Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Pedro Luís Silva
Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES) / Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP)

Atividade de investigação em Economia de Educação

A sua tese de doutoramento debruçou-se sobre a economia do ensino superior. O que despoletou este interesse tão específico na área da economia? Que marcos destacaria do percurso académico e científico que desde então foi percorrendo?
O meu interesse pela economia do ensino superior (ES) começou durante o Mestrado na Nova SBE, onde percebi a relevância da educação no âmbito das políticas públicas. Embora específico na área da economia, o ES tem um impacto significativo para diversos agentes de tomada de decisão e é crucial para o desenvolvimento do país. Desde então, o meu percurso académico tem sido marcado por experiências em diferentes países, incluindo o doutoramento na University of Nottingham, colaborações internacionais, bem como pela publicação de artigos científicos (por exemplo, o artigo recente publicado no Journal of Human Capital). Destaco os financiamentos obtidos da FCT, que apoiaram projetos de investigação focados em desigualdades e eficiência do ES. Além disso, a colaboração com organizações internacionais, como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económicos (OCDE), tem sido fundamental para o aprofundamento do meu trabalho, contribuindo para a análise de políticas educacionais a nível global.

Tem sido um caminho salpicado de experiências internacionais (como, por exemplo, no Reino Unido e em Espanha). Na sua opinião, que boas práticas observou em contexto internacional e que destacaria como passíveis de implementação em Portugal, ao nível de políticas económicas no âmbito do ensino superior?
As minhas experiências no Reino Unido e em Espanha revelaram um conjunto de boas práticas que poderiam ser implementadas em Portugal no âmbito das políticas económicas para o ES. No Reino Unido, a avaliação anual dos estudantes e diplomados (Student Academic Experience Survey e o Graduate Outcomes), feita de forma centralizada, conta para a avaliação das instituições de ensino superior (IES). Além disso, o financiamento das IES depende da qualidade da investigação, medida pelo Research Excellence Framework (REF), e da qualidade do ensino, avaliada através do Teaching Excellence Framework (TEF). Estes sistemas, apesar de não serem perfeitos e estarem sujeitos a críticas, contribuem para que as IES se concentrem na qualidade da sua investigação e ensino, assim como no sucesso dos seus diplomados e na empregabilidade, ajustando a oferta educativa às necessidades do mercado de trabalho. Em Espanha, destaco o investimento em investigação aplicada e a promoção de redes de cooperação internacional. Outro ponto crucial é o foco na qualidade da investigação. Nestes países, o financiamento à investigação e a contratação de professores privilegiam a qualidade das publicações, penalizando claramente quem publica em revistas predatórias, como é o caso de muitas MDPI. A Clarivate, entre outros, já começou a implementar medidas para desconsiderar esse tipo de publicações. Em Portugal, os incentivos deveriam promover uma investigação de excelência, e a FCT poderia desempenhar um papel importante ao fomentar políticas que valorizassem mais a qualidade, e não a quantidade, das publicações, de acordo com o estabelecido na Declaration on Research Assessment (DORA).

Percorrendo o seu percurso científico percebemos que desenvolve muita investigação vocacionada para economia da educação, do trabalho e na área da microeconometria aplicada. Qual a sua perspetiva sobre o papel atual da economia na compreensão das implicações sociais mais amplas da educação, e de que forma pode a investigação ajudar a alavancar reestruturações significativas e necessárias?
A economia da educação desempenha um papel essencial na compreensão das implicações sociais da educação, pois permite que avancemos de estudos correlacionais para inferências causais. Através de métodos econométricos, como a análise contrafactual, podemos identificar não apenas associações entre variáveis, mas também os efeitos reais das políticas educacionais. A análise contrafactual oferece a vantagem de simular cenários alternativos, permitindo-nos responder a perguntas como "o que teria acontecido se determinada política não tivesse sido implementada?". Esta abordagem é crucial para avaliar o impacto de políticas e intervenções, ajudando a eliminar vieses e garantir resultados mais robustos. Ao focar-se em inferências causais, através de métodos econométricos de análise contrafactual, permite identificar quais políticas são verdadeiramente eficazes. Assim, a investigação em economia da educação pode alavancar reestruturações significativas, informando decisões sobre financiamento, acesso e qualidade, promovendo um sistema educacional mais equitativo e eficiente. Em Portugal, há uma oportunidade e dados disponíveis para usar essas ferramentas na formulação de políticas públicas que reduzam desigualdades e aumentem a qualidade e relevância da educação. No entanto, avaliar as políticas públicas através de análise contrafactual é algo que ainda não é usual/frequente em Portugal.

Dedica-se ao estudo de diferentes dimensões no ensino superior, como sejam a inflação das notas do ensino secundário, a admissão à universidade, a diversificação dos critérios de entrada na universidade e o desempenho dos estudantes. Com base na investigação que tem vindo a desenvolver, e na sua opinião, qual é o estado da arte atual da educação, em Portugal e no Mundo? Que grandes desafios económicos se preconizam no horizonte para o ensino superior?
Atualmente, o estado da arte da educação, tanto dentro como fora de Portugal, revela um cenário complexo, marcado por desafios significativos. Em Portugal, a inflação das notas no ensino secundário tem levantado preocupações sobre a equidade na admissão às universidades, o que pode comprometer o ideal democrático de justiça social do ES público. A diversificação dos critérios de entrada é uma tentativa de mitigar essas desigualdades, mas ainda é necessário um maior alinhamento entre as competências exigidas e as necessidades do mercado de trabalho. Os principais desafios económicos incluem o financiamento adequado das instituições, a necessidade de garantir uma formação que responda às exigências do mercado e a promoção da equidade no acesso. Além disso, a crescente importância da educação e formação contínuas ao longo da vida exige que os sistemas de ensino se adaptem, oferecendo soluções mais acessíveis e diversificadas. Para enfrentar estes desafios, é fundamental que a pesquisa em economia da educação continue a informar políticas que garantam um ES de qualidade e que promova a inclusão social, assegurando que todos os estudantes tenham oportunidades iguais de sucesso.

É atualmente um dos representantes portugueses na European Network of Graduate Tracking da Comissão Europeia. Gostaríamos de explorar as abordagens e soluções coletivas que estão neste momento em avaliação. O que entende ser urgente abordar, e que soluções já se estão a desenhar?
Como um dos representantes de Portugal na European Network of Graduate Tracking da Comissão Europeia, tenho acompanhado de perto as abordagens coletivas para melhorar o acompanhamento dos diplomados. Um dos desafios mais urgentes é a necessidade de dados mais precisos e harmonizados sobre as trajetórias dos diplomados, algo já destacado pelo Tribunal de Contas em Portugal, que salientou a falta de existência um inquérito de seguimento dos diplomados, comum para todas as IES. O Eurograduate 2022 foi o primeiro inquérito aplicado a todas as IES no país, um passo significativo para uniformizar a recolha de dados. Defendo que a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência deveria capitalizar essa iniciativa e implementar um inquérito anual, curto, aplicado a todos os diplomados (censo) de forma centralizada. Portugal tem os recursos para realizar tal exercício. Este exercício poderia ser complementado, a cada quatro anos, por uma versão mais extensa e longitudinal do Eurograduate, oferecendo uma visão mais detalhada das transições e desafios enfrentados pelos diplomados no mercado de trabalho. Além disso, há a necessidade de fortalecer a colaboração entre universidades, empregadores e governos, para que haja um certo alinhamento entre a oferta educativa e as necessidades do mercado. Soluções como estas são fundamentais para melhorar o sistema de ES, garantir a inclusão e preparar melhor as gerações futuras para enfrentar as exigências de um mercado laboral em constante mudança.

Sobre a relação entre a educação superior e o mercado de trabalho, será correto afirmar que a realidade de hoje se pauta por maior incerteza, em virtude de um período socioeconómico particularmente instável? Na sua opinião será necessário, senão mesmo absolutamente fundamental, adaptar e transformar o ensino superior de maneira a garantir gerações melhor preparadas?
A realidade atual, marcada por incerteza socioeconómica e rápidas mudanças tecnológicas, reforça a necessidade de adaptação do ES. Além da preparação de jovens para o mercado de trabalho, a formação ao longo da vida e a educação de adultos estão a tornar-se cada vez mais essenciais, como destacado pela OCDE e pela Comissão Europeia. No entanto, muitas IES ainda preferem, quando possível, aumentar as vagas no concurso nacional de acesso em vez de expandir a formação para adultos, um público cada vez mais relevante no contexto atual. A crescente importância da formação contínua exige que as universidades adaptem a sua oferta formativa a novos públicos, o que traz desafios adicionais, incluindo a necessidade de formar docentes para lidar com estas realidades. Cursos mais flexíveis e modulares, adequados às necessidades de adultos em requalificação ou atualização de competências, são fundamentais para garantir que a força de trabalho se mantenha competitiva e capaz de responder aos desafios futuros. O ES deve, assim, não só preparar os jovens, mas também liderar a oferta de formação contínua, desempenhando um papel crucial na construção de uma sociedade mais adaptável e resiliente.

Quais as grandes tendências que é já possível antever num futuro próximo, e de que forma se podem, e devem, as instituições de ensino preparar para essas mudanças?
As grandes tendências que se começam a delinear no futuro do ES incluem a digitalização, a crescente importância da formação contínua e de adultos e a internacionalização da educação. As IES devem preparar-se adotando estratégias que promovam maior flexibilidade, como o ensino híbrido (combinação de aulas assíncronas e síncronas) e à distância, e o uso de tecnologia para personalizar a aprendizagem. Um foco crescente deve ser dado à formação ao longo da vida, essencial para que os trabalhadores se mantenham competitivos. Neste contexto, as IES devem alargar a sua oferta formativa a novos públicos, como os adultos em requalificação, algo já destacado pela OCDE e pela Comissão Europeia. Nas últimas décadas assistimos à massificação do ES em Portugal nos vários ciclos de estudos. Conforme documentado em dois relatórios recentes que elaborei no âmbito dos trabalhos da Comissão Independente para a Avaliação da Aplicação do RJIES (Silva e Sarrico, 2023), Portugal tem excesso de programas de mestrado e doutoramento. A nível de mestrado, a taxa média de abandono após um ano ronda os 25%. A nível de doutoramento, existem vários programas sustentados pelos mesmos docentes e unidades de investigação. Seria importante calcular o número de doutorandos por docente de carreira com atividade de investigação na área, aquando da acreditação dos cursos de doutoramento. Há cursos de doutoramento extremamente especializados que levantam a questão da empregabilidade futura dos seus doutorados, quando se pretende promover a diversidade de percursos de carreira destes últimos. Existe assim necessidade urgente das IES reorientarem os seus recursos para programas de formação mais diversificados e ajustados às exigências do futuro, incluindo a formação modular e a requalificação profissional, que exigem também uma adaptação da formação dos docentes. As IES deveriam priorizar estas novas realidades.

De uma perspetiva macro, e com base na investigação que tem vindo a desenvolver, que mudanças políticas e societais defenderia para melhorar a eficácia dos sistemas de educação superior em Portugal?
A partir da investigação que tenho vindo a desenvolver, defendo algumas mudanças políticas e societais para melhorar a eficácia do sistema de educação superior em Portugal. Em primeiro lugar, e de acordo com o estabelecido na declaração de DORA, é crucial reorientar as políticas de financiamento, valorizando a qualidade em vez da quantidade de publicações, promovendo uma investigação de excelência. A FCT pode desempenhar um papel importante, incentivando publicações em revistas credíveis e desincentivando o uso de revistas predatórias. No que toca ao mercado de trabalho, o papel dos politécnicos deve ser valorizado, pois têm uma contribuição essencial no desenvolvimento de programas práticos, alinhados às necessidades da economia. Estas instituições deveriam ser fundamentais para oferecer formação técnica de qualidade, preparando os estudantes para as exigências imediatas do mercado em rápida transformação. Além disso, em vez de expandir indiscriminadamente a educação doutoral, as IES devem priorizar a formação contínua e a requalificação de adultos. Outro ponto crucial é o financiamento, que não deve ser canalizado exclusivamente para áreas CTEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Temos observado uma redução do apoio a áreas não-CTEM, que são igualmente vitais para o desenvolvimento equilibrado da sociedade. Disciplinas como as ciências sociais, humanidades e artes desempenham um papel central na promoção de uma sociedade mais justa, criativa e inovadora. Por fim, é necessária uma maior colaboração entre universidades, politécnicos, indústria e governo, garantindo que a oferta formativa esteja alinhada às necessidades do mercado e utilizando ferramentas como o Graduate Tracking para ajustar políticas públicas de forma eficaz e assegurar que o sistema do ES contribua eficazmente para o desenvolvimento socioeconómico do país.


Nota: as respostas a esta entrevista são individuais e não correspondem necessariamente às visões das instituições de afiliação.

Poderá consultar mais informações sobre o investigador e docente aqui.


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