Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Fernando Barbosa
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) / Laboratório de Neuropsicofisiologia (LabNPF)

Atividade de investigação em Neurociências Cognitivas e Afetivas


Poderíamos, de forma breve, percorrer o seu percurso científico na U.Porto?
Iniciei funções como docente na Universidade do Porto em 2001, quando ainda me encontrava a realizar Doutoramento pelo ICBAS, no caso em Ciências Biomédicas, ramo de Neurociências. Atendendo ao cruzamento desta formação avançada com a minha formação inicial em Psicologia, fiquei desde logo afeto à docência de unidades curriculares da área disciplinar de biologia do comportamento e integrei o então Laboratório de Psicofisiologia da FPCEUP, que havia sido criado pelo saudoso Professor Custódio Rodrigues e, à data, era dirigido pelo Professor João Marques Teixeira, agora jubilado. Aí, iniciei o estudo das bases psicobiológicas do comportamento antissocial, matéria de que ainda me ocupo. Entre 2001 e 2003, o Laboratório limitava-se aos dois, mas concebemos um plano de desenvolvimento assente na captação de financiamento competitivo e de estudantes de doutoramento de elevada capacidade, que pudessem garantir a obtenção de bolsas, a par da criação de conexões com grupos internacionais de topo no contexto das Neurociências Cognitivas, disponíveis para nos acolher e aos nossos investigadores. Esse plano mostrou-se acertado e eu próprio beneficiei dele, ao realizar um estágio de investigação na New York University e ao assumir as responsabilidades de investigador principal em projetos para os quais se conseguiu financiamento, especialmente da FCT e da Fundação BIAL. Em 2011 iniciei as funções de coordenador executivo do Laboratório, que conheceu um desenvolvimento progressivo e veio a focar-se especialmente na neurofisiologia experimental, motivo que levou à alteração da sua designação para Laboratório de Neuropsicofisiologia. Desde 2021 que dirijo o Laboratório, a par da lecionação de matérias relativas às neurociências cognitivas e afetivas em diversos ciclos de estudos da Universidade do Porto e, pontualmente, de universidades estrangeiras.

No seu percurso profissional e científico, há com certeza lugar a dois ou três marcos relevantes. Poder-nos-ia destacar quais?
Essa é uma pergunta difícil. O Laboratório de Neuropsicofisiologia já teve vários dos seus estudos premiados, tanto no plano nacional como no internacional, e é muito gratificante ter feito parte das equipas de investigação que os conduziram, vendo esse trabalho reconhecido pelos nossos pares. Ainda assim, há outros episódios que me afagam mais o ego. Por exemplo, tive a oportunidade de integrar um grupo de peritos com a missão de auxiliar a Comissão Europeia a preparar legislação para facilitar a reintegração de pessoas com lesões adquiridas, cerebrais e outras, na vida ativa. Essa foi uma experiência muito compensadora. Igualmente compensador é constatar que a European Society for Cognitive and Affective Neuroscience, da qual fui membro fundador, é hoje uma sociedade científica totalmente consolidada, com uma relevância mundialmente reconhecida na área em que se foca, prosseguindo um papel de enorme importância na formação de jovens investigadores, na promoção de redes de investigação e, claro, na disseminação dos principais avanços das neurociências cognitivas e afetivas. Por fim, os estudantes de Doutoramento do Laboratório têm merecido o acolhimento em alguns daqueles que são os principais grupos de investigação internacionais no domínio das Neurociências Cognitivas e Afetivas. Refiro-me a grupos de universidades como Oxford, a UCL, o King’s College, ou a Erasmus University Rotterdam, para nomear algumas europeias, ou a Georgetown University, para citar um exemplo do outro lado do Atlântico. Alguns destes bolseiros foram mesmo convidados a vincular-se a essas universidades, evidenciado o seu potencial e a qualidade da sua formação, o que me deixa um sentimento de realização muito gratificante.

Na sua opinião, poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto qual se prevê ser o principal enfoque de investigação na área da neurociência, no futuro próximo?
Qualquer investigador que fosse capaz de antecipar o futuro com precisão estaria perto de um prémio Nobel, mas há tendências que apontam em certa direção e podem ser enunciadas. Muito em razão dos avanços tecnológicos e do aumento exponencial do número de investigadores na área, o ritmo de produção e acumulação de conhecimento das neurociências cognitivas e afetivas tem vindo a acelerar de uma forma que era inimaginável há bem pouco tempo. Se os mecanismos de produção de fenómenos sensoriais são hoje bem conhecidos, os de alguns processos cognitivos superiores e, inclusive, de certos fenómenos afetivos, também têm vindo a desvendar-se rapidamente, esperando alcançar-se uma compreensão bastante completa destes fenómenos num futuro não muito longínquo. A última fronteira é a da consciência, em stricto e lato sensu, i.e., de uma metaconsciência que se reconhece a si própria. Hoje estamos mais perto de perceber como é que iões e moléculas inanimadas se organizam em células, tecidos e órgãos capazes de desenvolver não só pensamentos, mas uma identidade subjetiva; um sentido de si com o qual também se perspetiva o outro. Aliás, é justamente por esta razão que se tem assistido ao desenvolvimento da Neurociência Social enquanto campo interdisciplinar que certamente continuará a expandir-se e a ajudar-nos a compreender os mecanismos neurobiológicos que subjazem a fenómenos como a empatia, o altruísmo, o juízo moral ou o preconceito, e a forma como influenciam o comportamento social. Numa nota lateral, como os progressos da cibernética e das neurociências se alimentam mutuamente, a compreensão de processos como aqueles a que antes aludi é central para o desenvolvimento de uma IA mais afetiva e social, como a humana, ainda que esse desenvolvimento seja constrangido pela ausência de um corpo capaz de sentir e interagir.

Assume, atualmente, a direção do Laboratório de Neuropsicofisiologia (LabNPF) da FPCEUP. Quais são os grandes desafios na gestão de um Laboratório?
O maior desafio é assegurar a estabilidade do grupo de trabalho. O Laboratório tem tido a felicidade de acolher jovens investigadores de elevado potencial e de os acompanhar até que esse potencial se materialize. Alguns tornam-se investigadores premiados, com publicações de grande impacto, a acumular rapidamente muitas citações, sendo também bem-sucedidos na captação de financiamento à investigação. Desenvolver um grupo com estas competências demora muitos anos, requer grande esforço e, claro, um investimento considerável na formação dos investigadores para que atinjam a plenitude das suas capacidades. É com desolação que vejo o entusiasmo destes jovens a esmorecer perante um futuro sistematicamente adiado, com as nossas universidades a desperdiçar os melhores de entre os melhores sem hesitação, como se ao fazê-lo não estivessem a desbaratar o investimento de anos e a prejudicar gravemente a sua competitividade. Alguns acabam por emigrar e encontrar acolhimento em universidades como aquelas que referi. Outros são aproveitados pelas IES privadas, que colhem a custo zero os talentos que resultaram de muitos anos de formação, grande esforço e considerável investimento. Gostaria de ver abandonada uma lógica de contratação de investigadores quase exclusivamente assente em projetos, que se vão repetindo em ciclos viciosos de incerteza e instabilidade. Gostaria que o orçamento disponível no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia se focasse definitivamente numa lógica de apoio estrutural, previsível e estável aos grupos de investigação, que servisse para financiar infraestruturas e quadros de investigação no seio das próprias universidades, e não na periferia delas. Gostaria que as unidades orgânicas dispusessem, elas próprias, de uma maior capacidade de investimento na investigação, ao invés de necessitarem frequentemente do financiamento à ciência para completar os seus orçamentos. Só uma alteração de paradigma na gestão dos orçamentos da ciência permitirá reter os melhores talentos, favorecendo uma competitividade sistémica e sustentada dos grupos de investigação das universidades.

O LabNPF tem sido bem-sucedido na captação de investimento – poderíamos destacar, por exemplo, o financiamento obtido através da Fundação BIAL. Poderia partilhar connosco um dos projetos desenvolvidos, ou em desenvolvimento, com particular impacto para a sociedade?
Com gosto. Um dos estudos financiados pela Fundação BIAL surge na sequência de um estudo prévio, financiado pela FCT, em que se procurou investigar o efeito do envelhecimento no designado “Cérebro Social“. Através destes estudos identificámos diferenças relacionadas com a idade em vários aspetos da cognição social e da tomada de decisão económica. Os resultados já foram publicados em vários artigos científicos, um deles premiado. Explicado de forma simples, o envelhecimento não parece afetar os processos envolvidos na tomada de decisão económica de forma homogénea. Mais concretamente, o envelhecimento parece ser acompanhado por uma diminuição da aversão ao risco na tomada de decisões e prejudicar a atenção dedicada a pistas que antecipam perdas, mas não a pistas que antecipam ganhos. No mesmo conjunto de estudos também constatámos que conseguimos identificar mais facilmente emoções em expressões faciais de pessoas da nossa própria faixa etária, e que com o envelhecimento tendemos a perder a capacidade de distinguir entre ações prejudiciais que são intencionais daquelas que não são propositadas, o que sugere uma menor capacidade de distinguir a intencionalidade dos outros para causar danos. Estes achados sugerem que as pessoas mais idosas podem ser especialmente vulneráveis em situações de maior risco, em que terceiros podem ser “mal-intencionados” e em que a deteção eficaz de sinais de alerta é crucial para prevenir prejuízos.

O LabNPF dedica-se à investigação avançada e aplicada no domínio da Neurociência Cognitiva, Afetiva e Social. Caminhamos a passos largos para uma maior compreensão, tolerância e conhecimento – o tema da saúde mental é, cada vez menos, tabu. Mas o que falta ser feito nesta matéria?
Não me considero um especialista no tema da saúde mental e da sua estigmatização, mas creio que sim, a importância da saúde mental no quadro da saúde geral e do bem-estar global é cada vez mais reconhecida. Em certa medida, várias disciplinas das neurociências, desde a neuroquímica e das neurociências moleculares até às neurociências cognitivas e afetivas, têm desempenhado um papel central na compreensão dos processos que estão afetados em diferentes perturbações da saúde mental, e contribuído para o seu tratamento de forma cada vez mais eficaz. Mas há muito por fazer e esse trabalho cabe tanto às ciências biológicas, como às ciências humanas e sociais. Penso ser importante continuar a educar e a consciencializar as populações para a relevância da saúde mental, a normalizar e enquadrar os problemas de saúde mental no quadro da saúde global, adotando uma visão holística do bem-estar, bem como a democratizar o acesso aos serviços especializados e assegurar apoios mais efetivos, abrangentes e integrados às pessoas que deles necessitam, só para mencionar alguns exemplos. Isto significa que a resposta aos problemas de saúde mental reclama núcleos de competências multidisciplinares, que reúnam enfermeiros, neurologistas, psicólogos, psiquiatras, técnicos de serviço social, terapeutas ocupacionais, e outros profissionais habilitados para disponibilizar formas complementares de tratamento e apoio às pessoas que deles necessitam e aos seus cuidadores, numa lógica de serviços de proximidade, continuidade e, tanto quanto possível, integrados na comunidade. Ainda tardaremos muito a lá chegar... estou ciente que vivemos num país de recursos escassos, em que é forçoso fazer escolhas, mas a saúde mental tem de subir mais uns degraus na lista de prioridades.


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