Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Nuno Queiroz
Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) / Associação BIOPOLIS (BIOPOLIS)

Atividade de investigação em Ciências Biológicas

Regressando ao ponto de partida, de que forma e em que altura nasceu esta paixão pela biologia, mais particularmente a marinha?
Desde criança, sempre tive imensa curiosidade por animais marinhos, sobretudo porque o meu pai tinha uma coleção de livros do explorador austríaco Hans Hass e de outros exploradores dessa época. Lembro-me de ir com ele algumas vezes à pesca e de ter visto o primeiro tubarão quando tinha 7-8 anos.

Há um interesse muito particular pelo estudo dos tubarões – é investigador principal do projeto O2SHARK – Assessing impacts of climate change on habitat preferences of pelagic sharks through the development of novel satellite tags e integra, no seu já extenso portfolio, vários outros projetos debruçados sobre estes admiráveis predadores. É justo afirmar que nutre um especial interesse e paixão pelos tubarões?
Sim, é. Embora atualmente também esteja envolvido em projetos com outros animais marinhos (ex., atuns), o foco principal da minha investigação tem sido o estudo de diferentes espécies de tubarões, nomeadamente, o tubarão-azul e o anequim. Estes animais habitam no mar alto, e sempre tive curiosidade de perceber como se comportam e movem naquela imensidão azul. Por outro lado, quando estava a frequentar o curso de Biologia, começaram a ser publicados os primeiros estudos que mostravam que muitas populações de tubarões de mar alto (espécies pelágicas) estavam a sofrer declínios acentuados por causa da sobrepesca, o que me motivou ainda mais a estudá-los. Por último, por serem animais de grande porte, são excelentes modelos para estudar movimentos migratórios através do uso de transmissores de satélite, já que é relativamente fácil colocá-los nestes animais.

Retomando o projeto O2SHARK, poderia partilhar com a comunidade académica da U.Porto em que consiste esta investigação e que principais objetivos espera alcançar, particularmente em matéria de preservação da espécie?
Hoje sabemos que o aumento da temperatura está a causar uma diminuição global dos níveis de oxigénio nos oceanos. Esta diminuição é mais acentuada em determinadas regiões, como as zonas de oxigénio mínimo (ZOM), que ocupam áreas enormes no oceano e nas quais a concentração de oxigénio diminui entre ~100 e os 800m de profundidade. Os tubarões (e outros animais marinhos) têm movimentos verticais entre a superfície e os 2000m, mas nas ZOM estão restringidos à parte mais superficial, e por isso tornam-se mais vulneráveis à captura por barcos de pesca comercial. No entanto, não há atualmente nenhum sistema ou ferramenta capaz de medir diretamente, e em condições reais, a concentração de oxigénio a que o animal está exposto. Portanto, estamos limitados na nossa capacidade de perceber quais, e como variam, os valores limite de oxigénio responsáveis por alterações do comportamento dos predadores marinhos e, consequentemente, quais os efeitos globais e a longo prazo das alterações climáticas. É esse o grande objetivo do O2SHARK: desenvolver novos transmissores de satélite capazes de medir, em simultâneo, a temperatura da água do mar e a concentração de oxigénio dissolvido, ao longo do tempo. Estes dados são então recolhidos e posteriormente enviados remotamente, permitindo-nos analisar variações ou padrões durante um período máximo de ~150 dias. Se conseguirmos perceber melhor o efeito que o aquecimento e a desoxigenação têm no comportamento dos tubarões, poderemos prever e/ou identificar zonas de maior vulnerabilidade para os animais e propor medidas de conservação, como por exemplo, criação de zonas de proteção marinha para proteger e preservar espécies pelágicas.

Desenvolve investigação e estuda a ecologia dos movimentos e a megafauna marinha. Quais as pistas de investigação e que resultados, à data, destacaria como os mais fundamentais em matéria de conservação das espécies?
Dos estudos até agora realizados, destacaria dois: um em que comparámos os movimentos dos tubarões com a frota pesqueira (‘Ocean-wide tracking of pelagic sharks reveals extent of overlap with longline fishing hotspots’) e outro em que analisámos o comportamento de cerca de 2000 tubarões no mundo inteiro com frotas globais de pesca (‘Global spatial risk assessment of sharks under the footprint of fisheries’). No primeiro caso, os resultados mostraram que os tubarões passavam muito tempo numa região do Norte Atlântico (North Atlantic Current e Evlanov Sea basin MPA) que na altura estava a ser proposta como área protegida, pois é uma zona onde muitas aves marinhas se agregam. Ao mostrarmos que essa zona era igualmente importante para tubarões, contribuímos para aumentar a relevância desse local e para acelerar a sua validação/aceitação como zona de proteção marinha pela OSPAR, uma convenção marinha regional da qual fazem parte mais de 14 países, cujo objetivo é a proteção do meio marinho do Atlântico Nordeste.
Já o segundo estudo referido acima, revelou que uma espécie de tubarão pelágico (anequim/mako – Isurus oxyrinchus) estava em níveis elevados de sobrepesca. Quando apresentado numa reunião da CITES (a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção), que atribui diferentes graus de proteção a diversas espécies, motivou a inscrição do tubarão-anequim no Anexo II, que inclui espécies que não estão necessariamente ameaçadas de extinção, mas cujo comércio deve ser controlado para impedir uma exploração incompatível com a sua sobrevivência.

Também aborda e desenvolve investigação nas áreas da ecologia das pescas, da dinâmica dos ecossistemas e das áreas marinhas protegidas. De que forma se intersetam estas áreas de estudo e que implicações têm para a conservação e gestão do ambiente marinho?
Há dois exemplos que posso referir onde o estudo do comportamento dos tubarões, do movimento dos barcos de pesca e as zonas de conservação marinha se podem intersectar. 1) as ZOM, onde os tubarões se concentram perto da superfície e ficam mais vulneráveis à captura; os resultados por nós obtidos mostram que, quando comparamos os movimentos dos tubarões com os movimentos dos barcos de pesca, nas ZOM, os pescadores passam menos 30% do seu tempo a procurar as suas espécies alvo (geralmente espadartes, atuns e tubarões). Isto porque a abundância de predadores marinhos perto da superfície é mais elevada nestes locais devido ao facto destes predadores estarem mais restringidos dentro destas áreas do que nas áreas adjacentes, onde a concentração de oxigénio não é limitante; 2) as zonas frontais. São zonas no oceano onde a temperatura varia rapidamente (zonas com gradientes de temperaturas elevados) e onde as presas dos tubarões se agregam e, portanto, zonas onde os tubarões passam bastante tempo. E claro, os pescadores são igualmente especialistas a encontrar estas regiões, onde o risco de captura é geralmente mais elevado. Estas zonas serão também zonas candidatas à implementação de áreas marinhas protegidas.

Quais são, na sua opinião, os maiores e mais prementes atuais desafios no domínio da conservação marinha, especialmente considerando fatores de elevado impacto como sejam as alterações climáticas, a sobrepesca e a destruição de habitats naturais?
No caso dos predadores marinhos com valor comercial (como atuns e algumas espécies de tubarões) ou de espécies que são capturadas de forma não intencional (ex., tartarugas marinhas e muitas espécies de tubarões protegidas), certamente que a sobrepesca é o fator mais importante no seu declínio populacional. Além disso, a gestão da pesca é feita com base em quotas máximas ou na libertação imediata após captura (no caso de espécies protegidas), quer os animais estejam vivos ou mortos. No entanto, neste último caso, os tubarões muitas vezes já chegam mortos aos barcos ou acabam por morrer logo a seguir e, portanto, esta medida de gestão da pesca não impede taxas de mortalidade altíssimas. Assim, um dos grandes desafios é conseguir fazer uma gestão espacial da pesca de acordo com áreas que vão sendo ocupadas pelos tubarões, por exemplo, implementando zonas de proteção totais ou parciais (que só existem num determinado período de tempo). Por outro lado, as alterações climáticas estão a causar mudanças na distribuição de muitas espécies e, em casos particulares (como nas ZOMs), a aumentar o risco de captura. Parece haver também um efeito claro e rápido das ondas de calor marinhas, quer no comportamento, quer na sobrevivência de algumas espécies pelágicas. Assim, um outro desafio é identificar e propor zonas de proteção marinha resilientes às alterações climáticas, isto é, que protejam as espécies no presente e no futuro. Desta forma, estaremos também a contribuir para maximizar a capacidade de adaptação destes animais a alterações climáticas.

E em matéria de oportunidades o que podemos e devemos, não só do ponto de vista científico, mas coletivamente enquanto sociedade, considerar e implementar?
Um dos grandes objetivos da pesca ao tubarão é o comércio das barbatanas para a sopa-de-barbatana-de-tubarão que, na China, é um símbolo de status social. Têm sido feitas bastantes campanhas na China, com sucesso relativo, para que o consumo da sopa diminua. Na Europa, as companhias aéreas têm sido, por exemplo, pressionadas a não transportarem barbatanas para o mercado oriental, tendo já algumas delas aderido a esta interdição. Portugal e Espanha estão entre os países que mais tubarões pelágicos capturam e, em ambos os países, a carne de tubarão é comercializada e servida em restaurantes nacionais (ex.: cação/tintureira). Uma forma de contribuirmos a nível individual para a preservação destas espécies, é evitando a compra e consumo destes peixes. Mas será também importante atuarmos a nível político, através da implementação de melhores medidas de gestão/conservação que impeçam a pesca excessiva, garantindo a sustentabilidade de muitas espécies.

De olhos postos no horizonte, quais as suas esperanças e ambições para o futuro da investigação sobre a conservação marinha?
Os próximos tempos serão certamente desafiantes para a conservação marinha e para a investigação científica nesta área. A expectativa é que a comunidade científica em conjunto com legisladores, entidades reguladoras, empresas e sociedade civil se mobilizem e contribuam mais para a proteção de espécies emblemáticas, e de extrema importância para os ecossistemas marinhos. Mais e melhores políticas de gestão/conservação e investimento na área do mar são chave para que isto aconteça. O desenvolvimento (e a utilização) de novas ferramentas de biologging (como os transmissores de satélite), em conjunto com uma maior facilidade na obtenção de dados de pesca, permitirão certamente que, finalmente, se desenvolvam e regulem políticas de conservação espacial. Por outro lado, o estabelecimento de protocolos de colaboração interinstitucionais, com empresas tecnológicas, quer a nível nacional quer com entidades internacionais, e maior financiamento para a investigação científica, serão igualmente determinantes para desenvolver mais conhecimento, reforçar competências e promover a formação de mais recursos humanos especializados nesta área. Podemos, e devemos, aproveitar da melhor forma a vantagem de sermos o maior estado costeiro da UE, e também um dos maiores à escala mundial, para fomentar a investigação e conservação da biodiversidade marinha, preservando os oceanos e toda a vida marinha que lá habita.


Poderá consultar mais informações sobre o investigador aqui.


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