uma equipa com certo apoio no desenvolvimento e capacitação para além da vertente científica.
O meu segundo marco foi a minha consolidação como PI através do (IF) – Starting Grant e CEEC individual (PI), conseguidos em 2015 e 2020, respetivamente. Este financiamento da FCT gerou certa estabilidade que permitiu assumir compromissos a longo prazo, e que foi a base da criação da minha equipa.
O terceiro marco foi em 2022 ao ter conseguido financiamento europeu altamente competitivo. Nomeadamente, submetemos duas propostas como coordenadores a avisos no âmbito do Horizonte Europa e em linha com o European Green Deal, e fomos vencedores do GRINNAQUA e IGNITON com um financiamento global de 7,5 M de euros..


Pode falar-nos um pouco da investigação levada a cabo pelo grupo de investigação que coordena no CIIMAR: Saúde de Animais Aquáticos (A2S)?
A equipa A2S tem o grande objetivo de procurar soluções sustentáveis e inovadoras para melhorar a condição de saúde de animais aquáticos criados em cativeiro, nomeadamente aquacultura. Embora grande parte da nossa investigação seja em espécies marinhas (vertebrados e invertebrados), também temos trabalhos a serem desenvolvidos em espécies de água doce, como truta ou peixe-zebra. Grande parte da nossa Investigação tem uma abordagem prática na qual testamos novos conceitos e protótipos para melhorar a saúde animal, muitos deles em colaboração com empresas. Contudo, temos também projetos de investigação mais fundamental para perceber certos mecanismos. A modulação da resposta imune através da dieta (nutritional immunology) é o tópico com maior protagonismo e, de facto, temos 11 estudantes de doutoramento com diversas abordagens e enquadramento em 6 projetos de investigação nacionais e internacionais. Para além disso, e tendo em conta a investigação aplicada na área da aquacultura, temos duas linhas de investigação mais vocacionadas para estudos fundamentais nos tópicos i) interações patógeno/hospedeiro e ii) interações imune/neuro-endócrinas. A nossa investigação mais recente inclui a identificação de perfis de biomarcadores com suficiente solidez para diagnosticar a saúde e bem-estar animal. O objetivo final é que estes novos biomarcadores possam servir para desenvolver ferramentas inovadoras como, por exemplo, biossensores não invasivos e modelos de predição de saúde, num contexto de medicina veterinária de precisão. Estas ferramentas inovadoras teriam um grande impacto nesta nova era da digitalização permitindo, por exemplo, o diagnóstico precoce de doenças e a predição da suscetibilidade a certos patógenos.

Do seu currículo, consegue identificar e falar-nos um pouco sobre o(s) projeto(s) que considera terem tido um grande impacto na sociedade?
Na minha opinião, o impacto é sempre indireto. Muitos dos meus projetos têm contribuído para o desenvolvimento de alimentos funcionais, com o objetivo de melhorar a resistência de peixes a doenças e fatores de stress. Esta investigação é depois usada pelo tecido empresarial para alargar as suas soluções com novos protótipos a serem testados em condições industriais. De facto, alguns dos meus projetos chegaram a gerar colaborações com multinacionais de aditivos e fabrico de alimentos compostos, ou até são diretamente financiados por empresas de rações que pretendem testar em laboratório os seus protótipos. Se estas soluções funcionam, podemos contar com peixes fortificados e, portanto, mais saudáveis e seguros para o consumidor final.

Parece um contrassenso, mas, Portugal que é um dos países que mais peixe consome e é também um mercado onde a aquacultura é ínfima, com uma produção incipiente face às suas necessidades, e quando comparada com os valores do consumo. Pode falar-nos um pouco das razões que contribuíram para o não desenvolvimento do setor?
Concordo que de facto é um contrassenso, mas não podemos esquecer que grande parte desse consumo de peixe é de bacalhau em primeiro lugar, e que, por questões da biologia da espécie, o seu cultivo em Portugal seria inviável. Contudo, uma parte significativa dos produtos da aquacultura são de facto importados e, tendo em conta o Espaço Marítimo Nacional, Portugal poderia ter uma produção aquícola muito mais destacada. Esta situação foi obviamente identificada pelo governo e a nova Política e Estratégia do Mar, bem como a Agenda 2030, que aprova os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que enfatizam a necessidade de promover a aquacultura de forma sustentável, como meio para o aumento da produção, alcance da segurança alimentar, melhoria da nutrição, aumento de rendimento das famílias, e melhoria do abastecimento interno para redução do défice de pescado através do aumento dos volumes de produção. Por outro lado, o setor da produção tem um certo sentimento de frustração pelas dificuldades administrativas que, normalmente, se apresentam na altura de solicitar novos licenciamentos, entre outros assuntos. Isto faz com que alguns projetos possam cair ou vir a ser insustentáveis.

Pode falar-nos um pouco sobre as soluções terapêuticas disponíveis na indústria da aquacultura? Como analisa o percurso que tem vindo a ser seguido e por onde crê que devem passar as apostas futuras?
Infelizmente, na aquacultura quase não existem soluções terapêuticas, por causa da rigorosa supervisão regulatória do uso de medicamentos farmacêuticos. O uso de medicamentos é controlado pelas autoridades através de registos num livro de registo de medicamentos normalizado, ou um plano de tratamento profilático feito pelo médico veterinário responsável, mantido à disposição das autoridades oficiais para efeitos de controlo. A melhor solução é a aposta na prevenção, através de planos de vacinação e boas práticas no maneio e limpeza e segurança das instalações. As apostas futuras são, sem dúvida, em programas de seleção genética para criarmos animais naturalmente mais resistentes a situações de stress e doença, uma melhor nutrição e vacinas mais eficientes. A investigação fundamental e aplicada está a avançar neste sentido e acredito que, para o 2030, será possível ter mais possibilidades em termos de prevenção e, provavelmente, do ponto de vista terapêutico com recurso a compostos naturais com poder microbicida.

Qual tem sido o contributo dos Fundos da União Europeia no reforço de redes de I&D e na formação de equipas, para que a ciência esteja ao serviço da sociedade?
Os fundos europeus, no meu caso em particular, têm vindo a potenciar a contratação de recursos humanos e captação de talento, para além de melhorar as nossas colaborações e visibilidade internacional. Por ser elegível no âmbito do programa Widening da União Europeia, Portugal tem ferramentas que permitem maior financiamento para a formação de equipas e redes I&D, assim como uma maior captação de investigadores com grandes capacidades. Neste momento, a taxa de sucesso nacional subiu de 25,7% do anterior programa quadro Horizonte 2020, para 39,3% neste novo programa Horizonte Europa, pelo que estamos todos de parabéns.

Considera que empresas e sistema científico e tecnológico, designadamente às universidades, atuam de forma conjunta ou de forma distinta no que respeita à procura de estratégias, cooperação e investigação para o combate ao declínio continuado da saúde dos nossos oceanos?
Embora exista certa colaboração e sinergias entre empresas e sistema científico e tecnológico, julgo que atuam de forma distinta, mas apenas por existirem estratégias e necessidades diferentes. Na academia trabalhamos para produzir ciência da melhor qualidade possível e gerar a maior quantidade de conhecimento possível. Somos avaliados pela quantidade e qualidade de artigos (incluindo as citações), estudantes e projetos que coordenamos. No entanto, o tecido empresarial precisa ter o foco em gerar soluções rentáveis que nem sempre vão de encontro a gerar mais conhecimento ou publicar artigos. Existe, no entanto, um esforço e investimento por parte do tecido empresarial em ser mais sustentável e gerar produtos da melhor qualidade possível

Perante a conjuntura macroeconómica atual, que apreciação faz do panorama científico português na sua área, e de uma forma geral?
Se temos em conta o financiamento nacional, posso dizer que fazemos imenso e contribuímos com ciência de grande qualidade, para o pouco financiamento disponível. Felizmente, a nossa alta produtividade e criatividade está a permitir uma maior captação de financiamento de fundos europeus no novo programa quadro. A ciência que é produzida em Portugal, na minha área, é de elevada qualidade e, de facto, a representação portuguesa em encontros científicos internacionais relevantes costuma ser significativa e importante.

Enquanto cidadão, como é que gostaria de ver Portugal daqui a dez anos?
Um país que aposta na educação de qualidade, mais inclusivo e verde. Um país com investimentos em recursos renováveis, aproveitamento e valorização de desperdícios, e com tecnologias mais sustentáveis.






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