Atividade de investigação em Estudos de Género
Tem percorrido um percurso académico e científico profundamente dedicado ao estudo das questões de género e temas que gravitam esta órbita (e.g. a sua influência nos movimentos sociais, a violência de género ou o feminismo). Que momentos ou experiências pessoais, académicas e científicas foram decisivos na definição desta trajetória?
Nós temos várias influências e às vezes ao falar de umas podemos esquecer outras, mas a definição dos meus interesses na vida foi realizada a partir de algumas influências cruciais. A escola, nomeadamente no liceu de Castelo Branco, o meu pai e depois também alguns grupos de adolescentes de que fiz parte, de entre eles vários movimentos para os leigos da Igreja Católica e que tinham uma perspetiva antifascista, de intervenção e mudança social e de luta pelos direitos humanos. No liceu tive uma professora de geografia, Adelaide Salvado, por quem tenho um apreço imenso, que um dia chegou à sala da aula e mandou riscar um dos manuais – antes do 25 de Abril, o manual era sagrado, quase não se podia sujar nem deteriorar de maneira nenhuma. A página que a minha professora mandou riscar falava sobre a América Latina. A professora mandou riscar aquela parte porque o que lá estava escrito era mentira: no manual fascista estava escrito que a América Latina estava subdesenvolvida por causa da falta de comunicações mas, na verdade, a professora dizia que a América Latina estava subdesenvolvida porque os Estados Unidos não permitiam o seu desenvolvimento económico e social. Além dela, tive também a influência de outros professores e outras professoras, nomeadamente de filosofia e de história, e do meu pai que era uma pessoa também antifascista e que, de alguma maneira, participou na oposição. Portanto, tive o azar, mas também a sorte, de ter vivido a minha infância e pré-adolescência ainda no fascismo e isso permitiu-me conhecer uma sociedade muito desigual, muito autoritária, muito repressiva para as mulheres, para as pessoas LGBTQIA+, para os pobres, para as pessoas, por exemplo, dos países africanos que na altura estavam sob o jugo português. Havia realmente uma repressão, uma censura das notícias, e nós tínhamos de fazer passar as notícias – este ‘nós’ é plural, mas estático: o coletivo não fazia nada, mas acabávamos por ter acesso à informação através de outras pessoas que lutavam por uma sociedade mais justa, democrática e igualitária. Iniciei essa intervenção na adolescência, nos grupos juvenis, inicialmente também em grupos que defendiam a importância da mulher na sociedade. Os direitos das mulheres não vieram logo com o 25 de Abril, foi preciso uma luta acrescida. Inicialmente eu não estava de acordo que houvesse grupos de mulheres, mas, de facto, fui-me apercebendo que tínhamos de nos unir e fizer finca-pé dos nossos direitos. Tudo isto foi construindo as minhas decisões, a minha filosofia e a minha forma de estar na vida. Fui para a universidade, comecei a lecionar na área e comecei a fazer investigação, seguindo os passos das investigadoras e dos investigadores mais velhos. No Minho, por exemplo, participei num projeto com as escolas para diminuir o insucesso escolar e prevenir o abandono. Tudo isto são preocupações sociais, mas nunca fiz nada sozinha. Costumo dizer que sou como o colibri, vou dando o meu contributo pequenino, e aprendi com outras pessoas que deram muito mais do que eu, e que ainda hoje dão muito mais do que eu, mas fui engrossando este rio, este conjunto de pessoas que pensa, escreve e faz para que a sociedade seja mais equilibrada. Fico doente por saber que há bairros sociais no Porto sem luz e sem água em plena terceira década do séc. XXI, é inadmissível. Há o mínimo de condições sociais que deviam ser de acesso a todas as pessoas. Passaram 50 anos do 25 de Abril e nós vemos isto acontecer numa cidade como o Porto. É humanamente inadmissível que uma família não tenha água, luz e gás. As pessoas doam alimentos, mas esquecem-se que o mais importante é haver condições para as pessoas viverem, porque os alimentos por si só não conseguem colmatar uma necessidade. Lembro-me, por exemplo, de ver crianças descalças irem para as escolas com os pés enregelados, sem sandálias, sem tamancas, descalças no inverno. É esta conjugação de influências, mas também esta experiência de vida. Sinto-me muito feliz, muito contente por aqui chegar e perceber que dei e continuo a dar os meus contributos para a mudança de algumas coisas. Simultaneamente também não me sinto imprescindível e não sou insubstituível, e sou muito feliz por ter tido estas influências e por ter, de alguma maneira, feito alguma coisa com elas.
Foi recentemente distinguida pela FCT pelo seu trabalho “Porque a tua lição é esta: fazer frente”: Mulheres Invisíveis no 25 de Abril e Além – Um Estudo sobre a Participação e Contribuição das Mulheres das Classes Trabalhadoras e Populares nos Movimentos Sociais Portugueses (1972-1979). O que gostaria de destacar sobre a influência das mulheres (destas mulheres particularmente, com uma voz menos sonora) nos movimentos e transformações sociais a que assistimos durante e pós 25 de Abril?
Também tenho muito apreço pelas outras mulheres, das classes eruditas ou das classes médias, que participaram na luta pelo 25 de Abril e, eventualmente, até, pela democratização do país e que tiveram um papel que não podemos ignorar. Mas essas mulheres são nomeadas nos livros de história, nas teses, nas dissertações, nas publicações. As mulheres das classes trabalhadoras e dos grupos subalternizados raramente são nomeadas. Estive na Torre do Tombo há pouco tempo e vi algumas fotografias da época – eu estive lá e lembro-me delas. Estive em várias manifestações, protestos e marchas, e elas estão e estavam lá, na luta pela habitação, pelos direitos das mulheres, pela maternidade, pelos direitos no trabalho nos vários setores. Se hoje formos ver os compêndios, por exemplo, da história das comissões de moradores em Portugal, às vezes é nomeada uma ou duas e não chegamos a usar os dedos das mãos para as contar. Estas mulheres não são lembradas. Lembro-me, por exemplo, do sindicato do serviço doméstico, das cooperativas que montaram cantinas no Porto, e elas estavam lá. Elas trabalharam, foram para a rua. Quando se institucionalizaram as comissões de trabalhadores e as comissões de moradores, as direções foram todas assumidas por homens e as mulheres foram todas esquecidas. Eu já comecei há alguns anos a tentar encontrar os nomes das mulheres dos bairros sociais, das comissões de trabalhadores, dos sindicatos destes setores mais feminizados. Apenas um ou dois nomes são conhecidos, porque foram ficando famosas por alguma razão, mas todas as outras que participaram, que estiveram lá, na luta, que correram riscos, que perderam o emprego, que correram o risco de ir, até, para a prisão, que foram levadas nas carrinhas da PIDE e ficaram, até, uma noite ou duas nas esquadras, enquanto outras foram mesmo aprisionadas. Quais são os nomes delas? Quais são as suas biografias? Toda a sociedade deve saber que todas as mulheres, de todas as condições sociais, colaboram e participam na construção social. No 25 de Abril algumas destas mulheres correram mais riscos do que outras mulheres de outras classes sociais. Podemos lembrar Maria Teresa Horta, que foi espancada na rua quando publicaram as Novas Cartas Portuguesas, bem como outras mulheres também das classes médias eruditas que também correram riscos, mas as mulheres trabalhadoras ganhavam salários de miséria e, apesar de tudo ou por causa disso mesmo, arriscaram. A seguir ao 25 de Abril, os patrões fugiram com o dinheiro das fábricas e com os equipamentos e as máquinas, e houve mulheres que estiveram à porta das fábricas, dias e noites, para não deixar sair nem o material nem os equipamentos, para tentarem preservar o seu posto de trabalho e, enfim, a sua subsistência. Estiveram lá e não tinham ninguém para tomar conta dos filhos, contra a vontade de alguns dos seus maridos, mas hoje ninguém se lembra delas. Lembro-me, por exemplo, de uma manifestação no Porto pela habitação, onde estiveram milhares e milhares de mulheres, poucos homens se viam. Foi para lembrar todas estas mulheres, que foram muitas, para resgatar as suas histórias, os seus nomes e as suas biografias, por exemplo, das camponesas. Conhecemos o nome da Catarina Eufémia, que foi assassinada, mas houve muitas outras mulheres que participaram na luta pelo trabalho com direitos no campo, pela revalorização da agricultura – e vamos ter de passar por essa luta outra vez. A ideia deste projeto foi esta, já que estamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril, embora já tenha esta ideia há muito tempo. É esta a busca que nós procuramos, resgatar os seus nomes e as suas histórias, o seu contributo e os obstáculos que enfrentaram.
A mulher queimou sutiãs, foi sufragista e desmistificou convenções que a estereotipam – foram ganhas batalhas, contudo a guerra persiste. O que há a aprender com a herança destas lutas pelos direitos das mulheres? Quais são, na sua opinião, as grandes contendas da mulher contemporânea?
O que aprendemos com estas mulheres é que não serve de nada ficarmos no nosso canto porque as coisas não acontecem: é preciso agir. É preciso juntarmo-nos a outras pessoas. As batalhas ganham-se pela interajuda e pela solidariedade entre nós, não só entre mulheres, mas entre todas as pessoas que possam ser aliadas por uma sociedade socialmente mais justa. O 25 de Abril aconteceu, o Movimento das Forças Armadas libertou-nos do fascismo, mas nada se construiu sem que as pessoas se mobilizassem e é fundamentalmente isso que aprendemos com o 25 de Abril: é preciso agir, fazer, pensar, organizar e avaliar o que se está a fazer ou o que se fez. Para além disto, aprendemos também que nada está garantido para todo o sempre. Precisamos também de alegria, de música e de dança. A paz só se constrói com alegria! Isto foi o que nós aprendemos. Há já alguns anos, temos assistido a uma diminuição dos direitos sociais, como, por exemplo, o aumento da pobreza. Neste momento, o país tem mais de 2 milhões de pessoas na pobreza e há situações de pobreza encoberta, há pessoas que estão a trabalhar e ganham um salário e, mesmo assim, precisam de ir às instituições pedir comida e não conseguem assegurar o mínimo para a sua subsistência. Como é que este país se atreve a pagar salários baixíssimos e, ao mesmo tempo, exigir estes preços da água, da luz e da habitação a níveis incomportáveis? Nós precisamos de continuar a lutar e de nos unirmos. O maior desafio agora é manter a luta e o alerta contra estas vozes “do Restelo” que querem voltar ao tempo do antigamente e que querem fazer sofrer as pessoas. Por exemplo, as pessoas que estão contra a lei da identidade de género querem que as pessoas que não se identificam como mulheres ou como homens sofram, querem obrigá-las a escolher um lado – são pessoas cruéis, que não se importam com o sofrimento dos outros. Também é preciso reivindicar direitos no trabalho, não podemos permitir que as pessoas não tenham o mínimo básico para viver e, se trabalham e produzem para outras, então é imprescindível que sejam recompensadas com um salário digno. Precisamos exigir condições sociais: é preciso regulamentar a habitação, criar condições para que todas as pessoas tenham habitação condigna. Há ainda uma luta fundamental em que temos vindo a recuar que é a do Serviço Nacional de Saúde. Temos um país completamente desequilibrado, com zonas do interior desertificadas e um litoral com sobrepopulação. Precisamos de mudar isto e não apenas com discurso político: é preciso agir e, para tal, é necessário que o interior tenha condições para as pessoas viverem com qualidade de vida, como por exemplo o acesso aos serviços de saúde, de educação. São muitas lutas, mas que podem ser travadas passo a passo. Há um conjunto de fatores sociais, sanitários, de mentalidade, culturais e artísticos, em que as influências destas condições de sofrimento, de mal-estar, de baixa qualidade de vida, afetam toda a gente. Não afetam só as pessoas que são vítimas disso, afetam toda a gente. A violência é como a água ou como o vento, vai passando e as suas influências, as suas consequências, não ficam apenas na pessoa que é vítima, são como ondas de um lago que se repercutem no resto da sociedade.
A educação para a cidadania e os direitos humanos é pedra angular na construção de sociedades mais igualitárias e inclusivas e as gerações mais novas são cada vez mais embaixadoras para a tolerância e equidade. Na sua opinião, a educação (dentro e fora de casa) está a cumprir o seu papel? Vê esperança nestas novas gerações?
Há muita esperança. Trabalho com jovens e tenho muita esperança. Primeiro, quero sublinhar que não avançámos só nas questões de identidade de género, avançámos também na luta contra a violência de género, as vítimas estão mais protegidas, há mais casas de abrigo e há mais centros de atendimento. Houve avanços significativos em Portugal e é importante reconhecê-lo. Em relação à identidade de género, parece que retrocedemos a uma sociedade em que as pessoas não podem ser felizes… não estamos a fazer todo o trabalho que é necessário fazer. Devíamos fazer mais, porque as pessoas que são contra são poucas, mas são demasiado barulhentas, são muito mal-educadas, agressivas, ofensivas e utilizam até expressões que são violentadoras da integridade moral, emocional e psicológica de outras pessoas. É preciso exigir que o Estado intervenha e não permita esta violência. Um Estado democrático tem de regulamentar e não pode permitir, por exemplo, que no Parlamento se utilize linguagem violenta, racista, misógina ou sexista para humilhar ou violentar outras pessoas. É preciso fazer mais, mas eu tenho esperança nesta nova geração. O que sinto também é que algumas das pessoas jovens se deixam levar pelos discursos manipuladores. Os discursos manipuladores nas redes sociais têm regras, há manuais para seguir e há profissionais para manipular e até criar notícias falsas. Atualmente circula um discurso de que ser transgénero está na moda; é um discurso aumentativo, é um discurso falso e de ódio. O que não querem é permitir que quem, efetivamente, sinta que é preciso fazer alguma transição, lhe seja permitido que o faça. É o que fazem estes discursos de ódio da extrema direita: pegam em 0,5% ou 0,2% de uma situação, empolam e a partir daí querem fazer sermão, querem fazer ideologia. Antigamente não havia redes sociais, havia o rádio e a televisão, mas hoje em dia, com a possibilidade de multiplicar uma dessas notícias falsas e um desses discursos falsos, o que nós temos de trabalhar é a literacia digital, que as pessoas aprendam a questionar o que veem, o que leem, e o que ouvem. Temos de fazer esse exercício. Quando eu comecei a ser feminista faziam uma série de acusações para evitar que outras mulheres se identificassem connosco. Muitas mulheres diziam “eu sou pela igualdade de direitos, mas não sou feminista!” devido à ideia que construíram das feministas. Dizia-se que as feministas eram uns diabos, os comunistas eram uns diabos, os socialistas eram uns diabos. Agora dizem outras coisas, mas o fundamento é o mesmo: é desumanizar, é diabolizar quem quer a mudança social. Penso que esta diabolização das outras pessoas é consequência da infelicidade de quem a faz, mas fazem-no de uma forma muito estratega, e por vezes levam na corrente alguns jovens e algumas jovens mais incautas que acabam por, depois, divulgar e multiplicar. Temos de colocar um ponto de interrogação: será a verdade? A educação para a cidadania é um espaço curricular na escola em que este trabalho pode ser feito com calma, com alegria, com o protagonismo dos jovens e que, do meu ponto de vista, deve ser feito com pessoas especializadas também na área da igualdade género, discriminação, violência, para que não seja uma área sujeita a nota e a classificação. Tem de ser um espaço para diálogo em igualdade de circunstâncias, em que as pessoas se sintam confiantes e tenham a oportunidade de falar, mas é preciso fazer muito trabalho, é preciso trabalhar a literacia digital, que pode ser feita também nas aulas de português, de educação visual, até nas de matemática. É preciso colocar na internet indicações do como usar a literacia digital, como questionar. Investir, por exemplo, em projetos – financiados obviamente – para que os pais e as mães, mesmo que não sejam especialistas na internet, possam ajudar os seus filhos e as suas filhas, ou em guiões para a utilização da internet, para acompanhar e ajudar.
Destacam-se também, e de uma forma preocupantemente oposta, alarmantes retrocessos nos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIA+, quer nas sociedades mais conservadoras quer nas mais liberais. Quais considera serem, hoje, os maiores desafios para os movimentos de género nestes contextos polarizados e adversos?
Um dos grandes desafios é procurar o conhecimento verdadeiro. Precisamos conhecer e não nos deixarmos embalar nesta divulgação de dados e de informações erradas, e para isso precisamos estar atentos não só àquilo que nós fazemos e ao que a nossa equipa faz, mas também ao que outras equipas fazem. Para mim, e para o movimento feminista, é muito importante a questão do saber, de conhecer a realidade. Podemos não ter a oportunidade de nos deslocar fisicamente a determinados locais, mas podemos ouvir quem lá está ou quem lá foi fazer investigação e que nos conte como é que estão as coisas. É possível conhecer a realidade através de informações fidedignas e válidas e esse conhecimento também nos vai dar uma outra abertura de espírito. Se conhecermos a realidade podemos refletir sobre como agir e o que fazer. Parece-me que, nesta altura em que estamos a recuar imenso, o fundamental é pararmos. Quando há um incêndio e depois há uma grande chuvada, vêm aquelas enxurradas cheias de lama, de terra, de detritos. O que eu sinto é que, de alguns sítios, vêm estas enxurradas. Precisamos descobrir onde nos abrigar e de que forma podemos encaminhar essas enxurradas para o oceano e começar a construir abertas. Para isso precisamos de tempo e de organização, temos de nos juntar, refletir e passar a mensagem. Na escola, é muito bom os jovens saberem matemática, geografia, português e literatura, mas, se nós não pararmos com eles e com elas para se refletir no que aprenderam e como aprenderam, essas aprendizagens, daqui por um ou dois anos, são esquecidas e não servem para muito. O que é importante é a reflexão sobre o que aprendemos e sobre a realidade que nos circunda. É preciso tentar perceber quais são as estratégias que quem perpetua discursos de ódio utiliza, identificá-las e denunciá-las. Uma coisa importante: não podemos disparar para todo o lado porque acabamos por fazer ruído.
Os temas do feminismo, da igualdade de género e dos direitos humanos nem sempre são plenamente compreendidos ou valorizados, especialmente em contextos onde persistem preconceitos, resistências ou tradicionalismos. Que estratégias considera mais eficazes para promover um diálogo aberto e construtivo, capaz de gerar maior empatia e consciência social?
É preciso, coletivamente, pensar e lembrar os direitos humanos, que são para todas as pessoas. Penso que também é importante termos tempo para nós próprias e para nós próprios para descansarmos, para fazermos férias, para sermos felizes. É preciso também passar essa mensagem de boa disposição. Há uma feminista que diz que se não houver música e dança, essa não será a revolução dela; eu concordo, sem música e sem dança, sem artes visuais, sem literatura e sem cultura, nós não conseguimos nem fazer a revolução, nem parar as enxurradas de detritos, de discursos de ódio e de rancor. É preciso mais calma, mais sedimentação do que se faz e dos resultados da nossa investigação, do impacto da nossa investigação também no público em geral, na população, na nossa cidade, no nosso país. É preciso mais calma e mais união, também.
A investigação científica, para além da educação, tem também um papel fundamental na intervenção e na transformação social. De que forma acredita que podemos – ou, melhor dito, devemos – dialogar e trabalhar para gerar um impacto direto e positivo na sociedade?
Hoje temos a ciência aberta e há uma obrigação das universidades, nomeadamente das universidades públicas que utilizam o dinheiro público, de que os seus resultados e a sua investigação sirvam para beneficiar a população que pagou impostos para nós trabalharmos. Há alguma transmissão de conhecimento também para a população em geral... mas é suficiente? As pessoas das diferentes classes sociais, das classes trabalhadoras, conseguem estar presentes, ouvir e até compreender aquilo que estamos a transmitir? Áreas como a medicina, por exemplo, dentária, nutrição ou as engenharias são áreas que também deviam ter uma preocupação democrática para que os resultados da sua investigação fossem divulgados às populações que não dominam jargão científico. É importante conseguir beneficiar a população portuguesa e não apenas quem já nos conhece, quem já sabe e quem pode ler uma revista científica e ver os resultados dessa ciência. Esse trabalho deve ser incentivado e deve ser valorizado. A ideia é que precisamos de sair da nossa redoma. Há muitos eventos de divulgação, mas é preciso perceber que os eventos têm de ser dirigidos a um público para o qual eles são efetivamente relevantes. Eventos para toda a gente não deixam de ser importantes, mas mais fundamental é conseguir que as pessoas para quem estes dados científicos e estas novas descobertas são importantes, seja na agricultura, na gestão dos recursos, na gestão da energia e por aí fora, sejam de facto as pessoas que precisam destes conhecimentos e que elas possam ter acesso a estes resultados da investigação.
A sua carreira remete-nos para uma voz muito ativa na luta pela equidade de género, naquele que é com certeza mais do que um compromisso académico e profissional. Que hobbies pessoais mantém que, de alguma forma, sejam uma extensão da sua paixão por estas causas?
Música, dança, canto. Também escrevo um diário, que foi o meu pai que me incentivou a escrever. É uma ferramenta interessante, porque parece que escrevo e que alguma preocupação fica, pelo menos, mais leve. Toco um instrumento, flauta transversal. Sou leitura-dependente, preciso de ler alguma coisa que não seja trabalhos científicos. Preciso de ler poesia, tenho sempre um ou dois livros na minha mesa de cabeceira e gosto muito de ler boas escritoras e bons escritores.
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