Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
José Carlos Machado
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) / Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S)

Investigação em Comunicação Intercelular e Cancro

Fale-nos um pouco do seu percurso científico na U.Porto?
Licenciei-me em 1992 em Biologia pela FCUP e obtive o grau de Mestre em Oncobiologia, em 1994, pela FMUP. Entre 1994 e 1999 desenvolvi o meu projeto de doutoramento numa colaboração entre a U.Porto e a Universidade de Tübingen, Alemanha, tendo obtido o grau pela UP. Em 2001, tornei-me Professor Auxiliar da FMUP, à qual me encontro vinculado atualmente como Professor Catedrático.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Em termos científicos, a participação na identificação de mecanismos biológicos que se revelaram centrais na carcinogénese gástrica, como sejam o papel da molécula de adesão celular Caderina-E no cancro gástrico hereditário, e o papel da variabilidade genética do hospedeiro na infeção por Helicobacter pylori e o risco de desenvolvimento de cancro gástrico. Há várias pessoas a quem agradecer durante este percurso, mas não posso deixar de nomear a minha querida amiga Raquel Seruca que, infelizmente, nos deixou cedo demais.

No seu currículo conta com a participação em projetos. Consegue identificar e falar-nos um pouco sobre aquele, ou aqueles projetos, que considera terem tido um grande impacto na sociedade?
É difícil medir o impacto daquilo que fazemos em ciência. Tenho a esperança de que o que tenho feito não caia, como se diz, em “saco roto”. Talvez seja mais fácil de responder com um exemplo concreto, que ilustra a transferência de produtos da investigação para a utilização corrente. Muito daquilo que temos feito foi sendo convertido em serviços de diagnóstico que a instituição (i3S) oferece à sociedade. Hoje, somos uma referência nacional no diagnóstico molecular de síndromes hereditários de cancro e outras doenças hereditárias. O laboratório (Ipatimup Diagnósticos) faz a maior parte das análises moleculares de caracterização de tumores para elegibilidade de doentes, para tratamentos ditos “dirigidos”. Para além de sermos dos que mais análises fazem nestas áreas, somos também a instituição que tem sistematicamente introduzido em Portugal novas metodologias, e “puxado” pelo desenvolvimento do diagnóstico molecular. Se Portugal é um país de 1ª linha na área do diagnóstico molecular em cancro, muito o deve à nossa instituição.

Como líder do grupo de investigação ‘Comunicação Intercelular e Cancro’ do i3S, pode falar-nos sobre o trabalho que têm vindo a desenvolver e ações futuras planeadas?
Os cancros são compostos por subpopulações distintas de células cancerígenas e não cancerígenas, destacando-se pela sua elevada plasticidade e pela natureza sistémica da doença. Por isso, temo-nos dedicado a tentar compreender a importância biológica da comunicação entre as células cancerígenas, e entre estas e as células não cancerígenas do microambiente tumoral, como por exemplo, as células conjuntivas e as células imunológicas. O que pretendemos é demonstrar que é possível tratar um cancro interferindo com as estruturas celulares e tecidulares que o suportam, que são constituídas por células não cancerígenas, complementando as abordagens atuais que se baseiam principalmente no ataque direto às células cancerígenas.

Na sua opinião, qual é a importância da comunicação intercelular no contexto de desenvolvimento e progressão do cancro?
As células cancerígenas são, em última instância, as responsáveis pela expressão clínica da doença. No entanto, e como qualquer outro tecido, as células cancerígenas necessitam de uma estrutura de suporte para sobreviverem e crescerem. Por exemplo, vasos sanguíneos para terem acesso a nutrientes e a oxigénio, ou tecido conjuntivo como suporte físico e funcional de crescimento. A realidade é que as células cancerígenas necessitam de interagir e modular o microambiente tumoral onde “residem”. Esta interação corresponde ao que chamamos de comunicação intercelular e, na nossa opinião, constitui uma oportunidade de interferir com o tumor e com o seu crescimento.

Fale-nos um pouco do papel do sistema imunológico no reconhecimento e resposta às células cancerígenas. Como podem as células cancerígenas manipular a comunicação intercelular para evitar a deteção imunológica?
A relação do sistema imunológico com o cancro é uma história antiga. No entanto, só recentemente foi possível gerar evidência experimental de que é possível usar a resposta imunológica para tratar o cancro. Hoje, existem várias opções de imunoterapia do cancro, mas a mais usada é baseada em fármacos que manipulam os chamados “checkpoints” imunológicos e libertam, ou reativam, a reposta imunológica contra as células cancerígenas. Este “ataque” às células cancerígenas baseia-se no facto de que estas células não são exatamente iguais às células normais, e apresentam antigénios reconhecíveis como “estranhos” pelo sistema imunológico. Apesar desta capacidade do sistema imunológico, este nem sempre é perfeito, pelo que há células tumorais que acabam por conseguir escapar a este crivo imunológico. A forma como o fazem é diversa, mas passa quase sempre por interferir na comunicação intercelular perturbando sinais que deveriam ativar a reposta imunológica. Fazem-no, por exemplo, produzindo mediadores químicos que bloqueiam a atividade ou a migração de células imunológicas.

Quais os avanços ou descobertas recentes, no campo da comunicação intercelular e da investigação do cancro, que considera particularmente promissores?
Os avanços são diversos e creio que faz sentido dividi-los em duas grandes áreas de atuação clínica: deteção precoce e tratamento. Na deteção precoce são os avanços técnicos e a descrição de biomarcadores que permitem que cada vez mais cancros possam ser detetados mais cedo, e até serem alvo de programas de rastreio. Isso espera-se que venha a acontecer, no futuro próximo, para os cancros do estômago, próstata e pulmão. As biópsias líquidas poderão ter aqui um papel muito relevante.
Na área do tratamento, um dos grandes avanços continuará a ser a expansão da Oncologia de Precisão, com identificação de mais alvos moleculares (para isto, a investigação fundamental é chave) clinicamente tratáveis, incluindo alvos associados aos processos de comunicação intercelular. Tenho de adicionar a isto os avanços nas áreas da radioterapia (mais precisas e eficazes) e da cirurgia oncológica.


Para além de tudo o que faz, que outra paixão nutre, que o completa enquanto pessoa?
É sempre satisfazer a curiosidade. A ciência, a nível profissional, e os hobbies e paixões que vêm e vão, mas que surgem sempre porque há mais uma curiosidade a satisfazer.


Como cientista e com obra feita em prol da saúde nacional, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
Pode parecer a habitual resposta contestatária de dizer mal quase como forma de entretenimento nacional. Mas não é. Estou convencido de que, para lá dos períodos em que a Ciência surge como uma bandeira eleitoral, não é levada suficientemente a sério no nosso país. A brincar, costumo dizer que em Portugal não há um sistema de Ciência, mas sim um sistema de benefiCiência. O país tem de se interrogar sobre porque é que quer ter um sistema científico. Curiosamente, a resposta a esta pergunta aparece naturalmente se respondermos a uma outra pergunta: porque é que os países mais desenvolvidos do mundo o são? Querem mudar Portugal para melhor? Comecem por criar uma economia baseada em conhecimento e competências altamente diferenciadas. Para isso, a universidade e a investigação são a chave.

Poderá consultar mais informações sobre o investigador aqui.


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