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Entrevista_AdelioMendes

Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Adélio Mendes
Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) / Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE)

Percurso notável em candidaturas e projetos H2020


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto.
Licenciei-me e doutorei-me em Engenharia Química pela U.Porto, respetivamente em 26 outubro de 1987 e 7 de outubro de 1993. Iniciei o meu contrato como docente da U.Porto a 7 de janeiro de 1994, como assistente convidado, tendo apenas sido contratado como professor auxiliar convidado a 26 de outubro de 1994. Quando fui contratado como docente, aceitei o desafio de lecionar uma Unidade Curricular (UC) de Laboratórios de Engenharia Química (LEQIII). Na altura, a UC não tinha nenhum trabalho laboratorial montado, e o técnico do laboratório era jardineiro de profissão. Durante 5 anos trabalhei, quase em exclusivo, na montagem de um conjunto pedagógico de trabalhos laboratoriais inovadores – vim a publicar 19 artigos pedagógicos sobre estes laboratórios de ensino, escrevi um livro pedagógico, e iniciei a construção de uma plataforma informática para apoio à lecionação da UC, em que uma das funcionalidades é a correção automática assistida dos relatórios dos estudantes. Mas o desenvolvimento dos laboratórios passa também pelo seu financiamento. Neste capítulo, iniciei uma colaboração com a empresa CIN, no âmbito dos estágios curriculares, obtendo resultados relevantes para a empresa. Neste contexto, a empresa CIN entregou dois cheques de 100 k€ para financiamento dos laboratórios, em 2002 e 2007. Por outro lado, a FEUP licenciou, por meu intermédio, 6 trabalhos laboratoriais à empresa Armfield Ltd, no valor de cerca de 50 k€, também injetados nestes laboratórios de ensino. O ensino laboratorial é essencial na aprendizagem da Engenharia Química. Um docente não ensina; tudo o que pode fazer é provocar a aprendizagem, e sistematizar o caminho desta aprendizagem. Neste sentido, o ensino laboratorial é a forma mais eficaz e “poderosa” de ensino; preenche, nomeadamente, uma base de conhecimentos que nos permite realizar experiências conceptuais, essenciais na resolução de problemas de engenharia – constitui uma parte importante daquilo que chamamos “instinto”, “experiência” ou “sensibilidade”. Em 1996, tive o meu primeiro projeto aprovado, um projeto financiado pela FCT; em 1998, tive o meu primeiro projeto aprovado em consórcio, com a empresa Paralab; e, em 2003, tive o meu primeiro projeto europeu aprovado – tudo como investigador principal. Estimo que, até ao presente, tenha obtido mais de 30 M€ de financiamento de investigação para a FEUP, a grande maioria como investigador principal. Em 1992, cofundei a empresa Paralab, sendo o sócio principal o meu colega e amigo Rui Soares, que deixei quando fui contratado pela U.Porto. Depois disto, no meu grupo de investigação, hoje com cerca de 50 investigadores, nasceram 6 empresas start-ups, estando mais 3 em processo de formação.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Olhando para trás, conseguimos ver com mais nitidez os momentos que fizeram a diferença no nosso percurso académico. Eu destacaria 3 momentos: i) a minha decisão de aceitar ser sócio-fundador da empresa Paralab, pois isso ensinou-me a linguagem das empresas e a montar empresas – em 1992; ii) a minha decisão de fazer um pós-doutoramento na Alemanha com, agora, o meu amigo Klaus-Viktor Peinemann, porque foi com ele que aprendi a arte de escrever projetos europeus, alarguei as minhas ambições em termos de investigação, e percecionei a dimensão mundial da investigação –  em 1994, e; iii) quando fui preterido, em 2011, no meu primeiro concurso a catedrático, pois foi na esteira desse facto que: submeti e vi aprovado um projeto individual ao programa ERC de 2 M€ (Advanced Research Grant), decidi ser professor visitante na U.Aarhus, decidi participar na fundação da start-up VisBlue (Dinamarca, o nome é da minha autoria) – baterias de escoamento –, e decidi iniciar um programa muito ambicioso de criação de start-ups no seio do meu grupo de investigação, que originou já a criação das empresas Pixel Voltaic, Amnis Pura, Sea+Tech e CarboPora, estando mais três empresas em diferentes fases de serem constituídas, nomeadamente a empresa alemã Litricity.

Tendo um percurso notável em candidaturas e projetos H2020, tem uma experiência acumulada na redação de propostas. O que aconselha a ter em conta em termos do planeamento de uma proposta?
Quando me proponho a liderar um novo projeto europeu, com financiamento muito competitivo, como o dos programas ERC ou Pathfinder, tenho presente que eles têm de propor soluções disruptivas e relevantes, do ponto de vista socioeconómico. Têm de ser redigidos de forma quase perfeita, e responder ponto por ponto a todos os requisitos indicados na chamada. Finalmente, os parceiros selecionados devem encaixar na perfeição o puzzle do projeto e, na sua maioria, devem ser parceiros com provas dadas. A aprovação de um projeto é, em primeiro lugar, um ato de fé dos avaliadores na equipa de investigação, e um ato de fé no programa de investigação proposto. Neste sentido, temos de dar aos avaliadores a confiança de que eles precisam para acreditar em nós, e para acreditar no sucesso do projeto, mesmo que ele não venha a seguir o rumo previsto. Finalmente, os projetos Europeus têm de ser escritos em equipa; primeiro, porque envolvem vários parceiros e, depois, porque envolvem um conjunto alargado de competências. Não é razoável pensar que podemos escrever um projeto desta natureza sozinhos. São ainda indispensáveis os contactos com as pessoas que, na FCT, apoiam estas candidaturas e com os parceiros de projeto com maiores ligações a Bruxelas. As candidaturas devem ser “perfeitas”; mesmo assim, este é um requisito necessário, mas não suficiente. Temos de esta preparados para perder e voltar a tentar.

De que forma a docência consubstancia com a investigação financiada?
Um docente não ensina; provoca a aprendizagem, sistematiza-a, guia o estudante. Para que um estudante possa aprender, tem de sair da sua zona de conforto, tem de ser desafiado, tem de se questionar; as perguntas são a mãe das respostas, e estas, da aprendizagem. Não há nada mais poderoso do que falar na primeira pessoa: “esta área do conhecimento foi iniciada no laboratório que lidero, na vossa escola”; a história do desenvolvimento desta solução é esta e passou pela vossa escola; o Governo mudou de estratégia por minha causa”. Não há nada mais motivador do que trazer os fundadores das empresas start-up para falarem da sua história. Digo e repito, até à exaustão, aos meus estudantes, que “Portugal são os portugueses e as suas decisões; Portugal somos nós - o que é que fizeram, o que é que fiz, hoje de manhã, que tornou Portugal maior?”

Desde ERC Grants – das primeiras na U.Porto –, ao seu envolvimento em diversos projetos de investigação FCT, COMPETE2020 e H2020, pode falar-nos um pouco sobre os projetos financiados atualmente em desenvolvimento e nos quais participa / lidera? Quais as suas temáticas e principais objetivos?
Os projetos financiados que atualmente tenho em curso são essencialmente em áreas da conversão e armazenamento de energia de fontes renováveis. O valor total dos projetos que tenho em curso é de cerca de 13 M€ - orçamento da FEUP. Os projetos que tenho atualmente em curso são 4 europeus (lidero um Pathfinder) e 6 projetos PRR. Estamos a submeter mais 2 projetos europeus – lidero uma proposta, e pretendemos submeter 2-3 projetos em co-promoção, logo que as candidaturas estejam abertas. O projeto mais importante que tenho é o H2Diven, com 6,9 M€ e início a 1 de janeiro de 2023, visando o desenvolvimento de tecnologia essencial e disruptiva para a produção de metanol, a partir de hidrogénio obtido por eletrólise da água e usando eletricidade de fontes renováveis e CO2 biogénico, de jet-fuel produzido a partir do metanol. O projeto envolve uma equipa alargada de investigadores do DEQ. As tecnologias desenvolvidas serão testadas numa unidade piloto industrial, e alvo de proteção de propriedade intelectual. O objetivo, a mais longo prazo, é a construção de uma fábrica de metanol que permita cobrir uma fração muito significativa da energia primária em Portugal. O projeto H2Diven compreende o desenvolvimento de quatro tecnologias críticas para ser possível a implementação de megafabricas de metanol, com um custo de produção inferior ao atual metanol fóssil.

Que conselhos daria a todos/as aqueles que se encontram atualmente a desenvolver propostas de investigação, de forma a prepararem-se melhor, e responderem de forma mais competitiva, aos futuros concursos/projetos de Investigação e Desenvolvimento (I&D), no programa quadro Horizonte Europa (2021-2027)?
Eu não tenho que aconselhar ninguém; nós ”estamos condenados a ser livres”. Prefiro o papel de inspirador, de provocador. É essencial que cada investigador encontre o seu próprio caminho, o seu espaço, libertando-se das métricas e receitas que enclausuram, frustram e matam a criatividade: se eu quero ser inovador, tenho de inovar. Temos, no entanto, de estar conscientes que, juntamente com a inovação, vem a chaga da incompreensão; assim, temos de ser resilientes, lutadores de fundo, pois só assim podemos ter a esperança de provocar a mudança, de inovar. Eu diria: “pensem por vocês mesmos, sejam ambiciosos, cuidem dos detalhes – de todos os detalhes – não sejam superficiais, lutem como se não houvesse amanhã e não enjeitem a ajuda de quem honestamente está disponível a ajudar. A interação com centros de inovação de referência é sempre inspiradora; estejam disponíveis a viajar. Não esqueçam os fundamentos científicos - eles são a porta dos desenvolvimentos tecnológicos mais disruptivos.”

Os resultados do seu trabalho de investigação progridem, em consequência, para patentes. Sendo autor de várias patentes, em termos de inovação, quais considera que serão as áreas-chave, no futuro?
Não sei! Na área da energia, acredito que são áreas críticas: i) o desenvolvimento de combustíveis eletroquímicos líquidos e de processos eletroquímicos para a produção direta de metanol, metano e amoníaco, entre outros; ii) o desenvolvimento de baterias de escoamento para a mobilidade; iii) a decomposição catalítica do metano a baixa temperatura e; iv) a captura e o aproveitamento rentável do CO₂ atmosférico. Estas tecnologias permitirão uma transição suave e economicamente sustentável para a descarbonização completa da energia, e a remoção ativa de CO₂ da atmosfera.

Sendo Portugal um dos países que mais cresce no pedido de patentes, considera que existe uma estrutura que permita fazer a seriação de patentes em termos dos seus potenciais/aplicabilidade e exploração de resultados?
Não, não existe essa estrutura.

Na sua opinião, qual o principal passo ou política que o país pode lançar para ser uma referência europeia na sua área de investigação?
Portugal foi grande pela mão do rei D. João II. O que é que ele fez para tornar o reino de Portugal, governado pelo seu pai D. Afonso V, e com uma economia e desempenho semelhantes aos que vivemos hoje, no maior reino no mundo? O D. João II começou por resolver os problemas, primeiro da justiça, depois das finanças e, finalmente, criou o primeiro Conselho de Sábios do mundo para assessorar o seu governo. Um estudo sociológico indica que 30% da população dos países anglo-saxónicos analisados era egoísta e 70 % altruísta, mas que, nos governos das instituições, havia 4x mais egoístas que altruístas. Eu penso que o Portugal de hoje não é diferente do Portugal do Eça de Queiroz e do seu livro "As Farpas". O esforço titânico de alguns enfrenta a barreira inexorável da corrupção, do laxismo, da mediocridade, da falta de ética. Na minha opinião, o que deve ser feito é dar formação a todos os Portugueses, de forma a que possam identificar e contrair a arte da manipulação, e providenciar as ferramentas para que cada português tenha a inteligência emocional que lhe permita enfrentar e vencer a corrupção e o laxismo. Portugal são os Portugueses e as suas decisões; Portugal somos nós. Se Portugal não é “uma referência europeia na sua área de investigação” é porque nós – Governo, Assembleia da República, Presidente da República, Ministérios, Investigadores, Eleitores – não somos essa referência.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português na sua área de investigação, e em outras áreas de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
A ciência em Portugal é o espelho do que somos; nós somos Portugal! Assim, a ciência está como o país, anémica; não tem estratégia, e está subfinanciada. Mas a ciência também são as pessoas que a fazem. E, neste sentido, a origem da anemia da ciência em Portugal também se deve aos que a desenvolvem. Precisamos de ferramentas para poder selecionar os melhores investigadores, e dispensar aqueles que já se acomodaram, que já não têm motivação; os que, por qualquer razão, já desistiram; sejam eles coordenadores da ciência ou investigadores júnior. Temos de ser capazes de selecionar os melhores líderes - aqueles que são capazes de inspirar e motivar, aqueles que não desistem, aqueles que ambicionam ir mais longe e sonham o infinito -, e de ter as ferramentas para tal, e as implementar. A ciência é um campo de batalha, onde apenas pessoas livres deveriam trabalhar.



Poderá consultar mais informações sobre o investigador aqui.


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