Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Flávia Castro
Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S)

Atividade de investigação em Cancro e Imunoterapia

O estudo de terapias baseadas em nanopartículas para modulação imunológica no tratamento de doenças oncológicas tem sido o principal foco da sua investigação. O que a motivou a perseguir carreira científica e de investigação no campo da imunologia, biomateriais e nanomedicina?
Na verdade, quando iniciei os meus estudos, queria estudar imunologia. Só mais tarde surgiu o interesse de trabalhar na interface da imunologia e da oncologia. Neste sentido, decidi aprofundar o meu conhecimento nestas áreas e optei por fazer um doutoramento focado na modelação do perfil das células imunes para melhorar a resposta à terapia em cancro. E foi aqui que surgiram os biomateriais e a nanomedicina: durante o doutoramento, rodeada de bioengenheiros, surgiu a possibilidade de usarmos nano-biomateriais como terapia para modelar as células imunes, e assim adicionei mais uma variável à minha investigação. Obviamente, a combinação destas áreas de investigação é complexa e exigente, envolve muito estudo, e não seria certamente possível sem a colaboração preciosa de uma equipa multidisciplinar, com colegas das diferentes áreas e instituições. A motivação é a mesma de todos os dias: o desejo de um dia ver a nossa investigação chegar aos doentes, e melhorar a sua qualidade de vida. O avanço do conhecimento, o fascínio pelo desconhecido e pela inovação, em conjunto com um possível impacto global que o nosso trabalho pode ter, também são motores para prosseguir uma carreira científica.

Esta é uma área de investigação com extraordinário potencial para aplicações clínicas. Na sua opinião, é expectável que, em breve, as terapias baseadas em nanopartículas e na manipulação do microambiente se tornem uma resposta mais primária no tratamento do cancro, especialmente para os tipos cujo tratamento é particularmente complexo ou exige múltiplas abordagens?
Sim, há um enorme potencial para aplicação clínica. A maior parte das terapias aprovadas na área do cancro, baseadas em nanopartículas, são para libertação de agentes quimioterapêuticos e têm o objetivo de melhorar a eficácia dos tratamentos, ao direcionar mais os fármacos para as células tumorais, minimizando os efeitos colaterais sobre células saudáveis. Como exemplo destas terapias temos o Abraxane, aprovado pelo INFARMED, para doentes com cancro de mama metastático que não responderam aos tratamentos de 1ª linha. Em relação a nano-terapias que modelam diretamente o microambiente imune, ainda não há estratégias aprovadas, mas há várias em ensaios clínicos, desde nanopartículas que incorporam moléculas capazes de modelar o sistema imunitário, a nanovacinas. Em relação a estas últimas, penso que nos próximos anos teremos um volume crescente de ensaios clínicos e, possivelmente, novas abordagens terapêuticas.Partem em vantagem, dado o sucesso das vacinas de mRNA com base lipossomal usadas na pandemia de COVID-19. Para além disso, estudos recentes da Universidade da Florida mostraram que, mesmo em cancros agressivos como o glioblastoma, cujo tratamento é particularmente complexo e com baixa taxa de sucesso, estas nanovacinas poderão, no futuro, ser parte da terapêutica. Finalizando, penso que a nanomedicina poderá não só contribuir com novas terapias como também melhorar as terapias existentes, nas suas várias vertentes.

O estudo de novas imunoterapias baseadas em biomateriais para o tratamento do cancro implica a sua participação muita ativa em vários projetos de investigação. Poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto quais os projetos que destacaria, pelo seu carácter inovador e de maior potencial?
Neste momento posso destacar um projeto da nossa equipa de investigação que ainda é embrionário. Estamos a explorar a formulação de uma nanovacina híbrida. Esta nanovacina resulta da fusão de nanopartículas com vesículas biológicas, secretadas pelas células imunes, para tratamento de cancro de mama triplo negativo. A ideia é que esta nanovacina possa apresentar os antigénios tumorais (marcadores específicos das células tumorais) às células imunes, desencadeando uma resposta anti-tumoral específica e, ao mesmo tempo, libertar moléculas que potenciem esta resposta imune. Destaco ainda um projeto liderado pelo investigador José Alexandre Ferreira, do Grupo de Patologia e Terapêutica Experimental do Centro de Investigação do IPO Porto (CI-IPOP), com o qual a nossa equipa teve a oportunidade de colaborar e que apresentou recentemente resultados promissores. Este projeto permitiu o desenvolvimento de uma nanovacina baseada em glicoproteínas (açúcares) encontrados na superfície das células tumorais. Esta vacina foi criada com o objetivo de educar o sistema imunitário a responder contra tumores sólidos, permitindo a eliminação de células tumorais e a proteção contra a recidiva. Nesta fase, a vacina está em testes pré-clínicos para tumores digestivos e urológicos. Há contudo a possibilidade de, no futuro, ser aplicada a outros tipos de cancro.

Gostaríamos que partilhasse um ou mais aspetos da investigação desenvolvida, nesta área científica em particular, que considere particularmente desafiantes. Que estratégias adota perante a exigência deste(s) desafio(s)?
Na minha opinião, um dos principais desafios que ainda limita o avanço mais rápido da nossa investigação, e também da ciência em Portugal, é a escassez de financiamento e o insuficiente investimento público em ciência e inovação. Este é, de maneira geral, um sentimento amplamente partilhado pela comunidade científica. Esta falta de recursos não tem só impacto no avanço científico e tecnológico do nosso país. Representa  também uma pressão constante, pelo facto de estarmos continuamente à procura de financiamento, essencial para o desenvolvimento contínuo das linhas de investigação, o que inclui a manutenção e valorização dos recursos humanos envolvidos. Este cenário, infelizmente, pode comprometer a capacidade de atrair e reter talentos científicos, algo fundamental para a sustentabilidade da ciência em Portugal.

Integrou por algum tempo o prestigiado Laboratory of Experimental Cancer Research no Hospital Universitário de Ghent, Bélgica. De que forma definiria a experiência e que novas abordagens e perspetivas lhe proporcionou esta colaboração internacional?
Sim, tive a feliz oportunidade de estar quase um ano no laboratório do Professor Olivier De Wever e foi, sem dúvida, uma experiência extremamente enriquecedora, tanto a nível profissional como pessoal. Trabalhar num ambiente internacional, de excelência científica e de interface entre diferentes áreas, permitiu-me ter acesso a novas metodologias de investigação e tecnologias avançadas que possibilitaram o avanço dos estudos pré-clínicos para validação de terapias combinatórias, no modelo de ratinho de cancro de mama, combinando nanopartículas com radioterapia. O facto de este laboratório estar inserido no Hospital Universitário de Ghent fomentou a discussão da nossa investigação com os clínicos, trouxe-me novas perspetivas sobre a aplicação clínica dos resultados laboratoriais, reforçando a importância de uma investigação orientada para o doente. Além disso, esta colaboração potenciou o desenvolvimento de novos projetos em conjunto, os quais visam compreender os mecanismos de radioresistência em cancro de mama triplo-negativo e tentar desenvolver novas estratégias terapêuticas.

Com um percurso tão marcado por diversas participações ativas em colaborações internacionais e multidisciplinares, de que forma definiria a importância destas cooperações no avanço da ciência e no desenvolvimento de soluções inovadoras para o tratamento do cancro?
Do meu ponto de vista, as colaborações inter(nacionais) e multidisciplinares são fundamentais, diria mesmo que são a chave para o avanço mais célere, e ao mesmo tempo, ponderado da ciência, nas suas várias vertentes. A cooperação subjacente a estas colaborações permite a integração de diferentes áreas de conhecimento e de diferentes perspetivas, promovendo a troca de ideias e resultando em soluções inovadoras e em novas questões científicas. Para além disso, estas redes de colaboração permitem-nos ter acesso a tecnologias avançadas, estimulando novas abordagens para um problema complexo, como o cancro. Particularmente, a colaboração com grupos de investigação sediados em ambiente clínico, potenciam o impacto translacional da nossa investigação, bem como o desenvolvimento de soluções inovadoras para os pacientes com cancro. Neste momento, no nosso grupo de investigação, temos dois projetos aprovados de colaboração com o Instituto Gustave Roussy, em Paris, através do Programa Pessoa, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pelo Campus France. Para além do já mencionado, estes projetos permitem o intercâmbio científico e tecnológico entre os laboratórios de investigação dos dois países, representando uma excelente oportunidade para ambas as equipas fortalecerem a sua estratégia de cooperação. Finalizando, penso que estas iniciativas, assim como as Ações COST, entre outras redes europeias de investigação temáticas (ITN), como por exemplo a PRIOMIC da qual fazemos parte, promovem a cooperação internacional e multidisciplinar e são um motor essencial para o progresso científico.

É embaixadora da Associação Europeia para a Investigação em Cancro desde 2017. Na sua opinião, quais os grandes desafios contemporâneos que a investigação do tratamento para o cancro enfrenta, e que perspetivas se começam a desenhar no horizonte para ultrapassar esses desafios?
A investigação com foco no tratamento do cancro enfrenta vários desafios contemporâneos que refletem a complexidade da doença e a necessidade de desenvolver abordagens mais eficazes e personalizadas. Um dos principais desafios encontrados na clínica é a heterogeneidade dos tumores, tanto entre pacientes (inter-tumoral) como dentro de um mesmo tumor (intratumoral). Isto significa que as células tumorais podem variar não só em termos de mutações genéticas e comportar-se de forma diferente durante a progressão da doença, como também na resposta ao tratamento, o que dificulta o desenvolvimento de terapias que tenham a mesma eficácia em todos os pacientes. Penso que o avanço nas tecnologias de sequenciação tem permitido uma caracterização molecular mais detalhada dos tumores, possibilitando o desenvolvimento de tratamentos personalizados, adaptados ao perfil genético de cada paciente. Outro desafio que também é recorrente nos vários tipos de cancro é a resistência aos tratamentos. Este é um dos grandes desafios da clínica, uma vez que limita as opções terapêuticas para os doentes. Esta resistência resulta, frequentemente, da ativação de várias vias moleculares que as células tumorais aproveitam para promover a sua sobrevivência e multiplicação. Na tentativa de ultrapassar esta resistência à terapia, a combinação de diferentes tratamentos parece resultar numa melhor resposta do paciente. Além disso, há um esforço reconhecido da comunidade científica em encontrar biomarcadores que ajudem a prever a resposta à terapia, de forma a adaptar mais facilmente as terapias e ultrapassar a resistência. Neste momento, o nosso grupo de investigação está dedicado a encontrar marcadores de resposta à radioterapia, em cancro de mama e rectal.

Foi vencedora da primeira edição do “Prémio Raquel Seruca”, promovido pela Associação Portuguesa de Investigação em Cancro (ASPIC). Soma ainda outros galardões e distinções em reconhecimento pelo seu trabalho. De que forma influenciaram estes reconhecimentos o seu trabalho e a visibilidade da sua investigação, e o que a motiva a continuar a ultrapassar os limites num campo tão exigente e em constante evolução como a imunologia do cancro?
As distinções recebidas, como o "Prémio Raquel Seruca”, são certamente uma honra e um sinal de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido. Mas, para mim, significam mais do que uma conquista pessoal. Refletem o esforço conjunto de toda uma equipa de investigação, bem como a colaboração com colegas e instituições que partilham o mesmo propósito: avançar no conhecimento e encontrar novas soluções terapêuticas para o tratamento do cancro. Estes reconhecimentos são claramente importantes, ajudam a dar visibilidade à nossa investigação e abrem novas possibilidades de colaboração que aceleram o avanço dos nossos projetos, mas a minha maior motivação como cientista é que um dia o nosso trabalho possa chegar aos pacientes e contribuir para o seu bem-estar e melhoria do seu estado de saúde. É contribuir, de alguma forma, para a melhoria no diagnóstico, mas também da terapêutica, numa doença tão complexa como o cancro. É esse o verdadeiro propósito de todos os dias, na tentativa de ultrapassar todos os desafios e acompanhar a evolução avassaladora desta área de investigação.


Poderá consultar mais informações sobre a investigadora aqui.


 Copyright 2025 © Serviço de Investigação e Projetos da Universidade do Porto.
Todos os direitos reservados.