Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Carmen Jerónimo
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS) / Diretora do Centro de Investigação do IPO Porto (CI-IPOP)

Investigação em Biologia e Epigenética do Cancro

Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto?
A minha ligação à U.Porto começou por ser informal, logo após ter defendido a minha tese de Doutoramento em Ciências Biomédicas do ICBAS, em outubro de 2001, através da lecionação de um módulo em cancro da próstata, no âmbito do Mestrado de Oncobiologia da FMUP, a convite do Professor Sobrinho Simões, e de uma aula teórica de Patologia ao Mestrado Integrado de Medicina (MIM), a convite do Professor Carlos Lopes. Embora, quando ingressei no curso de Biologia da Faculdade de Ciências da U.Porto tivesse como objetivo desenvolver investigação na área da ciência animal, a Oncobiologia e a Patologia Molecular foram escolhidas a partir do momento em que realizei o meu estágio profissional de Licenciatura no âmbito do PRODEP II, no IPO Porto. O meu primeiro contrato como docente no ICBAS, realizou-se em 2009, como Professora Associada Convidada do Departamento de Patologia e Imunologia Molecular, assumindo a regência de técnicas laboratoriais no Mestrado de Oncologia (MONC) e lecionando aulas práticas e teóricas de Patologia do MIM. Obtive o título académico de agregado em 2011, com a apresentação de uma Unidade Curricular em Epigenética do Cancro, cuja lecionação iniciei em 2010, no Programa Doutoral de Medicina e Oncologia Molecular da FMUP. Ao longo da última década tenho igualmente lecionado nas Unidades Curriculares de Oncobiologia (Mestrados em Bioquímica e em Bioengenharia), e Técnicas de Biologia Molecular e Mecanismos Epigenéticos em Oncologia, no Programa Doutoral em Patologia e Genética Molecular. Em 2016 assumi funções de Direção do MONC, tendo o privilégio de participar e, posteriormente, liderar o processo que conduziu à reforma do respetivo curriculum, integrando Unidades Curriculares inovadoras na área da Oncologia, de forma a torná-lo um programa mais interessante e competitivo. Consigo, assim, trabalhar nas duas áreas que me são igualmente caras: investigação e ensino.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos na sua carreira profissional mais relevantes para si?
Um dos marcos principais da minha carreira profissional/científica foi, sem dúvida, a seleção para o Programa Graduado em Biologia Aplicada (1997) e a realização de parte significativa do projeto de Doutoramento na Johns Hopkins University, School of Medicine em Baltimore, Estados Unidos da América (1999-2000). Neste contexto, devo salientar o papel crucial da Professora Maria de Sousa, cujo destino quis que voltasse a encontrar no ICBAS (2006). Adicionalmente, devo referir a Direção do Mestrado em Oncologia do ICBAS (2016) e a Direção do Centro de Investigação do IPO Porto (CI-IPOP), cargo que assumi no final de 2021.

Que expetativas tinha quando assumiu o cargo de Diretora do Centro de Investigação (CI-IPOP) do Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO Porto) e em que medida a bagagem acumulada nas suas funções anteriores – nomeadamente dentro do IPO – tem sido útil neste papel?
Desde a sua fundação o IPO Porto sempre se afirmou no campo da investigação orientada para a Clínica como elemento diferenciador e gerador de mais valias na sua atividade assistencial e educacional, sendo a única unidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que integra, na sua estrutura, uma Unidade de Investigação e Desenvolvimento reconhecida pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Unidade I&D- 0776:CI-IPOP), avaliada como “Excelente” no último ciclo avaliativo (2019). A minha expetativa é poder dar continuidade ao crescimento sustentado da investigação pré-clínica e clínica, um dos três pilares da essência do IPO Porto, designadamente, através da implementação do plano estratégico que defini quando me candidatei ao cargo, em que a retenção de investigadores com qualidade científica reconhecida assume particular relevância. De igual forma, e não obstante o reconhecimento internacional já conseguido, nomeadamente através da obtenção e revalidação do estatuto de Comprehensive Cancer Center pela Organisation of European Cancer Institutes (OECI) e participação em diversos consórcios internacionais, é de extrema importância consolidar a relevância do CI-IPOP no espectro nacional de unidades de investigação em Oncologia. Sob pena de alguma imodéstia, a minha participação na organização, ainda que informal, teve início aquando da candidatura do CI-IPOP ao reconhecimento pela FCT e, mais formalmente, quando fui contratada ao abrigo do programa Ciência 2008 da FCT, com a formalização do meu grupo de investigação (Epigenética e Biologia do Cancro) em 2009, e participação ativa na definição da organização e aspetos práticos dos espaços laboratoriais, e gestão dos recursos humanos, unicamente afetos ao CI-IPOP.

Conte-nos um pouco sobre os projetos financiados atualmente em execução, nos quais participa ou lidera? Quais as suas temáticas e principais objetivos, e de que forma estes projetos se complementam?
Nas últimas décadas muito conhecimento foi gerado sobre as propriedades biológicas das células cancerígenas e seu microambiente, fomentando o desenvolvimento de estratégias inovadoras de diagnóstico, terapêutica e monitorização de sobreviventes de cancro sob o mote da “Medicina Personalizada”. Neste contexto, temos vindo a trabalhar no desenvolvimento de novos biomarcadores epigenéticos para cancro baseados em biópsias líquidas, bem como na descoberta de fármacos com capacidade de modulação de aberrações epigenéticas. Dos projetos financiados nesta área, gostaria de referir o UCIPredict [TRANSCAN3/0001/2021, (2023-2025)], que tem como objetivo desenvolver um teste inovador e fiável baseado em biomarcadores epigenéticos, detetáveis em urina e sangue, para previsão de resposta à imunoterapia e recorrência tumoral em doentes com cancro da bexiga. Isto, com recurso a técnicas não invasivas de medição de biomarcadores circulantes provenientes do tumor e do microambiente tumoral. O conhecimento adquirido e a implementação de biomarcadores em biópsias líquidas podem auxiliar o estabelecimento de novas estratégias terapêuticas e melhorar a gestão e decisão terapêutica ao longo do percurso dos doentes com cancro vesical. Outro projeto internacional a decorrer no meu grupo, apoiado pela Comissão Europeia e coordenado pela Universidade de Coimbra, com a participação do Instituto Superior de Engenharia do Porto e diversos colaboradores internacionais [MindGaP-H2020-FETOPEN, (2019-2023)], procura indicadores sensíveis de saúde em exossomas com origem cerebral e que circulam no sangue. Estamos a explorar a possibilidade de utilizar a monitorização desses exossomas, através de um biossensor, como biomarcadores de efetividade clínica de intervenções de mindfulness em doentes oncológicos. Este dispositivo poderá ter uma utilidade mais alargada, permitindo comprovar que as intervenções no âmbito da psicologia impactam, de forma sensível, na área somática. De salientar, ainda, que em 2024 terá início a nossa participação na Rede Doutoral PROSTAMET- Marie Skłodowska-Curie Actions-DN, com o apoio da U.Porto, através do ICBAS, fortalecendo a vertente de internacionalização da nossa Universidade.

Atua como Editora de Seção da Clinical Epigenetics. Que tópicos diria serem predominantes atualmente neste campo científico? Existe(m) algum(s) tópico(s) ainda pouco explorado(s) e que careçam de investigação?
Os mecanismos epigenéticos desempenham papéis fundamentais no desenvolvimento do cancro, desde a sua génese até à metastização, passando pela resistência à terapêutica. No entanto, uma vez que o desenvolvimento do cancro está associado a uma ampla gama de eventos genéticos, a identificação, seleção de biomarcadores epigenéticos e alvos terapêuticos apropriados tem encontrado diversos desafios, dificultando a sua aplicação na rotina clínica. Assim, embora algumas assinaturas epigenéticas já tenham sido reconhecidas como úteis para deteção e monitorização de tumores (exemplo: cancros da próstata, cólon-reto, bexiga ou testículo), e alguns fármacos já tenham merecido aprovação das entidades reguladoras para tratamento de tumores hematológicos, é de extrema importância o investimento sustentado na investigação desta área, no contexto da medicina personalizada ou de precisão.

Quais são, atualmente, os principais desafios e tendências no domínio científico da genética humana e biotecnologia médica?
O desenvolvimento, e a disseminação, de novas tecnologias de alto rendimento permitem a adoção de estratégias mais precisas para triagem/deteção precoce, diagnóstico, prognóstico, tratamento e monitorização de doentes com cancro. De facto, uma caracterização mais ampla de tumores através de múltiplas “ómicas” (e.g. epigenómica, epitranscriptómica, proteómica, metabolómica) para identificar alterações moleculares terapeuticamente acionáveis, juntamente com informações geradas por imagem médica e imagens microscópicas quantitativas (permitidas pela Patologia Digital e Computacional) podem ser combinadas para fornecer uma melhor representação da doença. Esta visão holística é englobada pela Oncologia de Precisão, que tem o potencial de revolucionar não só as formas de rastreio populacional, como também o tratamento oncológico, especialmente para doentes com tumores difíceis de tratar, nomeadamente tumores avançados após múltiplas linhas de terapia e tumores raros. Ao mesmo tempo, tenta ainda individualizar a monitorização de sobreviventes do cancro. Embora sejam individualmente incomuns (incidência <6/100.000/ano), os tumores raros constituem uma necessidade médica não atendida, pois representam 20-25% da carga oncológica em adultos, e contribuem para 30% da mortalidade relacionada com cancro. O manejo clínico de malignidades raras é desafiante, não apenas devido à escassez de informações sobre o diagnóstico, mas também devido à falta de esquemas padrão recomendados, com evidência de alta qualidade. Assim, o grande desafio atual é a capacidade de integração do conhecimento científico gerado em diversas áreas biomédicas, e a sua aplicação efetiva na melhoria de cuidados de saúde aos doentes oncológicos.

Pela relevância que a Imuno-oncologia vem ganhando nos últimos anos, poderá ser esta a chave para a cura do cancro?
De facto, é amplamente aceite que o sistema imunológico desempenha um papel crítico no desenvolvimento e progressão do cancro, eliminando as células tumorais e condicionando a imunogenicidade tumoral. Na última década, a imunoterapia emergiu como estratégia terapêutica, em monoterapia ou em combinação, revelando resultados bastante positivos para tumores como melanoma, cancro do pulmão, da bexiga, da cabeça e pescoço, do rim, etc. Contudo, sabemos igualmente que esses exemplos de relativo sucesso não são extensíveis a todas as doenças oncológicas, dependendo não só da atividade das células imunológicas do microambiente tumoral, mas também de características inerentes às próprias células tumorais. Neste sentido, o nosso grupo tem vindo a investigar formas de potenciar a eficácia das células NK na vigilância imunológica em cancro da próstata, usando fármacos epigenéticos (EpImmunePCa, 2022.04809.PTDC). Mas, dada a complexidade e heterogeneidade intra e inter-tumores, a imunoterapia, à semelhança de outras abordagens terapêuticas, será curativa apenas para um número relativamente limitado e variável de casos, e não uma panaceia.

No contexto da sua investigação, esteve envolvida em Ações COST (TD0905CM1406CA16120) como Delegada Nacional. Que balanço retira desta experiência, e que dicas gostaria de partilhar com a restante comunidade científica da U.Porto, de forma a incentivá-los a integrar, também, uma ação COST?
As diversas ações COST em que estive, e estou, envolvida são um extraordinário instrumento para fazer networking com investigadores estrangeiros que trabalham na mesma área, possibilitando a participação em candidaturas a projetos europeus, bem como a partilha na orientação de doutorandos. Devo, ainda, referir que as minhas posições atuais enquanto Editora de Seção da Clinical Epigenetics e Chair da EAU Section of Urological Research (ESUR) – a Associação Europeia de Urologia – muito se devem a esses contactos internacionais e consequente reconhecimento, pelos colegas, da atividade de investigação que tenho vindo a desenvolver.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
O legado deixado pelo Ministro Mariano Gago é imenso, e a estratégia por ele iniciada necessita ser mantida e expandida. Na área oncológica, o relatório “Retrato da Investigação e Inovação em Cancro em Portugal”, coordenado pela Associação Portuguesa de Investigação em Cancro e apresentado em 2022, demonstra que os indicadores têm vindo a melhorar nos últimos 10 anos, mas que ainda temos de incrementar a capacidade de inovar e de transferir o conhecimento científico para o benefício dos doentes. Assim, não obstante a ausência de programas de financiamento de investigação específicos para o Cancro, ao contrário de outros países, temos conseguido produzir conhecimento relevante. Talvez, nesta matéria, o incremento da visibilidade social da investigação científica em Oncologia possa favorecer o investimento público e privado nesta área. Este fator é basilar para a sustentabilidade tanto da investigação oncológica nas vertentes fundamental, pré-clínica e clínica, mas também para reter e motivar o valor humano dos nossos investigadores em início da sua atividade profissional.

Com um currículo consolidado na investigação, o que perspetiva para o futuro? Tem algum sonho profissional que gostaria de ver concretizado?
O cancro é atualmente uma prioridade sanitária da União Europeia, a qual reconhece a importância fundamental da Investigação Oncológica no recentemente divulgado European Beating Cancer Plan. Assim, espero que a estratégia e capacitação financeira pelas duas entidades a que atividade de investigação em Oncologia está associada, Ministério da Saúde e Ministério da Educação, Ciência e Inovação, continuem a possibilitar a minha participação ativa no Centro de Investigação do IPO do Porto, mas também em estruturas de investigação de maior dimensão como o Porto Comprehensive Cancer Center Raquel Seruca, e a Rede de Investigação em Saúde. Tal é fundamental para permitir alargar as capacidades reais de se fazer investigação de relevo nas várias áreas de que abordei, medida pelo impacto positivo na qualidade de vida e bem-estar da nossa população.

Poderá consultar mais informações sobre a investigadora aqui.


 Copyright 2024 © Serviço de Investigação e Projetos da Universidade do Porto.
Todos os direitos reservados.