Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Luís Miguel Madeira
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) / Laboratório Associado em Engenharia Química (ALiCE) / Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE)

Atividade de investigação em Engenharia Química

O que despoletou o interesse pela engenharia química e de processos, e de que forma foi trilhado este já longo caminho académico e científico?
Não é assim tão longo o caminho percorrido; não sou assim tão velho… :)
Mas indo ao encontro da sua questão: julgo que o meu interesse pela Engenharia Química terá surgido com o meu pai, também ele Engenheiro Químico. Pese embora ele tivesse sempre trabalhado num setor – o dos curtumes – que não me parecia particularmente atrativo, sobretudo por razões ambientais, toda a parte tecnológica e de processos despertou-me curiosidade. Isto consolidou-se ao frequentar o ensino secundário, onde desde cedo manifestei um particular interesse pelas áreas tecnológicas, e sobretudo pela matemática. A química também me agradava, pelo que parecia que estava decidida a área em que me viria a formar. Em 1988 ingressei no IST (precisamente a mesma instituição onde o meu pai se formou), onde concluí o curso de Engenharia Química em 1993, no ramo de processos e indústria.
Durante o curso senti que nutria um gosto especial pela Tecnologia Química (que noutros países corresponde, de alguma forma, à designação que damos à Engenharia Química), que é bem distinta da Química Aplicada… O meu interesse por estas temáticas levou-me depois ao doutoramento, também realizado no IST, em Engenharia Química, na área de catálise heterogénea/engenharia das reações químicas (que concluí em janeiro de 1998).
Após uma breve incursão pelo, na altura, designado Instituto Tecnológico e Nuclear (onde realizei um pós-doutoramento), entrei para a FEUP em 1999 como Professor Auxiliar Convidado. Obtive a nomeação definitiva em 2004, passei a Professor Associado em 2011 (tendo realizado as provas de agregação em janeiro de 2020), e passei a professor catedrático em 2022. Todas as atividades na FEUP foram realizadas no Departamento de Engenharia Química.

A sustentabilidade, a energia verde e a eficiência energética são temas recorrentes na investigação que desenvolve. Na sua opinião, quais destacaria como as grandes e atuais oportunidades da engenharia química para enaltecer, promover e capitalizar práticas sustentáveis?
Durante cerca de 11 anos fui diretor de cursos de Engenharia Química (EQ) na FEUP (Mestrado Integrado e mais recentemente Licenciatura e Mestrado). Quando fazia a divulgação dos ciclos de estudo aos candidatos do secundário, nas sessões de esclarecimento de pais, ou mesmo aos estudantes que já estavam na FEUP, referia constantemente que é um curso de banda muito larga, com muitas oportunidades profissionais. Todas as temáticas que se apresentam como grandes desafios da sociedade carecem de contribuições tecnológicas, da engenharia e, naturalmente, da Engenharia Química, pela sua abrangência. Todas as temáticas que refere na sua questão – sustentabilidade, energia renovável e eficiência energética – entre muitas outras, carecem de importantes contributos da EQ. Por isso, todas elas são temas recorrentes na investigação que não só eu como muitos outros investigadores desenvolvemos. Se olhar, por exemplo, para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU, será imediato neles identificar grandes oportunidades da EQ para enaltecer, promover e capitalizar práticas sustentáveis. Vou dar apenas alguns exemplos, de algumas dessas áreas que me parecem essenciais: na saúde, no tratamento e gestão da água (e do ar), em inúmeras intervenções relacionadas com a utilização de fontes de energia renovável, na industrialização e descarbonização, na inovação, na construção de cidades sustentáveis, na adoção de práticas de economia circular, no combate às alterações climáticas, entre muitas outras.

Poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto quais as pistas de investigação que atualmente lhe suscitam mais interesse e porquê?
A resposta a esta questão está na pergunta anterior. Julgo que a EQ tem e terá um papel essencial na sociedade, pelo que os desafios societais carecem de particular atenção. Assim, temas relacionados com: i) a captura e valorização do CO2, ii) o desenvolvimento de processos industriais mais sustentáveis (por exemplo, para a produção e purificação de hidrogénio evitando o uso generalizado de combustíveis fósseis), iii) a perspetiva de adoção de práticas de economia circular e iv) o combate à poluição, em particular da água (mas também do ar), são temas recorrentes na investigação que desenvolvo. De entre estas temáticas, o da captura e valorização do CO2 por conversão em metano tem despertado o interesse de vários parceiros, nacionais e estrangeiros; inclusivamente, foi-nos recentemente atribuído um prémio internacional de grande prestígio pela multinacional francesa Air Liquide, a qual nos financiará um projeto nos próximos 3-4 anos (mais informações aqui).
Mas há, naturalmente, outras temáticas em que pretendo apostar e que me suscitam particular interesse, como é o caso de uso de veículos energéticos alternativos ao hidrogénio (a amónia é um desses exemplos, digamos que é um “hot-topic”), bem como a valorização do biogás.

De que forma perspetiva a evolução da engenharia química nos próximos anos, especialmente em termos de inovação e impacto ambiental?
As contribuições da EQ terão sempre de ir ao encontro do que a sociedade necessita, pelo que a inovação em termos de novos materiais, de novos produtos e de novos e mais eficientes processos não terminará. Obviamente que, para problemas tão abrangentes como os que temos referido ao longo desta entrevista, o recurso a equipas e metodologias multidisciplinares é essencial, pelo que isto terá que ser feito em paralelo com o uso de novas ferramentas (a inteligência artificial é apenas um dos exemplos), bem como em estreita parceria com profissionais de outras áreas.
Estou, portanto, certo que a EQ continuará a ter um impacto tremendo em termos de inovação e impacto ambiental. Recorda-se de, no início da minha entrevista, ter falado na inspiração que o meu pai me transmite e transmitiu, e que ele trabalhou na indústria dos curtumes? Este setor caiu muito nas últimas décadas, entre outras razões pelas suas implicações ambientais, mas as empresas que souberam inovar e minimizar os seus impactos ambientais tiveram sucesso, e continuam a prosperar; acredito que continuará a ser assim o futuro da EQ – a evoluir com vista à inovação e desenvolvimento de novos materiais, produtos e processos, com menos impactos ambientais.

Na sua opinião, de que forma pode ainda a academia alavancar e potenciar a promoção e o desenvolvimento de tecnologias verdes, para além da aposta na ciência e na investigação?
A academia já o tem feito, mas tem que promover cada vez mais uma ligação mais forte à indústria, e à sociedade; sempre pensei e atuei nesse sentido. Dessa forma, devemos trazer para a Universidade novas temáticas e linhas de ação, alinhadas com problemáticas atuais. A incorporação de inovação e de temáticas relacionadas com “tecnologias verdes” (para usar a sua designação…) nos curricula é um exemplo disso mesmo, por forma a que os nossos graduados (e não apenas os investigadores) possam estar conscientes destas problemáticas e dar contributos efetivos para a sociedade. Por outro lado, temos que promover um constante diálogo com a indústria e com a sociedade, para que a investigação feita não fique dentro de portas.

Atualmente assume a coordenação científica do LEPABE. Neste âmbito específico, quais diria serem as grandes ambições do Laboratório para um futuro próximo?
O LEPABE é uma unidade de investigação que teve grandes líderes no passado (Professores Carlos Costa, Luís Melo e Arminda Alves), que sempre foi avaliada como Excelente pela FCT, pelo que a “herança” que me foi passada é pesada – no bom sentido... Contudo, tem uma grande riqueza – os recursos humanos que a constituem. Somos cerca de 250 pessoas com formações muito diversas, o que nos permite abranger inúmeras temáticas, que requerem equipas verdadeiramente multidisciplinares; isso é crucial para o progresso da investigação. Dessa forma, as grandes ambições da unidade passam não só por se continuar a afirmar a nível nacional, como também internacional, numa perspetiva de projeção como uma unidade sólida e coerente. Mas temos desafios, que passam não só pelo aumento e diversificação do financiamento, como também pela consolidação de carreiras estáveis para os nossos investigadores. Mas encaro estes desafios com otimismo, e com a segurança de que continuaremos a crescer de forma sustentável, com garantias de bem-estar e estabilidade para os investigadores, e com uma projeção cada vez maior a nível externo.

A investigação depende largamente de recursos e financiamento. Na sua opinião, quais os grandes desafios enfrentados pelos investigadores e instituições de I&D+i, e de que forma podemos contornar esses desafios?
Como referi na questão anterior, um dos maiores desafios que antevejo para o LEPABE, bem como para os investigadores e instituições de I&D+i em geral, passam pelos recursos humanos e pelo financiamento. A massa crítica existente em Portugal, e na U. Porto em particular, é de elevadíssimo nível – a formação oferecida compete a par das melhores Universidades a nível internacional, proporcionando aos nossos graduados uma formação ímpar; mas faltam-nos os incentivos para sermos capazes de reter e atrair talento. Veja-se, por exemplo, os montantes das bolsas de doutoramento… Temos por isso que investir mais, ou dar mais apoios (por exemplo, através da comparticipação no alojamento, da isenção de propinas, etc. – basta olhar para o exemplo de muitas outras instituições pelo mundo fora, não é necessário “inventar a roda”). Por outro lado, devemos continuar a aposta, que tem vindo a ser feita, de garantir maior estabilidade no emprego científico (não faz sentido pessoas com 30 ou 40 anos, ou ainda mais, continuarem com bolsas ou contratos a termo, no fundo com uma situação precária durante vários anos de investigação). Mas compreendo que não existam essas oportunidades de carreira para todos e, portanto, temos que incentivar alguns dos jovens investigadores a serem empreendedores, a procurarem o seu espaço na indústria (e noutros setores), que felizmente parece cada vez mais capaz e interessada em absorver algum do talento gerado.
Naturalmente que a concretização de muitas destas medidas depende da disponibilidade de financiamento – se o Orçamento do Estado para a investigação e para o ensino superior não aumenta, não nos resta alternativa senão procurarmos diversificar as fontes de financiamento, em particular das próprias unidades, centros de investigação e laboratórios, o que no LEPABE já temos vindo a fazer há alguns anos.

Em 2015/16 foi distinguido com o Prémio de Excelência Pedagógica e, em 2020, galardoado com o Prémio de Excelência Científica (ambos atribuídos pela FEUP). Não só como cientista, mas também enquanto Professor, mentor e orientador, em que sentido gostaria de ver evoluir a academia e a investigação, neste casamento tão fundamental?
Sempre tive como orientação própria, na minha carreira profissional, uma dedicação equilibrada em ambas as componentes – Pedagógica e Científica – o que viria a ser reconhecido na FEUP com a atribuição desses dois Prémios de Excelência; orgulho-me de ter sido o primeiro a conseguir ambos os reconhecimentos, mas sei que outros colegas também já o conseguiram, o que muito me apraz.
Diz, e bem, que é um “casamento fundamental” a ligação entre as atividades pedagógicas com as de investigação. E é precisamente nesse sentido que gostaria de ver evoluir a academia e a investigação, promovendo e fortificando essa ligação; e posso dar muitos exemplos: integrando cada vez mais a investigação no ensino, trazendo para as “salas de aula” o que se faz (e bem) nos nossos laboratórios, dando a conhecer aos estudantes o que se faz nos nossos centros de investigação.


Poderá consultar mais informações sobre o docente e investigador aqui.


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