Atividade de investigação em Economia
O que despertou inicialmente o seu interesse pela economia? Que marcos destacaria como fundamentais para a definição do seu percurso académico e científico?
O meu interesse pela economia surgiu no liceu. Eu gostava muito de compreender os fenómenos sociais, e por isso cheguei a pensar fazer a licenciatura em sociologia. Mas depois pensei um bocado na empregabilidade – que não me parecia grande coisa na sociologia e era claramente melhor na economia. Por outro lado, eu tinha muito boas classificações em quase todas as disciplinas, incluindo matemática. Economia apresentava uma elevada empregabilidade, aproveitava melhor a transversalidade das minhas aptidões e permitia compreender fenómenos sociais. A opção foi, ainda, facilitada porque o liceu D. Manuel II – onde sempre andei e queria continuar a andar, com uma data de bons amigos – oferecia turmas na “área C” (economia). Após terminar a licenciatura em economia na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) em 1987, concorri para assistente estagiário e tive a sorte de entrar. Estive onze anos sem exclusividade, com atividade paralela como economista profissional livre, mas fui fazendo o mestrado e fui gostando cada vez mais de aprender e ensinar: fui descobrindo a vocação para ser professor. Em 1997 fiquei viúvo e tinha uma filha de dois anos para acompanhar, pelo que precisava de deixar de trabalhar sete dias por semana. Isso combinou-se com uma perceção clara de que a vida não deve ser adiada, a vocação não pode ser desperdiçada. Em 1998 tomei a decisão de ficar em exclusividade na FEP e fazer o doutoramento. Desde então estive sempre em exclusividade na FEP, iniciando e percorrendo a carreira académica e científica propriamente dita.
O atual contexto social e económico é extraordinariamente fértil em matéria de temas prementes para a investigação, que importa estudar e documentar para aprendizagens futuras. Que pistas de investigação destacaria como as que, atualmente, se revestem de maior potencial para mudanças significativas no contexto macroeconómico?
Um primeiro tema muito premente é o envelhecimento da população no mundo ocidental, que tem fortes implicações sobre a economia e sobre a gestão das empresas. Na economia, as questões mais óbvias são a sustentabilidade da Segurança Social e do Sistema Nacional de Saúde. Por outro lado, o envelhecimento altera imensos mercados, por exemplo porque o perfil de consumidores vai mudando e cria mercados, como o da residência assistida de idosos. O envelhecimento altera as condições para o crescimento económico, limitando os recursos disponíveis e implicando taxas de poupança mais elevadas, para as quais urge encontrar alocações produtivas. Um segundo tema é a desigualdade de rendimentos e de riqueza. Nas últimas décadas tem-se assistido a uma diminuição das desigualdades entre os países, mas a um aumento das desigualdades dentro de si mesmos, sobretudo nos desenvolvidos. Mesmo que esse aumento possa estar sobrevalorizado (não é fácil medir a desigualdade), a desigualdade extrema entre o topo e a base da sociedade é cada vez menos tolerada no nosso atual estado civilizacional. Em países emergentes, a já crónica desigualdade entre as elites políticas e a generalidade da população é cada vez mais visível. Em países desenvolvidos, a diferença entre os mais ricos dos mais ricos e os mais pobres dos mais pobres, aparentemente em consequência da globalização e das evoluções tecnológicas, é cada vez menos tolerada. Uma terceira preocupação diz respeito às alterações climáticas. Os impactos sobre a atividade económica e financeira são múltiplos e talvez ainda não bem conhecidos, o que requer mais conhecimento para definir intervenções adequadas. Por exemplo, nos mercados financeiros há verdadeiramente um novo tipo de risco que precisa de ser coberto. Outro exemplo relaciona-se com a política monetária, que segundo alguns deve adotar procedimentos que promovam a sustentabilidade ambiental.
Especificamente no que diz respeito à inflação, o aumento das taxas de juro continua a desafiar os bancos centrais a nível global e a impactar significativamente o quotidiano de todos nós. O que nos diz a ciência sobre estratégias para controlo da inflação, mantendo ao mesmo tempo o crescimento económico?
Antes de mais, a ciência diz-nos que uma taxa de inflação baixa e estável é essencial para que os agentes disponham de um ambiente macroeconómico favorável, que os leve a decidir utilizações eficientes para o seu trabalho, a sua poupança, o seu investimento e, portanto, a gerarem um crescimento económico robusto, emprego elevado e desemprego baixo. Neste momento (depois das últimas cinco décadas com progressos enormes no conhecimento sobre a macroeconomia e a política macroeconómica), a ciência diz-nos que para assegurar o controlo da inflação é necessário, em primeiro lugar, manter bancos centrais independentes. Isso significa bancos centrais autónomos dos governos, estatutariamente comprometidos com uma taxa de inflação baixa (o consenso atual é uma meta de 2% ao ano), que atuam de forma transparente e são responsabilizados perante a opinião pública e o poder político. Os bancos centrais devem gerir as expectativas de inflação de forma a manter o valor observado da inflação na meta. No essencial, subindo (descendo) as taxas de juro oficiais (diretoras) para desacelerar (estimular) a procura de bens e serviços de forma a combater períodos de expansão da atividade real e de pressão inflacionista (de recessão e tendências desinflacionistas ou deflacionistas). Uma segunda condição que hoje se realça é o controlo do peso da dívida pública sobre o produto interno bruto. No fundo, é preciso que a política orçamental não prejudique a missão e a eficácia da política monetária, assegurando a sustentabilidade das finanças públicas. Os governos podem auxiliar na estabilização cíclica, o que implica défices nas recessões, desde que assegurem excedentes nas expansões, não incorrendo, portanto, em défices crónicos e aumentos sistemáticos do seu endividamento. Sob pena de os recursos financeiros disponíveis para o investimento produtivo serem (ainda mais) escassos, e a qualquer momento poder haver uma crise da dívida que geraria instabilidade financeira e mais dificuldades à política monetária.
Com os rápidos avanços em tecnologias como fintech, gestão mais eficiente de cadeias de abastecimento, energia verde, de entre outros exemplos que poderíamos nomear, como prevê que as novas inovações e desafios macroeconómicos influenciem a reconfiguração dos mercados financeiros e da política económica nos próximos anos?
A fintech vai seguramente revolucionar o mercado bancário, os mercados e instrumentos financeiros em geral. Isso terá implicações sobre o funcionamento desses mercados e a sua regulação e supervisão; terá implicações sobre as decisões de poupança e sobre a sua alocação a investimento em capital produtivo e, portanto, sobre a capacidade das economias crescerem a médio e longo prazo; afetará a organização e a gestão das empresas financeiras e também de muitas empresas não financeiras; afetará, possivelmente, a transmissão da política monetária, alterando o funcionamento de alguns dos seus canais de transmissão, como o canal de crédito; afetará a configuração do espectro de políticas monetárias e financeiras, como por exemplo a relação entre política monetária e as políticas macroprudencial e de supervisão financeira. A sociedade poderá ficar mais eficiente, em termos de poupança, investimento e crescimento, mas terá novos riscos que importa conhecer e controlar. A moeda digital – um passo importante e novo no processo de desmaterialização monetária, em curso há várias décadas – poderá alterar profundamente o funcionamento do sistema de pagamentos e as políticas monetária, de supervisão e macroprudencial. Por exemplo, discute-se muito neste momento se os bancos centrais deveriam emitir moeda digital. Isso poderia revolucionar a política monetária. E poderia revolucionar a relação entre os bancos centrais e o sistema bancário, e revolucionar o próprio sistema bancário. Em geral, o progresso das tecnologias digitais e da sua aplicação ao sistema monetário e financeiro requer indubitavelmente um esforço de investigação enorme. Apesar de, nas frases anteriores, me ter focado mais nas áreas da economia e das finanças, é evidente que a gestão de empresas – em especial a financeira – poderá transformar-se profundamente.
Quais são, na sua opinião, as áreas da investigação em economia que mais urgentemente precisam de uma adaptação célere a esta transformação digital que, de resto, é inevitável em todos os âmbitos e contextos?
Penso que há imensas áreas da economia, finanças e gestão cuja investigação necessita de adaptação acelerada às novas realidades digitais. É certo que já há muita investigação que toma em consideração a digitalização. Por exemplo, hoje já é comum investigação em marketing digital, já há muitos artigos sobre moeda digital dos bancos centrais, e sobre realidades fintech como por exemplo o crowdfunding e o micro-crédito. Penso, contudo, que ainda se está a dar os primeiros passos na compreensão dos impactos da digitalização no funcionamento da economia, no funcionamento dos mercados, nas necessidades de regulação dos mercados, das possibilidades e necessidades de reconfiguração de políticas económicas. Começou-se, parece-me, por análises da realidade digital mais focadas em técnicas e instrumentos, análises do domínio do conceptual e do operacional. Mesmo aí há muito a desenvolver. Por exemplo, como muda a gestão financeira das empresas com o advento e desenvolvimento da fintech; como podem as possibilidades de condução da política monetária mudar num mundo de moeda digital; e tantos outros. O grande desafio, parece-me, é ir mais fundo, chegar ao núcleo das teorias e dos modelos de análise económica – micro, macro, financeira e da gestão – e analisar em que medida continuam válidos ou têm de ser revistos para se adaptarem à nova realidade digital. Estou a pensar na teoria do consumidor, nas funções de produção e de custo que costumamos usar, na especificação dos modelos dinâmicos de equilíbrio geral, entre muitas outras teorias e modelos. O campo de análise é vastíssimo, parece-me. Eu não consigo ver o seu horizonte.
Atualmente assume a direção do cef.up (Centro de Economia e Finanças da Universidade do Porto). Poderia partilhar com a comunidade científica da U.Porto os objetivos e impactos das principais iniciativas do Centro?
Os grandes objetivos do cef.up são, em primeiro lugar, avançar a fronteira do conhecimento através de investigação científica de qualidade, reconhecida nacional e internacionalmente pela sua natureza inovadora; em segundo lugar, influenciar significativamente a academia e a sociedade através da disseminação dos resultados da investigação científica pela academia, decisores políticos e outras audiências nos setores público e privado e, por fim, formar e munir de competências avançadas uma nova geração de investigadores, bem como os investigadores seniores, ao longo das suas carreiras. As atividades e iniciativas do cef.up são inúmeras e não posso aqui apresentar mais do que alguns exemplos. Para o primeiro objetivo, mantemos um ambiente de investigação favorável, oferecendo recursos e incentivos adequados. Promovemos seminários, cursos avançados e workshops liderados por académicos de destaque internacional, garantimos apoio financeiro para missões científicas e oferecemos acesso a recursos computacionais e de dados. Temos um programa de incentivos que recompensa os autores de publicações de alta qualidade com meios adicionais. Para o segundo objetivo, refinamos e aprofundamos as estratégias de disseminação do conhecimento que geramos, e impulsionamos o envolvimento dos investigadores na divulgação académica e comunitária. O centro aposta na comunicação externa e interna, e organiza frequentes eventos internacionais. Muitos dos nossos investigadores envolvem-se em atividades de consultadoria, capitalizando a sua expertise ao serviço da sociedade. Em termos do terceiro objetivo, o cef.up acolhe dois programas doutorais da FEP – doutoramento em economia e doutoramento em gestão – organizando cursos avançados por investigadores de prestígio internacional, apoiando os estudantes com bolsas de investigação e financiando a disseminação da sua investigação. Os nossos cursos avançados são também oportunidades de atualização e requalificação de investigadores sénior.
De que forma investe o cef.up na multidisciplinariedade e no relacionamento com a indústria, e que grandes recompensas advêm deste investimento para a missão da Unidade de I&D em contribuir para o debate público sobre políticas económicas?
Desde a sua formação em 2009 – por fusão dos dois centros de economia da FEP, o CEMPRE (macroeconomia) e o CETE (microeconomia e finanças) – o cef.up acolhia essencialmente investigadores nas áreas da economia e das finanças. Em 2021 alterámos os nossos estatutos e alargámos o centro a todas as áreas da gestão, sendo atualmente o centro de investigação de todas as áreas nucleares da FEP – economia, finanças e gestão. Estamos ainda numa fase de intensificação das sinergias entre a investigação em economia e finanças, por um lado, e a investigação em gestão. É a essa multidisciplinariedade e interdisciplinariedade que atualmente dedicamos mais atenção e recursos. Por exemplo, iremos contratar um investigador FCT-Tenure especialista em envelhecimento, potenciando a investigação sobre essa multifacetada problemática. Iremos contratar outro investigador FCT-Tenure especialista em microdados, adequados a investigar problemas no cruzamento da economia e da gestão. E iremos contratar outro investigador FCT-Tenure especialista em métodos quantitativos para gestão, visando aprofundar o uso da econometria na investigação em gestão, aproximando-a da economia e finanças. O cef.up não tem uma estratégia específica para ligação à indústria. Os nossos investigadores com competências reconhecidas na sociedade e nas instâncias de política económica são muito frequentemente convidados para trabalhos aplicados. A procura é mais dirigida a investigadores específicos do que ao centro em geral. Nós acreditamos na liberdade de iniciativa. Não deixamos, claro, de acolher essas atividades de consultadoria e análise aplicada, das quais retiramos benefícios substanciais em termos de prestígio e notoriedade. Mas não somos um hub de consultadoria. Orgulhamo-nos, seja como for, de ter vários investigadores que são muito ouvidos em termos de análise a políticas públicas como por exemplo na saúde, energia, inovação, empreendedorismo, finanças públicas, entre muitas outras áreas.
Gostaríamos de terminar com um conselho. O que gostaria de partilhar com os jovens investigadores que estão a iniciar as suas carreiras na área da economia? Que competências e perspetivas considera serem fundamentais para enfrentar os desafios globais futuros?
No início, aconselho os jovens investigadores a fazerem um doutoramento numa instituição que ofereça um programa doutoral robusto, com pelo menos dois a três semestres de unidades curriculares que cubram as grandes áreas da economia – economia matemática, microeconomia, macroeconomia e econometria. Que escolham um programa assegurado por um corpo docente competente, combinando adequadamente professores/investigadores mais experientes e professores/investigadores mais jovens, atualizados e dinâmicos. Preferencialmente, um programa doutoral em que sejam expostos a investigadores/professores de outras universidades/unidades de investigação, e no qual tenham oportunidades para fazerem pelo menos um dos ensaios da tese num outro departamento. Depois do início, aconselho-os a manter uma visão de ‘banda larga’. Um dos maiores problemas de hoje, parece-me, é a hiperespecialização. Ter uma cultura geral alargada – de economia e de outras áreas do saber e da cultura – é fundamental para se ser verdadeiramente um excelente investigador (e professor), com capacidade para ver as coisas com distância crítica, para ir atualizando abordagens – num mundo em que tudo muda tanto, em tão pouco tempo. Um investigador/professor excelente nunca será apenas um excelente técnico. Um cientista tem de ser curioso e imaginativo, e para isso é necessário conhecer o mundo, conhecer ideias de outras áreas do saber, estar atento ao que se passa em áreas de economia/finanças/gestão que não sejam a sua, estar atento ao mundo, estar informado da história e estar sensível à cultura e à arte.
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