Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Deolinda Flores
Instituto de Ciências da Terra (ICT) / Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP)

Investigação em petrologia e geoquímica orgânicas


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Desde 1985 que desenvolvo investigação no âmbito da Petrologia e Geoquímica Orgânicas. Nesse ano integrei a equipa de investigação liderada pelo Professor Manuel João Lemos de Sousa onde desenvolvi os trabalhos defendidos nas Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica (1988) e no Doutoramento (1997). Em 2005, após a decisão do Professor Lemos de Sousa de abandonar o então Centro de Geologia, passei a liderar o grupo que desenvolvia investigação nesta área científica. Trata-se de um grupo de pequena dimensão, mas muito dinâmico e, sobretudo, com reconhecimento nacional e particularmente internacional.
As atividades de investigação incidiram, inicialmente, no estudo de carvões, com vista à definição das fácies orgânicas e, mais tarde, da matéria orgânica dispersa (MOD) nos sedimentos e rochas para definição do tipo de cerogénio, paleoambientes e avaliação do grau de maturação, sempre focada nas aplicações geológicas da Petrologia Orgânica (PO). No entanto, também colaboramos no estudo da petrografia de coques e resíduos de combustão e de liquefação, numa vertente de aplicação tecnológica/industrial, e, depois, na petrografia de resíduos mineiros de carvão afetados por autocombustão, com um enfoque mais ambiental, cujos estudos integraram a tese de doutoramento de Joana Ribeiro que foi agraciada com o prémio Fundação Eng. António de Almeida. Também os estudos de MOD, desenvolvidos na Bacia Lusitânica, foram realizados no âmbito da tese de doutoramento de Paula Alexandra Gonçalves, galardoada com o Prémio Montepio.
Nos últimos anos, a investigação incide na componente ambiental, na avaliação da contaminação de áreas envolventes à exploração e utilização de combustíveis fósseis, em particular nas escombreiras de carvão em autocombustão provocados por incêndios florestais, com a coordenação de vários projetos focados nestas áreas. O ambiente global de mudanças climáticas e de transição para baixo carbono, deixa outros desafios e outras oportunidades à PO, nas quais nos temos envolvido nos tempos mais recentes com aplicações mais multidisciplinares.

Para si, enquanto investigadora, o que simboliza ser eleita como sócia correspondente da prestigiada Academia das Ciências de Lisboa (ACL), distinção que reconhece a reputação científica de docentes e investigadores portugueses?
Na sequência desta eleição, considero uma honra ter sida agraciada com tão elevado reconhecimento de integrar uma instituição que, desde a sua fundação, promove a investigação científica, a literatura e a cultura. Esta distinção resultou do reconhecimento do mérito do trabalho que desenvolvi ao longo da minha carreira académica e profissional, e do meu contributo para com os órgãos diretivos de instituições científicas internacionais e nacionais. Envolve naturalmente o reconhecimento no plano pessoal, mas, representa também o reconhecimento do prestígio da FCUP. Foi com muito orgulho que partilhei esta eleição com a atual Diretora da FCUP, Prof. Ana Cristina Freire.
Nesta nova função, e nesta também nova casa, procurarei contribuir para a missão da Academia das Ciências de Lisboa e para a afirmação na sociedade da Geologia e das Ciências da Terra, enquanto área fundamental para o conhecimento científico da história da Terra e para a sustentabilidade do nosso planeta, e dos recursos naturais que alicerçam a nossa civilização e o seu desenvolvimento. Procuro, também, contribuir para a educação dos jovens, futuros decisores, responsáveis pela construção de uma sociedade moderna e competitiva, valorizando os valores sociais. Este foi sempre o meu desafio e compromisso, enquanto docente e investigadora, com responsabilidades na formação de jovens para uma cidadania responsável.


Tem especial interesse na Geologia, e em particular, no aproveitamento industrial do carvão e na petrologia de partículas sólidas poluidoras do ambiente. O que o levou a escolher esta área como área de estudo e profissão?
O meu interesse pela Geologia vem desde o ensino secundário e ficou marcado por uma professora com formação em Biologia, mas com paixão pela Geologia. Já como docente na FCUP, a aproximação ao estudo da MO veio naturalmente pela integração no grupo de investigação que produzia investigação nesta área científica e que, na época, estava focada em bacias com carvão, pelo que a proposta do estudo dos carvões/lignites da bacia de Rio Maior foi o desafio abraçado e o primeiro contacto com a investigação da MO preservada no registo sedimentar. O envolvimento nas aplicações da PO noutros estudos foi surgindo, para dar resposta a outras solicitações e interesses da investigação por nós desenvolvida e o modo para a adequar a novos paradigmas, melhorando o nosso contributo para a Ciência e para a sociedade, como forma de bem servir a U.Porto, e em particular a FCUP. Hoje em dia, com a descarbonização no paradigma de economia global, com emissões reduzidas para conseguir a neutralidade climática através da transição energética, para além das aplicações geológicas que são sempre o nosso foco, a PO contribui cada vez mais para, entre outras: (i) a definição do gradiente geotérmico, através da reflectância da vitrinite, fundamental na identificação de locais para o armazenamento de resíduos tóxicos, radiativos e, ainda, gases (CO2 e metano); (ii) a identificação de recursos não-convencionais de elementos críticos, com a reciclagem de materiais resultantes da exploração mineira de carvão e/ou de resíduos de combustão; (iii) a caracterização de materiais de carbono; (iv) o estudo do efeito dos fogos florestais no balanço global do carbono; (v) a utilização da biomassa como fonte energética, incluindo a produção de briquetes e a identificação de contaminantes (plásticos, tintas, cerâmicas, vidros…) prejudiciais ao ambiente e saúde humana; e, ainda, (vi) na arqueologia, na definição de rotas de pessoas e materiais.

No seu currículo conta com a participação em projetos, muitos deles como investigadora principal. Consegue identificar e falar-nos um pouco sobre aquele, ou aqueles projetos, que considera terem tido um grande impacto na sociedade?
Sem dúvida que os projetos ligados ao conhecimento dos efeitos dos resíduos produzidos na exploração e/ou utilização industrial de carvão como combustível fóssil na contaminação de áreas envolventes à sua deposição, em particular nas escombreiras de carvão em autocombustão provocada por incêndios florestais de 2005 e 2017, foram os projetos de maior impacto para a sociedade e, sobretudo, para as populações das áreas dos coutos mineiros de São Pedro da Cova e Pejão, com o compromisso de avaliar o risco para o ambiente e a saúde humana deste legado. Foram obtidos dados e informações fundamentais para as tomadas de decisão dos responsáveis das comunidades locais. Tivemos sempre o cuidado de envolver as autarquias na fase de desenvolvimento dos projetos e de fazer a divulgação dos resultados finais junto das comunidades locais. Também no último projeto, terminado em junho e fruto da criação de consórcios de várias faculdades e unidades de investigação, por sugestão do Professor Pedro Rodrigues (Vice-Reitor para a Investigação e Inovação), incluímos na equipa investigadores de outras áreas do saber, como a Sociologia e as Belas Artes, que trouxeram uma visão complementar quer no desenvolvimento de uma intervenção artística na valorização do simbólico como ação de recuperação do território e da paisagem; quer na compreensão do impacto sociológico associado à exploração dos recursos geológicos e a perceção dos riscos para a população. Esta última foi particularmente importante pois mostrou que as populações locais das áreas mineiras mantêm uma memória viva do tempo em que a mina laborava e, apesar dos efeitos negativos na saúde dos trabalhadores do interior da mina, eram tempos de grande prosperidade e riqueza na região. A experiência de trabalhar com estas áreas menos comuns nos projetos da área das ciências foi um desafio, mas também uma oportunidade de interagir com outras áreas do saber.

Na sua opinião, a evolução tecnológica dos instrumentos científicos permitirá obter informação mais útil do subsolo. Em que medida? Pode dar-nos alguns exemplos?
Sem dúvida que a evolução tecnológica é fundamental na utilização de novos instrumentos e novas técnicas com maior capacidade de observação. Por exemplo, e considerando os trabalhos recentes desenvolvidos no âmbito do Instituto de Ciências da Terra (ICT), a deteção remota tem constituído um método muito eficaz para a cartografia e avaliação dos recursos minerais. Também os drones apresentam grandes potencialidades e são cada vez mais usados em Geociências, com aplicações diversificadas devido à sua eficiência e utilização com baixo custo, e baixo risco. A nossa experiência da utilização destes veículos não tripulados teve como aplicação o seu uso com sensores térmicos para previsão da dinâmica da autocombustão na escombreira de São Pedro da Cova e dos cenários evolutivos e, ainda, de movimentos de terrenos promovidos pela combustão dos resíduos mineiros aí depositados (projetos CoalMine e SHS). Na verdade, esta escombreira, em autocombustão desde 2005 após ignição provocada por incêndios florestais, tem sido um laboratório natural de desenvolvimento de instrumentos científicos cada vez mais sofisticados. Assim, foram aqui desenvolvidos sensores com suporte na fibra ótica e aferido o seu desempenho na monitorização distribuída de temperatura, e de emissão de gases (projeto ECOAL), nestes ambientes caracterizados por uma elevada agressividade térmica e química.
Falando agora das observações de pormenor no domínio da PO, deve-se referir a recente inovação da utilização da microscopia confocal a laser nos estudos da MO, permitindo a obtenção de imagens de alta resolução através de cortes óticos, posteriormente agrupados para fazer a reconstrução tridimensional da topografia das partículas orgânicas.

Em 2021 marcou-se em Portugal o fim da idade do carvão, com o encerramento da central do Pego. As soluções adotadas na ausência do carvão passaram pelo gás natural, que está a um preço elevadíssimo, as barragens ou a importação. Que avaliação faz destas soluções?
O fecho, em nossa opinião precoce, de estruturas industriais fundamentais para o desenvolvimento económico do país como a central térmica do Pego e até mesmo a refinaria de Matosinhos, parece estar a ter custos muito elevados para o país. Na verdade, Portugal deve colocar em primeiro lugar o futuro das gerações vindouras e as mudanças climáticas é uma realidade. No entanto, este é um fenómeno recorrente na história da Terra que, evidentemente, está a ser agravado pelo uso dos combustíveis fósseis. Sendo o gás natural um combustível fóssil mais “limpo”, que não emite SOx nem partículas e produz menos emissões de CO, NOx e CO2, isto torna-o um vetor energético de largo espectro. A reconversão das centrais para o uso do gás como combustível é uma boa solução ambiental, mas os custos associados podem comprometer o fornecimento de energia a preços acessíveis às populações e indústrias.
Não se pode deixar de mencionar que as centrais portuguesas a carvão, com a produção de energia através da combustão de carvão pulverizado, já estavam equipadas com tecnologias de captura de partículas com eficiência de 99% e de limpeza de efluentes gasosos com redução e controlo das emissões de NOx (desnitrificação) e SO2 (dessulfuração). Estes sistemas produziam, ainda, subprodutos de valor acrescentado como as cinzas volantes, para incorporação no betão melhorando a durabilidade das estruturas, e o gesso, obtido a partir da dessulfuração, para a produção de gesso cartonado. No entanto, as soluções de sequestração de CO2 não são uma solução económica.
A energia hídrica é, sem dúvida, uma solução muito amigável ambientalmente, mas também muito dependente da precipitação e das alterações climáticas. A seca que temos vivido, sobretudo no sul do país tem comprometido a produção de energia. Entretanto, a solução da importação de energia tem, em minha opinião, muitas desvantagens sobretudo na vulnerabilidade dos preços, ficando a economia mais exposta à dependência energética.


Atualmente temos uma febre dos minérios em Portugal que ameaça grande parte do território português, estando o lítio, na frente para alavancar a transição energética e, em simultâneo, captar novos investimentos e postos de trabalho. Qual a sua opinião acerca da estratégia de exploração do lítio e dos impactos associados à exploração da terra, de que pouco se fala, e da ausência de cuidados com o meio ambiente?
O combate às alterações climáticas passa por alterar profundamente a matriz energética global. Assim, a transição energética é imprescindível para garantir o futuro, sendo necessário a exploração de recursos minerais e de matérias-primas críticas, essenciais para essa transição num novo paradigma, avaliando sempre o seu impacte social e ambiental.
Portugal explora lítio e é o único que, à escala da UE, mantém uma produção ativa, sendo necessário alavancar campanhas de prospeção para que se conheça o seu verdadeiro potencial. No ICT há um grupo de investigadores, liderado pelo Professor Alexandre Lima, que tem desenvolvido muitos trabalhos de prospeção de lítio, muitas vezes com dificuldades no trabalho de campo e com relacionamentos constrangedores com as populações locais. No entanto, só assim será possível a delimitação, inventariação e caracterização dos recursos de lítio existentes no país. Consideramos que, esta oportunidade de exploração destes recursos endógenos, só pode trazer riqueza para as populações locais e para o país. Porém, será sempre imperioso que a exploração mineira seja acompanhada das infraestruturas necessárias ao tratamento e beneficiação destes recursos minerais primários, para que possamos ter um produto final de valor acrescentado dentro das nossas fronteiras.
A indústria mineira é uma atividade económica e industrial com implicações ambientais. No entanto, a sociedade, tal como a conhecemos e desejamos, não sobrevive sem energia e sem os minérios (metálicos e não-metálicos) que estão presentes em quase todos os produtos e recursos utilizados pela população. Assim, e porque não abdicamos do nosso conforto e do status socioeconómico que adquirimos, teremos de explorar recursos de um modo consciente e quando os devidos estudos de viabilidade económica e ambiental assim o permitam.

A sucessão de choques no setor de energia, provocada pela pandemia COVID-19, a guerra Russo-Ucraniana e a espiral inflacionária que se tem registado, reverteu uma tendência global em curso: a adoção de fontes energéticas renováveis e redução de outras que provocam impactos negativos no meio ambiente, como o carvão. O que perspetiva num futuro próximo?
Na complexa transição para um modelo energético de baixas emissões, a eficiência energética e os diferentes tipos de energias renováveis desempenham um papel fundamental. Promover uma educação focada na economia de energia nos nossos hábitos e rotinas diárias na vivência em sociedade, é também algo que se deve incutir na população, sobretudo nos mais jovens, numa estratégia de que nada do que dispomos está antecipadamente adquirido.
A energia solar – de notar que os combustíveis fósseis representam a preservação da radiação solar produzida durante o tempo geológico – a energia eólica, hidroelétrica, geotérmica e dos oceanos são energias renováveis alternativas aos combustíveis fósseis, mas estão condicionadas por fatores que podem pôr em causa as necessidades da sociedade. A energia nuclear é considerada sustentável e limpa, porém não tem sido consensual a nível da EU a construção de novas centrais, sobretudo pela pressão imposta pelos ativistas antinucleares. Por sua vez, o hidrogénio é apontado como o "combustível do futuro". No entanto, a produção de hidrogénio, atualmente, depende do gás ou do carvão, com processos que emitem CO2. O hidrogénio produzido a partir de energias renováveis, constitui uma alternativa promissora, mas para já dispendiosa. Foram, recentemente, identificadas exsudações naturais de hidrogénio na superfície terrestre e alguns reservatórios que podem ser prometedores, mas estamos longe de ter informações credíveis.
Por último, a utilização da biomassa tem potencial para se tornar um dos pilares do futuro mercado da energia e, por isso, é fundamental assegurar que os combustíveis de biomassa sólida sejam da mais elevada qualidade e não contribuam para uma poluição atmosférica evitável. Na avaliação da sua qualidade a PO da biomassa pode fornecer, de forma rápida e fiável, informações sobre a composição e a contaminação deste combustível.

O que diria às novas gerações de geólogos, que estão agora a iniciar a sua atividade, a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Os desafios do país e da Europa são enormes, para garantir o acesso às matérias-primas necessárias à transição energética, à prospeção, pesquisa e gestão dos recursos geológicos, à prospeção e exploração de recursos minerais, energéticos e hídricos, à exploração, caracterização e transformação de rochas ornamentais e industriais, na construção de obras de engenharia, na prevenção e previsão de riscos naturais, na gestão e conservação do ambiente e no ordenamento do território. Assim, as perspetivas e oportunidades são grandes e diversas, sendo que também a sociedade deve permitir que os geólogos tenham acesso a autarquias e empresas de áreas tecnológicas, estratégicas e inovadoras. Compete pois à Universidade, com a responsabilidade de proporcionar aos seus estudantes um ensino de qualidade alicerçado no conhecimento científico inovador, preparar geólogos para a construção de uma sociedade moderna e competitiva, valorizando sempre os valores sociais e a sustentabilidade ambiental.






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