Atividade de investigação em Ciências Farmacêuticas
Regressando ao ponto de partida, quais foram as motivações para abraçar carreira científica na área das Ciências Farmacêuticas, e que principais marcos da sua carreira científica destacaria?
A escolha do curso de Ciências Farmacêuticas realizou-se com um objetivo muito claro para mim, queria ser investigadora e “descobrir novos fármacos que curassem ou aliviassem a dor e o sofrimento dos doentes” (aqueles sonhos de infância). Esta foi sempre a minha grande motivação como estudante e a minha missão principal como investigadora. Enveredar por um doutoramento na área da Farmacologia foi, portanto, uma escolha planeada e ambicionada. O doutoramento é algo que nos marca sempre muito, sendo um período de enorme crescimento científico e pessoal. No entanto, considero que o principal marco na minha carreira científica terá correspondido à criação do meu grupo de investigação, três anos após o meu doutoramento. Assumir o cargo de coordenadora revelou-se uma tarefa complexa, difícil e desafiante, uma vez que passei a ser a principal responsável pelos sucessos, mas também pelos fracassos da equipa. Como é compreensível, os insucessos geram receio e lidar com eles torna-se uma tarefa árdua. Tornou-se essencial desenvolver a capacidade de enfrentar os revezes com resiliência e determinação, transformando cada obstáculo numa oportunidade de aprendizagem e crescimento tanto para mim como para a equipa que lidero. Adicionalmente, foi um período de profunda reflexão e definição científica, nomeadamente no que diz respeito aos objetivos e às estratégias de investigação que gostaria de implementar no meu laboratório.
Poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto uma visão global dos seus atuais interesses de investigação e, neste momento, qual o foco primário?
Os meus interesses científicos atuais permanecem alinhados com a minha missão inicial de descobrir novos fármacos com impacto clínico, especialmente no tratamento de doenças oncológicas. Este é, e continuará a ser, o foco primário da minha investigação. Há cerca de dez anos que estamos a estudar a biologia e farmacologia de proteínas supressoras tumorais como p53, BRCA1 e BRCA2, que durante muito tempo foram consideradas não reguláveis farmacologicamente. Tem sido um desafio muito estimulante encontrar compostos capazes de regular as suas atividades com um impacto significativo no desenvolvimento de vários tipos de cancros. Apesar de vários contratempos e desilusões científicas, nos últimos anos conseguimos identificar reguladores seletivos destas proteínas que se revelaram promissores candidatos a fármaco, sendo um deles a base da criação da startup Beat Therapeutics. Ficamos entusiasmados com o potencial impacto que estas novas moléculas podem ter na luta contra o cancro e estamos empenhados em continuar os nossos esforços para levá-las a ensaios clínicos de fase I.
A investigação e a ciência que produz é fruto de uma matriz multidisciplinar muito rica, onde se incluem áreas de estudo como a Farmacologia, a Biotecnologia Microbiana, a Oncobiologia e a Biologia Molecular. De que forma se cruzam estas áreas no desenvolvimento do seu trabalho e que conhecimentos ou abordagens únicas trazem para o estudo das proteínas relacionadas com o cancro?
A minha formação em Ciências Farmacêuticas proporcionou-me uma perspetiva multidisciplinar da investigação que valorizo muito. Sempre evitei definir áreas de estudo (ou especialidades) na minha investigação, preferindo sair da minha zona de conforto e expandir os meus conhecimentos para atender às necessidades que foram surgindo. Atualmente acho que todas as áreas se conectam de forma harmoniosa e com enorme coerência no meu grupo de investigação. A minha familiaridade com cada uma destas áreas tem-me permitido aproveitar ao máximo as oportunidades que oferecem, facilitando a comunicação entre elas no sentido de maximizar as estratégias de investigação. Em particular, esta multivalência tem facilitado o estudo da biologia de proteínas alvo relevantes na carcinogénese, um conhecimento que é muito relevante na identificação e otimização de reguladores farmacológicos das suas atividades.
Pode falar-nos um pouco sobre os projetos financiados, nos quais participa ou lidera, atualmente em execução? Quais as suas temáticas e principais objetivos, e de que forma estes projetos se complementam?
Os projetos mais recentemente financiados têm-se focado na validação da atividade anticancerígena de compostos líderes, com o objetivo de definir estratégias terapêuticas que maximizem as suas eficácias, no âmbito da terapêutica personalizada de doentes oncológicos. Isto inclui, nomeadamente, uma caracterização do tipo de cancro e da população de doentes oncológicos que melhor poderão beneficiar das suas utilizações. Estes dados são essenciais para a entrada destes compostos na clínica.
Desenvolve investigação vocacionada às Ciências Médicas e da Saúde, com ênfase no estudo da resistência às terapêuticas de vários tipos de cancro. De olhos postos no futuro, quais são algumas das principais questões ou pistas de investigação que espera explorar, e de que forma prevê que a investigação nesta área evolua ao longo dos próximos anos?
Na área da farmacologia oncológica, é comum lidarmos com o desafio das resistências às terapêuticas. Mesmo quando identificamos tratamentos muito eficazes, as resistências surgem rapidamente. Acredito que a ideia de um "fármaco milagroso" possa ser uma ilusão. Em vez disso, considero que a chave possa estar na personalização dos tratamentos com base nas características genéticas de cada doente, combinando terapias que atuam em vias ou alvos diferentes. Para alcançar esse tipo de abordagem personalizada é essencial fornecer aos clínicos uma maior variedade de opções terapêuticas. Espero que a investigação progrida nesse sentido, facilitando a aprovação de novas alternativas terapêuticas para os doentes oncológicos.
Ao longo dos últimos anos tem sido responsável pela descoberta de novos candidatos a fármacos através de abordagens que incluem leveduras, células humanas 2D e 3D e modelos animais. De que forma se complementam estas abordagens e como contribuem para a identificação e validação de potenciais candidatos a medicamentos de combate ao cancro?
São modelos que se complementam num gradiente crescente de complexidade. Durante muitos anos, foquei-me no desenvolvimento de modelos de levedura geneticamente modificadas que me permitissem pesquisar de uma forma mais rápida e eficaz reguladores seletivos de proteínas alvo na carcinogénese. Estes modelos têm sido extremamente valiosos para nós. Na verdade, foram os principais responsáveis pela descoberta dos candidatos a fármaco que estamos a desenvolver no laboratório. Esta identificação prévia em levedura não só acelera significativamente a pesquisa farmacológica, como também orienta a estratégia de investigação em modelos superiores. A validação do mecanismo de ação e da atividade anticancerígena realiza-se também de forma gradativa, em modelos cada vez mais próximos dos doentes oncológicos.
Considerando a complexidade biológica e a heterogeneidade do cancro, de que forma aborda e prioriza a identificação de novas potencialidades para fármacos na conceção de terapias orientadas?
Como referi anteriormente, as terapêuticas direcionadas estão programadas para serem utilizadas em terapia combinada. Só assim se conseguirá responder à complexidade e heterogeneidade do cancro. De todas as formas, priorizamos sempre moléculas que isoladamente sejam muito seletivas e eficazes na eliminação das células cancerígenas.
Foi uma das seis vencedoras da edição de 2023 do Programa Gilead Génese, evento que distingue projetos de investigação na área da oncologia, naquele que é um exemplo de já vários reconhecimentos pelo trabalho que tem vindo a desenvolver. É, com certeza, um fator de motivação, mas mais do que isso, o que significam para si estas distinções?
É, sem dúvida, um fator de motivação para toda a equipa de investigação. Esta motivação revela-se crucial quando enfrentamos caminhos que são muito longos, desgastantes e com uma probabilidade de insucesso tão elevada. Destaco aqui a iniciativa proativa da Universidade do Porto na área da inovação, procurando incentivar os investigadores com programas que reconhecem e valorizam trabalhos de investigação de qualidade, como forma de apoio e estímulo. Para além da motivação, distinções como a do Programa Gilead e do Prémio Inovação Bluepharma representam um reconhecimento científico do nosso trabalho. Num país onde a investigação científica alcançou um patamar tão elevado, sentir que estamos a acompanhar essa evolução é reconfortante e enaltece o nosso trabalho.