Atividade de investigação em Ciências do Desporto
A sua trajetória académica e científica cruza várias áreas das ciências do desporto e da saúde. Que momentos ou decisões foram particularmente marcantes na construção do seu percurso de investigação?
Ao longo do meu percurso académico e científico, foram vários os momentos determinantes para moldar a minha trajetória. A escolha inicial pela licenciatura em Educação Física e Desporto marcou o ponto de partida para um percurso de profunda ligação entre a ciência, a saúde e a prática desportiva. No mestrado em Recreação e Lazer e, posteriormente, no doutoramento em Ciências do Desporto, aprofundei o estudo da atividade física como ferramenta de promoção da saúde, com especial foco na obesidade infantil e nos fatores de risco cardiovascular. Durante a frequência do mestrado tive oportunidade de participar num projeto liderado pelo Doutor Jorge Mota, através do Programa PRAXIS XXI, que foi uma iniciativa estratégica de financiamento à ciência e tecnologia em Portugal, com o objetivo principal de reforçar a capacidade científica e tecnológica nacional, promovendo a formação avançada de recursos humanos e o desenvolvimento de infraestruturas de investigação. Neste sentido, tive ocasião de participar num grande projeto, onde uma equipa de investigadores avaliou os níveis de atividade física, aptidão física e agregação de fatores de risco de doença cardiovascular em crianças e jovens, numa amostra acima de 2000 participantes, na área do Grande-Porto. O grande desafio durante esta fase foi o facto de, durante esse período, ser Professor do Quadro de Nomeação Definitiva numa escola e ter que conciliar os desafios de um projeto desta envergadura com a minha atividade profissional nesta escola. Esta participação fomentou ainda mais o meu interesse pela investigação e por esta área de estudo. Um momento crucial foi a abertura de um lugar para docente na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), para o qual concorri, conseguindo o lugar que me impôs algumas decisões profundas, abandonando o meu lugar no QND da escola e ingressando definitivamente na vida académica. A minha integração no Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer (CIAFEL) foi um marco importante na minha carreira, possibilitando uma visão mais abrangente e sustentada sobre como fazer investigação em horizonte académico.
A prescrição de exercício físico em patologias como diabetes tipo 2, obesidade e hipertensão tem sido um foco muito relevante no seu trabalho de investigação. Quais têm sido os principais desafios e aprendizagens ao trabalhar nesta interseção entre o exercício e a medicina preventiva?
Um dos principais desafios tem sido a necessidade de adaptar as intervenções às particularidades clínicas e funcionais de cada patologia. Na diabetes tipo 2, obesidade e hipertensão, a prescrição de exercício exige não só conhecimento profundo da fisiopatologia, mas também sensibilidade para personalizar os programas, tendo em conta comorbilidades, limitações físicas e motivações individuais. A colaboração com equipas multidisciplinares – nomeadamente médicos, nutricionistas e psicólogos – tem sido essencial para garantir intervenções seguras e eficazes. Uma aprendizagem essencial tem sido o impacto real do exercício enquanto “medicamento”, com efeitos mensuráveis em marcadores metabólicos, cardiovasculares e na qualidade de vida. No entanto, a adesão contínua por parte dos participantes permanece um desafio, o que reforça a importância da educação, do acompanhamento regular e de estratégias comportamentais eficazes. A experiência de ensino e colaboração com atuais, e futuros, médicos e nutricionistas ajudou-me a perceber que promover a literacia em atividade física e exercício nas áreas clínicas é vital para consolidar esta abordagem preventiva. Finalmente, os projetos em que participei demonstraram que o sucesso na implementação deste tipo de projetos reside na integração entre ciência, prática clínica e políticas públicas focadas na promoção da saúde.
Tem também tido uma participação muito ativa em projetos que envolvem doentes com depressão major e cancro. De que forma o exercício pode ser uma ferramenta terapêutica eficaz nestes contextos? Há ainda resistência no meio clínico à sua implementação sistemática?
O exercício físico tem demonstrado ser uma ferramenta terapêutica extremamente eficaz em contextos como a depressão major e o cancro, com benefícios que vão muito além do aspeto físico. No caso da depressão major, os dados dos nossos estudos mostram melhorias significativas no humor, na autoestima, na regulação do sono e na redução de sintomas depressivos, sobretudo quando o exercício é supervisionado e estruturado. Como evidenciado nos estudos realizados com o Doutor Jorge Mota-Pereira, Psiquiatra, no âmbito do seu Doutoramento que tive o privilégio de apoiar na orientação, foram obtidos resultados evidentes sobre a melhoria dos pacientes com depressão major, tendo inclusive alguns deles retornado à vida ativa, após período prolongado de ausência ao trabalho. Contudo, ainda existe alguma resistência no meio clínico à implementação sistemática desta abordagem. Isso deve-se, em parte, à formação escassa de muitos profissionais de saúde na área da prescrição do exercício, à falta de protocolos clínicos integrados e à perceção errada de que o exercício pode ser perigoso ou ineficaz em fases mais frágeis da doença. A experiência de colaborar com colegas das Faculdades de Medicina e de Nutrição tem sido fundamental para desconstruir esses preconceitos, promovendo uma maior literacia em exercício clínico. O futuro passa por reforçar essa formação interdisciplinar e integrar especialistas em exercício nas equipas de saúde, para que o exercício seja visto – e utilizado – como uma intervenção de primeira linha nestes contextos.
Considerando este estudo já bastante prolongado no tempo sobre o impacto dos programas de exercício em contextos clínicos, que estratégias têm mostrado maior eficácia? E que barreiras continuam a limitar a sua aplicação prática?
Ao longo dos anos, ficou claro que as estratégias mais eficazes nos programas de exercício em contextos clínicos combinam três pilares: personalização, acompanhamento contínuo e integração interdisciplinar. Programas adaptados às necessidades específicas de cada patologia, com intensidade e duração ajustadas à condição do doente, têm resultados superiores em termos de adesão e eficácia. A monitorização regular, seja através de sessões supervisionadas ou de ferramentas como acelerómetros, permite ajustar intervenções e manter a motivação. E, crucialmente, a articulação entre profissionais de saúde – médicos, fisiologistas do exercício, nutricionistas, psicólogos – assegura uma abordagem integrada e segura. Apesar destes avanços, persistem várias barreiras. A primeira é estrutural: muitos serviços de saúde ainda não integram o exercício como prática terapêutica formal. A falta de financiamento, de profissionais especializados e de tempo nas consultas impede a sua prescrição sistemática. A segunda é cultural: existe ainda uma perceção limitada, por parte de alguns profissionais e dos próprios doentes, sobre os benefícios do exercício como tratamento. Finalmente, barreiras sociais e individuais (tais como baixa literacia em saúde, desmotivação, medo ou dificuldades logísticas) também comprometem a adesão. Superar essas limitações exige mais do que evidência científica: exige políticas públicas de saúde mais ambiciosas, formação transversal dos profissionais e ambientes facilitadores para a prática de exercício.
A investigação que desenvolve em contexto escolar tem contribuído para uma compreensão mais profunda dos hábitos de atividade física em crianças e jovens. Que dados o surpreenderam mais e que ações urgentes deveriam ser tomadas nesta área?
A investigação nas escolas revelou dados que, embora preocupantes, foram cruciais para compreender a magnitude do problema. Um dos aspetos mais surpreendentes foi que, mesmo com aulas regulares de educação física, muitas crianças e jovens não atingem os níveis recomendados de atividade física diária. Além disso, observámos altos níveis de comportamento sedentário fora do contexto escolar, nomeadamente tempo excessivo passado em frente ao ecrã e baixa participação em atividades extracurriculares ativas. Outra constatação marcante foi a forte associação entre fatores socioeconómicos e níveis de atividade física, com jovens de origens mais desfavorecidas apresentando menor aptidão física, maior prevalência de obesidade e menos oportunidades de acesso a desportos organizados. Estes resultados reforçam que as escolas, como espaços inclusivos, devem desempenhar um papel ainda mais ativo e estruturante na promoção da saúde. As ações urgentes incluem: (1) aumentar o número de horas e melhorar a qualidade das aulas de educação física; (2) integrar a atividade física ao longo do dia letivo (intervalos ativos, transporte ativo, recreio estruturado); (3) formar professores e decisores para adotarem uma abordagem mais interdisciplinar e baseada em evidências; e (4) investir em políticas públicas que reduzam as desigualdades no acesso ao desporto. As escolas devem ser mais do que apenas locais de aprendizagem – devem ser locais de saúde. Uma outra surpresa ao longo dos anos tem sido a constatação de tentativas de promoção da prática regular de atividade física e exercício no contexto escolar dos mais jovens, com uma evidente ausência de oferta de Educação Física, num contexto indispensável à saúde, no âmbito do Ensino Superior. Apesar de existir uma oferta disponível de práticas desportivas regulares no âmbito das Instituições de Ensino Superior, a sua inclusão na oferta formativa “obrigatória” dos estudantes poderia promover o aumento da literacia em saúde, e promover as práticas regulares de atividade física e exercício nos estudantes do Ensino Superior.
Estabeleceu e estabelece ainda muitas colaborações com colegas de outras áreas, tais como medicina ou nutrição. Que impacto tem tido esta transversalidade no seu trabalho e no reconhecimento do exercício como ferramenta de saúde?
A colaboração com outras faculdades da Universidade do Porto, nomeadamente Medicina e Ciências da Nutrição, tem sido fundamental para reforçar o papel do exercício como uma ferramenta terapêutica e preventiva de primeira linha. Esta transversalidade permitiu não só alargar o alcance do meu trabalho a públicos e contextos diversos, mas também promover uma visão mais integrada e realista da saúde, onde o exercício é parte essencial da abordagem clínica. Apoiar futuros médicos e nutricionistas tem-se revelado particularmente impactante, pois contribui para formar profissionais mais conscientes do valor da atividade física na prevenção e gestão de doenças crónicas como a diabetes, a obesidade, a hipertensão e até o cancro. Este contacto direto tem permitido desmistificar ideias erradas sobre os riscos do exercício em populações clinicamente frágeis e demonstrar, com base em evidência, os seus benefícios mensuráveis. Além disso, esta colaboração interinstitucional tem facilitado o desenvolvimento de projetos de investigação, e legitima a figura do especialista em exercício no meio clínico, reforçando a sua presença em equipas multidisciplinares e em políticas públicas de saúde.
A investigação sobre o impacto da atividade física na saúde parece estar de facto a ganhar um novo fôlego, impulsionada por dados e por abordagens interdisciplinares. O que mais o entusiasma no futuro da investigação nesta área?
O que mais me entusiasma no futuro da investigação em atividade física e saúde é a crescente valorização de abordagens interdisciplinares, aliada ao avanço na qualidade e integração dos dados. Estamos a viver um momento em que conseguimos combinar métricas objetivas (como acelerometria, sensores fisiológicos e dados ambientais) com variáveis comportamentais e psicossociais, permitindo uma compreensão mais holística do papel do exercício na saúde ao longo da vida. Um exemplo particularmente promissor é o projeto europeu SmartCHANGE (faço parte do consórcio), o qual obteve um financiamento de cerca de 4 milhões de euros no âmbito dos projetos Horizonte Europa (financiados pela União Europeia). Este projeto em específico recorre à inteligência artificial para avaliar riscos de saúde a longo prazo e desenvolver estratégias personalizadas de mudança comportamental em crianças e jovens. Trata-se de uma abordagem inovadora que liga ciência de dados, saúde pública e promoção da atividade física, com grande potencial de impacto preventivo. É também motivador ver o exercício a ganhar espaço como “medicação não farmacológica” com aplicações reconhecidas em contextos clínicos complexos, desde doenças metabólicas a saúde mental. As redes internacionais de investigação, como o DE-PASS e o SmartCHANGE, são fundamentais para gerar evidência robusta, transferível e que influencie políticas públicas. O futuro da investigação nesta área é, por isso, simultaneamente um desafio e uma oportunidade: tornar o exercício uma componente estruturada, eficaz e acessível dos sistemas de saúde e educação.
Enquanto, de certa forma, responsável pela formação de futuros investigadores e profissionais de saúde, que conselhos e ensinamentos fundamentais faz questão de partilhar com as novas gerações?
Há três princípios que considero fundamentais e que faço questão de transmitir. O primeiro é a relevância social da investigação. A ciência que desenvolvemos deve ter impacto real na vida das pessoas, seja ao nível da prevenção, do tratamento ou da melhoria da qualidade de vida. Encorajo os estudantes a manterem sempre presente o propósito da sua investigação, ligando-a aos contextos clínicos, escolares ou comunitários onde podem gerar transformação. O segundo é a importância da interdisciplinaridade e da colaboração. Os desafios em saúde são complexos e exigem o diálogo constante entre áreas – exercício, medicina, nutrição, psicologia e ciência de dados. Projetos como o SmartCHANGE e o DE-PASS mostram o poder da cooperação para criar soluções inovadoras, escaláveis e com base científica sólida. O terceiro é a ética e o rigor científico. Num tempo em que os dados abundam, é essencial saber analisá-los com sentido crítico e responsabilidade. A curiosidade, o espírito crítico e a humildade científica são traços que procuro cultivar nas novas gerações.
Copyright 2025 © Serviço de Investigação e Projetos da Universidade do Porto.
Todos os direitos reservados.