Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Castorina Silva Vieira
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) / Instituto de I&D em Estruturas e Construções (CONSTRUCT)

Atividade de investigação em Engenharia Civil

Desenvolve investigação na área da Engenharia Civil, fundamental e especificamente debruçada sobre materiais. Se pudermos voltar ao ponto de partida, como surgiu este interesse numa área tão particular?
Não posso afirmar que desde sempre quis ser Engenheira Civil. Lembro-me, porém, que quando iniciei o ensino secundário essa já era a minha escolha, embora com alguns períodos de indecisão, próprios da juventude, e lutando contra o “preconceito” de que os bons alunos deviam seguir Medicina. Eu gostava das obras e de perceber como é que se colocava um edifício de pé. Ingenuamente, nessa altura, não conhecia a abrangência da Engenharia Civil. Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) foi a minha primeira escolha no momento da candidatura ao Ensino Superior. Depois de dois anos de formação base muito focada na Matemática e na Física, recordo-me que, no 3º ano do curso de licenciatura, ao frequentar “cadeiras” (Unidades Curriculares) como Materiais de Construção, Resistência dos Materiais e Mecânica dos Solos, sentir que tinha feito a escolha certa. Até ter entrado na Faculdade, nunca tinha estado nos meus planos seguir uma carreira de investigação. Mas eu gostava de aprender e de ensinar os outros. Quando terminei a Licenciatura surgiu a oportunidade de continuar para o Mestrado, com financiamento da FCT, e aí não tive dúvidas.  Queria continuar a minha formação e enveredar por uma carreira de ensino e investigação. O meu interesse pela área dos Materiais de Construção surge quando ingressei na FEUP, como Assistente, e iniciei o Doutoramento. A dissertação de Mestrado e a investigação que desenvolvi nos anos imediatamente subsequentes estavam ligados à Geotecnia, mas eu queria seguir uma área mais relacionada com os materiais. Foi nesse contexto que optei por avançar para um Doutoramento na área dos Geossintéticos, que são materiais de construção normalmente utilizados em contacto com o solo e/ou outros materiais em aplicações diversas da Engenharia Civil. Posteriormente, expandi os meus interesses na área dos materiais de construção e, atualmente, o meu trabalho foca-se essencialmente na sustentabilidade e no uso de matérias primas alternativas.

Há certamente momentos particularmente marcantes na sua carreira investigação. Poderia partilhar alguns deles e porque motivo se destacam?
O Doutoramento é, sem dúvida, um marco importante na carreira científica e profissional de qualquer investigador, representando um período de grande aprendizagem e descoberta, de enorme empenho e dedicação. No entanto, considero que o momento mais marcante da minha carreira de investigação foi a aprovação do meu primeiro projeto de investigação, financiado pela FCT, enquanto Investigadora Responsável. Desde a preparação da candidatura, com a definição dos objetivos, das metodologias, do próprio orçamento, passando por um período de grande reflexão e alinhamento de ideias, mas acima de tudo pela responsabilidade associada à sua concretização e à criação e coordenação da equipa de investigação e, ainda, pela autonomia que me proporcionou.

A Geotecnia Sustentável e a Geotecnia Ambiental e Sustentabilidade são dois dos seus atuais interesses de investigação. Poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto que pistas de investigação segue atualmente a ciência nesta área e, olhando para o futuro, quais serão os grandes desafios vindouros?
Os meus atuais interesses de investigação focam-se na sustentabilidade e no uso de materiais alternativos (resíduos, sub-produtos e agregados reciclados) em diferentes aplicações de Engenharia Civil, e em particular em aplicações geotécnicas. A Geotecnia Ambiental e a Geotecnia Sustentável são duas subdisciplinas muito amplas da Geotecnia, que englobam diversas áreas prioritárias e emergentes, tais como a transformação de resíduos em recursos; o melhoramento de terrenos com recurso a técnicas sustentáveis; a remediação e recuperação de terrenos contaminados; o recurso à geotermia como forma de reduzir a nossa dependência dos combustíveis fósseis; a mineração dos aterros de resíduos, o uso eficiente do espaço subterrâneo e a reabilitação e reutilização de fundações, entre outros. Os desafios são imensos, mas o foco deve estar na minimização dos impactos ambientais das atividades de construção, promovendo a sustentabilidade do projeto (isto é, menor consumo energético e de recursos). Para isso, é essencial investir na inovação tecnológica, garantindo que os projetos sejam concretizados com menores riscos e incertezas (algo particularmente relevante no projeto geotécnico), utilizando metodologias mais eficientes que permitam preservar os recursos naturais, reduzir a geração de resíduos e diminuir as emissões de gases com efeito de estufa.

Ainda no tema da sustentabilidade, muita da investigação que produz debruça-se sobre a reciclagem de materiais e gestão de resíduos. Na sua opinião, quais as melhores práticas a adotar, com base na informação de que dispõe atualmente a ciência, para reduzir o impacto ambiental das atividades de construção?
As práticas a adotar para reduzir o impacto ambiental das atividades da construção são, tal como mencionei anteriormente, todas aquelas que contemplem o uso de materiais sustentáveis, isto é, materiais reciclados, reutilizados ou que tenham menor pegada de carbono; a implementação de soluções que reduzam o consumo energético, quer durante a construção, quer ao longo do ciclo de vida dos edifícios; o investimento em inovação tecnológica, nomeadamente implementação generalizada do BIM (Building Information Modeling) e o desenvolvimento de novas técnicas construtivas que minimizem o consumo energético e de recursos naturais; a adoção da construção modular, que resulta na redução dos resíduos gerados; e, no caso particular das infraestruturas, a adoção de medidas que reduzam a movimentação de terras e o transporte de novos materiais. No que diz particular respeito à gestão de resíduos e reciclagem de materiais, devo destacar a relevância de todas as práticas que contribuam para reduzir a quantidade de resíduos enviados para aterro, nomeadamente a implementação de planos de gestão de resíduos e de auditorias que permitam monitorizar os resíduos gerados, a sua triagem eficiente, a reutilização e reciclagem de materiais sempre que tecnicamente possível, a incorporação de resíduos, sub-produtos e materiais reciclados em substituição dos materiais tradicionais.

Poder-nos-ia fazer um breve enquadramento de algum(s) projeto(s), em que participe atualmente, incluindo as oportunidades de desenvolvimento científico ou tecnologias inovadoras com maior potencial para o progresso da sustentabilidade e maximização de recursos e materiais de construção?
Neste momento destaco um projeto, que se encontra já em fase avançada de desenvolvimento, focado no estudo da viabilidade de fabricar blocos de pavimentação (normalmente designados como pavês) utilizando um cimento híbrido composto por cinzas volantes ativadas alcalinamente, substituindo parcialmente o cimento Portland comum e incorporando agregados reciclados provenientes de resíduos de construção e demolição.

As práticas de sustentabilidade na Engenharia Civil são, certamente, também fruto de esforços de colaboração interdisciplinar. Poderia partilhar algum(s) exemplo(s) de que como a colaboração multidisciplinar pode potenciar a investigação e o avanço científico nesta matéria?
Além da interdisciplinaridade dentro das diversas áreas que compõem a Engenharia Civil (Materiais de Construção, Estruturas, Geotecnia, Vias de Comunicação, etc), as práticas de sustentabilidade requerem quase sempre uma abordagem colaborativa e interdisciplinar, envolvendo outras áreas do conhecimento. Um bom exemplo é o projeto que mencionei na resposta anterior. O desenvolvimento de um material de construção incorporando um cimento alternativo exige a nossa colaboração, enquanto engenheiros civis, com especialistas na área da química e da ciência dos materiais. E a solução que desenvolvemos só foi possível com estas colaborações. Outro exemplo, que ainda não mencionei, mas em que também temos trabalhado e estamos envolvidos em alguns projetos, é a circularidade na construção, ou economia circular no setor da construção. Pensar na circularidade no setor da construção só é possível com a colaboração de engenheiros de diferentes áreas, arquitetos, economistas, gestores de projetos, entre outros… Esta convergência de áreas é fundamental para responder aos diversos desafios envolvidos.

Quais são os principais obstáculos à adoção generalizada de materiais sustentáveis na construção, e de que forma podem ser ultrapassados esses desafios?
Referindo-me em particular aos materiais reciclados, pode dizer-se que há obstáculos a três níveis: cultural, económico e técnico. Em termos culturais, é importante destacar que a indústria da construção é constituída maioritariamente por micro ou pequenas e médias empresas (PME) e tende a ser bastante conservadora; há habitualmente muita desconfiança por parte dos stakeholders, onde se incluem os donos de obra, sobre a qualidade dos materiais ou produtos reciclados; e, para finalizar, em Portugal a consciência ambiental é, em geral, reduzida. A nível económico e particularmente na área em que desenvolvo investigação, que é a dos agregados, temos grande disponibilidade de agregados naturais em Portugal e a custo reduzido, o que leva a que o preço dos agregados reciclados não seja competitivo. As baixas taxas de deposição em aterro e a falta de fiscalização, nomeadamente em termos de deposições ilegais de resíduos e aplicação de coimas, são também fatores a considerar. Finalmente a nível técnico, os obstáculos resultam, essencialmente, das dificuldades em termos de enquadramento legal da utilização de materiais não convencionais, de normalização por vezes desajustada, porque foi estabelecida com base na experiência de utilização de materiais naturais e devido à heterogeneidade de alguns materiais reciclados. Na minha opinião, para ultrapassar estes obstáculos a estratégia deverá passar por atuar ao nível de incentivos económicos e fiscais, por exemplo, apoiando os donos de obra e reduzindo a carga fiscal às empresas que recorram a tecnologias e materiais mais sustentáveis, investir na inovação tecnológica que permita que o processamento e a reciclagem de materiais sejam mais eficientes e menos dispendiosos, sensibilizar todos os intervenientes para os benefícios ambientais e económicos associados aos materiais reciclados e apostar na formação dos profissionais do setor.

Assume, atualmente, a Vice-Presidência do Instituto para a Construção Sustentável. A prestação de consultoria, a transferência de conhecimento e a comunicação de ciência, são aspetos fundamentais para tornar a ciência uma parte intrínseca das práticas industriais. De que forma é possível potenciar esta ponte entre investigação e indústria?
O Instituto para a Construção Sustentável, enquanto associação científica e técnica de direito privado, existe precisamente para potenciar a ponte entre a academia, a indústria e a sociedade em geral. A sua missão assenta na transferência de conhecimentos e de tecnologias inovadoras que resultem de atividades de investigação, desenvolvimento e inovação, na prestação de serviços avançados de consultoria e assistência técnica e, ainda, na formação e capacitação profissional. Considero que tornar a ciência uma parte intrínseca das práticas industriais passará por incentivar, cada vez mais, as parcerias estratégicas entre a universidade e as empresas, desenvolver projetos colaborativos de investigação e desenvolvimento para responder a problemas reais da indústria e promover programas de formação avançada, focados nas necessidades do setor.


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