Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
José António Correia
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) / Instituto de I&D em Estruturas e Construções (CONSTRUCT) / Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica (LAETA)

Investigação em Engenharia Civil


Partindo de uma já prolífica carreira científica, gostaríamos de regressar ao ponto de partida. Como surgiu o interesse pela Engenharia Civil?
Um dia, o meu Pai (António Correia) levou-me até ao seu gabinete de projetos, tinha eu 6 anos de idade, e foi aí que despertei o interesse pela área. Recordo-me da pergunta da minha Professora Primária, sobre o que gostaria de ser quando fosse “crescido”, ao qual eu respondi que gostaria de ser engenheiro, como o meu Pai. Passava as minhas férias escolares no seu gabinete. Aos meus 18 anos colaborei no desenho e conceção de projetos de estruturas e redes prediais. Ainda recordo, com saudade, as conversas com o meu Avô (que “partiu” tinha eu 13 anos) sobre a sua metalomecânica, em Angola, de execução de estruturas metálicas e fabrico de molas para camiões. Foi ele o responsável pela execução de parte da estrutura metálica da primeira torre de controlo do Aeroporto Craveiro Lopes (Luanda), atualmente, Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. O gabinete do meu Pai foi uma escola “pré-universitária” e de “estágio” durante o meu curso de engenharia civil. O meu Pai detinha uma vasta experiência profissional, tendo trabalhado em Luanda (Angola), nos anos 70, com o Arq. Troufa Real (antigo Professor Catedrático da Universidade de Lisboa), e ainda no Laboratório Nacional de Engenharia Civil em Luanda. Por questões de proximidade à atividade profissional do meu Pai, ingressei na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde acabei por concluir a licenciatura pré-Bolonha em Engenharia Civil. Ainda enquanto estudante senti a necessidade de aumentar os meus conhecimentos na área, em particular, dos materiais e estruturas metálicas. Por esse motivo, ingressei na especialização de Construção Metálica e Mista na Universidade de Coimbra e, finalmente, concluí o doutoramento em Engenharia Civil pela Universidade do Porto.

A investigação e estudo em Engenharia Civil resulta de um acervo muito diverso de contribuições de áreas das ciências exatas, matemática, física, mecânica, entre outras. Poderia partilhar a sua opinião de qual é a mais estimulante das subáreas, e em que medida?
Na minha opinião a subárea da fadiga, fratura e integridade de materiais e estruturas é a mais estimulante, por razões óbvias, uma vez que trabalho nessa subárea desde 2007 (17 anos). Naturalmente, nesta subárea, a investigação experimental e modelação computacional são utilizadas por parte da comunidade académica e científica internacional, para justificar e alcançar os avanços e tendências a que temos assistido! Esta subárea é relevante no contexto de várias estruturas de engenharia, não só na Engenharia Civil mas também em outras engenharias, tais como Engenharia Mecânica, Engenharia Oceânica, Engenharia de Materiais, Engenharia Aeroespacial, etc. As várias áreas da engenharia, e em particular a Engenharia Civil, são multidisciplinares, devendo tirar partido precisamente disso, seja em contexto académico, científico ou profissional. Voltando ao início desta pergunta, a “fadiga” é a causa mais comum de falhas estruturais, onde mais de 90% dessas falhas são causadas devido à fadiga de materiais. Portanto, compreender o fenómeno de fadiga é crucial para um entendimento adequado dos seus mecanismos de falha. Ao longo do tempo, tais falhas causaram acidentes catastróficos, o colapso de pontes, o colapso de estruturas offshore, o colapso de torres eólicas, o afundamento de navios, descarrilamento de comboios, queda de aeronaves, entre outras estruturas de engenharia relevantes no contexto da convivência do ser humano no Planeta Terra!

A intensificação e frequência exponencial de fenómenos climáticos e meteorológicos extremos será, com certeza, um dos focos atuais da Engenharia Civil. Quais as inovações que surgiram da investigação, nesta matéria, que destacaria das demais?
As alterações climáticas e meteorológicas são um desafio global que afeta a vida do ser humano num contexto global, onde se inclui o campo da Engenharia Civil. Os académicos, cientistas e engenheiros devem estar cientes que estes fenómenos têm de ser levados em consideração, de forma a mitigar o impacto dessas mudanças. De um modo geral, não particularizando, as inovações são, essencialmente, relacionadas com o desenvolvimento de projetos resilientes e adaptativos (ex. zonas costeiras, estruturas e infraestruturas de engenharia), implementação de sistemas de drenagem urbana sustentáveis(as ditas infraestruturas verdes), materiais avançados e métodos de reforço para melhorar a integridade estrutural, desenvolvimento de materiais sensíveis ao clima (por ex. betão auto-reparável, superfícies rodoviárias refletoras), estratégias avançadas de gestão da água (por ex. recolha de águas pluviais, reciclagem de águas residuais), conceção de edifícios ecológicos, integração de energias renováveis, transportes sustentáveis, entre outras. Portanto, os Engenheiros Civis têm vindo a desenvolver metodologias para uma sociedade com infraestruturas resilientes e ecológicas, adotando práticas de projeto sustentáveis. Os Engenheiros Civis têm estado na vanguarda da mitigação dos impactos dos fenómenos climáticos e meteorológicos, contribuindo para um futuro mais sustentável e resiliente para todos.

Integra o Instituto de I&D em Estruturas e Construção (CONSTRUCT) e colabora com o Laboratório Associado em Energia, Transportes e Aeroespacial (LAETA). Destacando-se no atual zeitgeist o tema da sustentabilidade, que materiais e tipos de estrutura deveriam ser hoje privilegiados nestas áreas tão fundamentais à sociedade?
Uma vez que há uma quantidade significativa de infraestruturas e estruturas de engenharia relevantes para o ser humano no contexto global, tais como, as infraestruturas e estruturas rodo e ferroviárias, infraestruturas e estruturas de transporte de energia, infraestruturas e estruturas offshore, transportes aéreo e marítimo, etc., o tema da utilização e reutilização de materiais sustentáveis torna-se “obrigatório”, precisamente, por este motivo, a estratégia nacional encontra-se alinhada com a estratégia Europeia, e, naturalmente, com a Agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030 das Nações Unidas. De um modo geral, os materiais utilizados em infraestruturas e estruturas de engenharia referidas anteriormente, devem ser projetados e/ou reprojetados tendo por base metodologias e conceitos como sejam a engenharia de conceção, tecnologias de fabricação, utilização e o fim de vida. Desta forma promovemos a redução do desperdício, a refabricação, reparação, reutilização, reciclagem, entre outros, centrados na sustentabilidade, resiliência, inteligência, e no dimensionamento com base no desempenho.

Foi o primeiro português a assumir as funções de editor da prestigiada revista Philosophical Transactions of The Royal Society A – Mathematical, Physical and Engineering Sciences, mas na verdade assume também esta função em quase uma dezena de publicações científicas, integrando ainda o Comité de Ética em Publicação (COPE). Quais os grandes desafios que a investigação enfrenta em matéria de transparência, garantia de qualidade e deontologia da produção científica?
Os desafios são imensos, e, naturalmente, serão adaptados ao longo dos tempos em função dos avanços tecnológicos e geracionais. Posso adiantar que, o subcomité de Facilitação e Integridade do COPE analisou uma ampla gama de casos e questões, entre os quais se incluem o tratamento de retratações, preocupações sobre a integridade do trabalho publicado (incluindo a possível manipulação de dados ou imagens), erros em análises, erros em relatórios ou imprecisões em artigos publicados. Recentemente, as preocupações têm-se centrado nas publicações em edições especiais, na disponibilidade de dados e citações. As editoras têm-se focado no desenvolvimento de ferramentas que façam uma avaliação preliminar dos manuscritos submetidos pelos autores, onde analisam a similaridade, a submissão do documento em mais do que uma revista científica ao mesmo tempo, sistemas de partilha de informação entre editores, deteção de autores com falsos perfis, entre outros aspetos relevantes. Vários “agentes” no contexto científico – universidades, centros de investigação e inovação, empresas, entidades governamentais ou editoras – devem contribuir para a criação de procedimentos que garantam a qualidade dos trabalhos produzidos, a criação de códigos de deontologia e conduta da produção científica, entre outros, em estreita articulação com os “agentes” envolvidos. Por mais mecanismos e/ou ferramentas que possam ser criadas, haverá sempre preocupações e questões associadas a este tema.

Detém várias posições honorárias a convite de instituições universitárias a nível mundial, como sejam a China, Índia ou Brasil. Em matéria de ciência e investigação, o que destacaria, de entre o que lhe foi permitido observar e vivenciar, como boas práticas ainda a implementar pela comunidade científica portuguesa?
Em Portugal, no geral, as universidades olham para o ensino e a investigação de forma pouco articulada, em particular, nos primeiros dois ciclos de estudo. O cenário é diferente no que diz respeito ao 3.º ciclo de estudos, por razões óbvias. Em várias instituições de referência mundial verifico a existência de grupos/linhas de investigação devidamente constituídos dentro de secções ou departamentos, o que proporciona o desenvolvimento científico e do conhecimento de subáreas científicas dentro de áreas disciplinares (estabelecidas como secções ou departamentos). No limite, o modelo português poderá conduzir à perda de competências existentes dentro de secções (ou departamentos) e/ou impedir o desenvolvimento de subáreas científicas relevantes numa determinada área disciplinar. Em Portugal, a investigação fundamental é dominante nas universidades, contudo, nas áreas tecnológicas e da engenharia, a investigação aplicada tem crescido, pois os programas de investimento procuram aproximar as indústrias da academia. Além disso, nessas instituições há gabinetes de desenvolvimento e acompanhamento de carreira para os docentes e investigadores, disponibilizando recursos humanos, materiais e financeiros, que ajudam na concretização das suas ações. As secções e/ou departamentos, bem como, as unidades de investigação, devem ter um plano estratégico eficiente, ao nível científico e académico, mas também ao nível da comunicação, que serve de base para o sucesso. As universidades deverão reorganizar as suas unidades orgânicas, bem como a sua relação com os institutos de extensão universitária, à semelhança do que ocorreu no início dos anos 90 no Reino Unido!


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