Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Ivo Dias
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) / Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV/REQUIMTE)

Atividade de investigação em Química Medicinal

De que forma nasce o interesse na bioquímica, química e farmacologia, e como foi percorrido, até hoje, o caminho académico e científico nestas áreas?
O interesse pelas Ciências Biológicas e pela Química começou desde cedo, mas foi durante o ensino secundário que esse interesse se adensou, muito graças a Professores que me instilaram o gosto pela investigação científica. A indecisão entre Ciências Biológicas e Química fez-me ingressar, em 2008, na Licenciatura em Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Hoje, tenho a certeza de que foi a opção mais acertada. Durante o meu percurso académico descobri a Química Orgânica, que desde logo me fascinou pela complexidade e pelas potenciais aplicações biomédicas. Contudo, foi apenas no final da minha Licenciatura, e durante o estágio que realizei nos Laboratórios de Investigação de Química Orgânica da FCUP, que descobri “o meu elemento”: a Química Medicinal. É o poder da criação de novas moléculas com propriedades por descobrir que torna a Química e, em particular, a Química Medicinal uma área tão estimulante e desafiante. Em seguida, de forma natural, seguiu-se o Mestrado em Bioquímica na FCUP, o qual me permitiu desenvolver competências no campo da farmacologia e estabelecer a ponte com a Química Medicinal. Mais tarde, em 2018, concluí o Doutoramento em Química Sustentável, o qual me despertou para o uso mais responsável da Química como ferramenta para a produção de moléculas bioativas. Tive a possibilidade de deixar o meu cunho com o desenvolvimento de metodologias de síntese mais sustentáveis na área da Química de péptidos. É um desafio acrescido, mas que deve governar todos os processos liderados pelos químicos contemporâneos.

Muito do trabalho científico desenvolvido foi, e é atualmente, orientado para as doenças neurodegenerativas. O que está por detrás deste particular interesse, nomeadamente na doença de Parkinson?
As doenças neurodegenerativas são um problema emergente, para as quais não existem tratamentos eficazes que impeçam a progressão destas condições. O avanço tecnológico e científico, aliado ao melhoramento das infraestruturas e qualidade de vida das populações em geral, conduz invariavelmente a um aumento da esperança média de vida. Contudo, a idade avançada traduz-se também num maior risco de desenvolver doenças neurodegenerativas do sistema nervoso central, como as doenças de Alzheimer e Parkinson. Estas doenças constituem um grande desafio para as sociedades modernas, sendo expectável um aumento significativo da prevalência destas condições nas próximas décadas. Assim, torna-se premente o desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas para mitigar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes e, no limite, prevenir e/ou conter a progressão destas doenças. Durante o meu percurso académico explorei diferentes linhas de investigação focadas em resgatar o potencial de biomoléculas que existem naturalmente no nosso organismo e que possuem atividade contra doenças neurodegenerativas, mas que têm sido negligenciadas como potenciais fármacos. Uma destas moléculas é a melanostatina, um pequeno neuropéptido que possui atividade anti-Parkinson e cujo mecanismo de ação é diferente dos fármacos aprovados no tratamento desta doença. Contudo, devido a problemas de absorção gastrointestinal e reduzida estabilidade bioquímica, a melanostatina tem sido negligenciada como potencial fármaco anti-Parkinson. Assim, nasceu o desafio de aplicar a Química Medicinal como ferramenta para resgatar o potencial terapêutico deste neuropéptido na terapia do Parkinson.

Lidera a equipa do DynaPro, um Projeto que está a trabalhar num novo fármaco para o tratamento da doença de Parkinson, mais eficiente e com menos efeitos secundários do que os atualmente usados. Quais são as descobertas científicas que estão na base desta investigação e de que forma é este fármaco diferente?
Na doença de Parkinson verifica-se a perda de neurónios dopaminérgicos, os quais são responsáveis pela produção de dopamina. À medida que a doença progride, os níveis de dopamina no sistema nervoso central diminuem, comprometendo a ativação dos recetores de dopamina e, por conseguinte, as vias dopaminérgicas, resultando em sintomas motores e não motores. Para contrariar a depleção de dopamina no sistema nervoso central, as terapias atuais baseiam-se na administração de levodopa (precursor de dopamina), agonistas dopaminérgicos e de inibidores das principais enzimas envolvidas no metabolismo da dopamina e da levodopa. Contudo, a longo prazo, este tipo de tratamento perde eficácia, necessitando de doses farmacológicas cada vez maiores, o que resulta em efeitos secundários sérios, que podem mesmo agravar os sintomas. Assim, ao contrário da maioria das estratégias farmacológicas focadas na potenciação de dopamina no sistema nervoso central, o nosso grupo de investigação explora a modulação dos recetores de dopamina. A melanostatina é um pequeno neuropéptido endógeno que se liga a estes recetores e potencia a ligação da dopamina. Assim, os recetores podem ser ativados em níveis mais baixos de dopamina, sendo por isso clinicamente muito relevante na doença de Parkinson. Contudo, apesar do seu potencial terapêutico, a melanostatina possui uma reduzida estabilidade nos tecidos neuronais e baixa permeabilidade gastrointestinal, limitando assim a sua translação clínica. Neste contexto, o principal objetivo deste projeto foca-se no resgate da melanostatina para aplicação na terapia da doença de Parkinson, pela obtenção de análogos mais potentes e que exibam propriedades farmacocinéticas adequadas para poderem progredir para estudos pré-clínicos.

De que forma prevê que este novo tratamento possa impactar positivamente as vidas de quem sofre da doença de Parkinson?
A levodopa, apesar de ser muito eficaz no controlo dos sintomas motores em estágios iniciais da doença, ao longo do tempo, vai perdendo eficácia. Tal facto requer manutenção das doses farmacológicas o que, invariavelmente, se traduz num aumento dos efeitos secundários que podem inclusivamente exacerbar os sintomas motores como, por exemplo, as discinesias associadas à levodopa. Isto tem um impacto muito negativo na vida destes pacientes, limitando a qualidade de vida e o tempo de uso clínico deste fármaco. Assim, os moduladores alostéricos dos recetores de dopamina, tal como a melanostatina e os seus derivados, podem ser uma alternativa farmacológica viável pois só exibem o seu efeito na presença de dopamina, não apresentando por isso efeitos secundários relevantes. Em estágios iniciais da doença, quando ainda existem níveis significativos de dopamina, os moduladores podem ser usados de forma a maximizar os efeitos da dopamina garantindo a ativação dos circuitos dopaminérgicos. Tal poderá permitir atrasar a introdução do tratamento com levodopa para estágios mais avançados da doença. Por outro lado, uma vez introduzido o regime com levodopa, ao diminuir os níveis de dopamina necessários para ativar os recetores, o uso de moduladores alostéricos permite também reduzir as doses farmacológicas de levodopa. Desta forma, o uso de moduladores alostéricos poderá maximizar o tempo de uso clínico da levodopa e, simultaneamente, reduzir os seus efeitos secundários, oferecendo um tratamento mais seguro e duradouro, com impactos muito positivos na vida destes pacientes.

Quais os grandes desafios na liderança de um projeto de investigação científica, e de que forma aborda e ultrapassa as contrariedades?
As capacidades técnicas e científicas da equipa de investigação são importantes para conceber projetos inovadores e com potencial para gerar avanços científicos e tecnológicos com impacto direto na sociedade. Contudo, não são suficientes para que um projeto científico atinja todo o seu potencial. Liderar um projeto acarreta desafios que vão além daqueles intrinsecamente associados à investigação científica. A execução de projetos de investigação requer capacidades de liderança e de gestão, as quais são fundamentais para a coordenação das equipas de investigação e utilização eficiente dos recursos disponíveis, os quais muitas vezes são limitados. Neste sentido, as colaborações entre instituições, para além de acelerarem a transferência de conhecimento, podem também suprimir eventuais necessidades técnicas, através da partilha de recursos. A aproximação da comunidade e de potenciais investidores é também uma responsabilidade dos investigadores principais de projetos de investigação, permitindo dar continuidade aos projetos após o término do financiamento inicial. Para isso é necessário trabalhar a montante, através da participação em conferências, organização de workshops e disseminação das atividades científicas através de outras plataformas. A liderança de projetos de investigação científica deve ser capaz de antecipar problemas, garantindo que os objetivos sejam alcançados, gerindo os recursos de forma eficaz e continuamente criar um ambiente estimulante para a equipa de investigação, mantendo o foco nos objetivos a longo prazo e contribuindo significativamente para o avanço do conhecimento com impactos positivos para a comunidade.

Que exemplos de colaborações interdisciplinares destacaria, no âmbito de projetos de investigação, e de que forma contribuem a multidisciplinariedade e a transferência de conhecimento entre disciplinas para a concretização de pistas de investigação?
As colaborações interdisciplinares em projetos de investigação são cruciais para o avanço do conhecimento e procura de soluções inovadoras para problemas complexos, como as doenças neurodegenerativas. A multidisciplinariedade permite a combinação de diferentes perspetivas e metodologias, enquanto a transferência de conhecimento entre disciplinas promove a inovação e a descoberta de novas pistas de investigação. Neste contexto, para o desenvolvimento de fármacos mais seletivos e seguros dirigidos para o sistema nervoso central é fundamental a interseção de diferentes áreas científicas, como a biologia molecular e a química medicinal. Os biólogos são responsáveis pela identificação dos alvos biológicos e desenvolvimento de modelos para estudar os mecanismos moleculares e celulares subjacentes a uma determinada patologia. A compreensão dos mecanismos da doença guia a síntese química de novos fármacos, enquanto os dados obtidos nos testes biológicos são importantes para o refinamento molecular por parte dos químicos. Este trabalho multidisciplinar, levado a cabo por cientistas de diversas áreas do conhecimento, é importante para criar soluções mais eficazes e abrangentes.

Na sua opinião, qual é o aspeto mais crítico e fundamental para que a sociedade em geral compreenda as doenças neurodegenerativas e os seus tratamentos?
Um aspeto central para que a sociedade em geral tenha uma maior consciencialização sobre o que são as doenças neurodegenerativas, os seus tratamentos e o impacto nos indivíduos afetados e nas suas famílias passa, invariavelmente, pela educação. Neste contexto, o papel dos investigadores e comunicadores de ciência é de extrema importância, contribuindo para a literacia científica e para a aproximação da sociedade à investigação em neurociências e aos seus desafios, através de uma comunicação simples e eficaz. A aposta na educação e na literacia em neurociências tem como consequência direta a sensibilização da sociedade para a importância da investigação básica e aplicada no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para as doenças neurodegenerativas. O acesso à informação e o envolvimento de todos os setores da sociedade é um pilar fundamental para a compreensão das doenças neurodegenerativas e dos seus tratamentos, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva, empática e com mais resiliência para enfrentar estes desafios complexos.

O que podemos fazer, em coletividade, para garantir a melhor qualidade de vida possível e, acima de tudo, prevenir a incidência destas doenças incapacitantes?
Para garantir a melhor qualidade de vida possível e prevenir a incidência de doenças neurodegenerativas temos, de forma coletiva, adotar uma abordagem multifacetada que inclua a promoção de estilos de vida saudáveis, educação e consciencialização, políticas públicas eficazes, suporte social e de apoio à investigação científica. Começa desde cedo, com a educação sobre saúde nos currículos escolares e promoção de hábitos saudáveis. Passa também por implementar políticas de planeamento e desenvolvimento das cidades que incentivem atividades físicas e interação social, como áreas verdes, limitando a exposição a toxinas ambientais que possam estar associadas a doenças neurodegenerativas, como se verifica no caso da doença de Parkinson, cuja exposição a alguns pesticidas está intimamente associada a um risco acrescido de desenvolver a doença. O investimento na investigação básica e aplicada é fundamental para um melhor conhecimento sobre as causas, tratamentos e formas de prevenção das doenças neurodegenerativas. Ao trabalhar todos estes aspetos, podemos criar uma sociedade mais saudável e resiliente, capaz de enfrentar os desafios associados às doenças neurodegenerativas de forma proativa.


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