Investigadores U.Porto

U.Porto Reitoria SIP
Beatriz Oliveira
Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP) / Laboratório Associado para a Química Verde - Rede de Química e Tecnologia (LAQV@REQUIMTE)

Mais de 30 anos dedicados à FFUP


Fale-nos um pouco sobre o seu percurso científico na U.Porto e sobre o que a levou a escolher as Ciências Farmacêuticas como área de estudo e profissão.
Antes de mais, é preciso ter em conta que, quando tive de escolher um curso superior (nos anos 80), não havia tantas alternativas como atualmente. Sempre me interessei pela área dos alimentos - controlo, produção, processamento e comercialização -, bem como pela sua qualidade e segurança. Na altura, a Faculdade de Farmácia era a instituição com um curso que dava resposta aos meus interesses, permitindo também adquirir conhecimentos de forma a promover a saúde e bem-estar da população, algo que, de resto, ainda se verifica nos dias de hoje. Claro que estou a referir-me às Ciências Farmacêuticas, curso que escolhi e frequentei. Sendo uma pessoa bafejada pela sorte, no quarto ano do meu curso fui convidada para ser monitora e auxiliar nas aulas laboratoriais de Bromatologia - a minha área de interesse -, embora o meu objetivo fosse trabalhar numa indústria alimentar. E, assim, nasceu a investigadora. Nos períodos sem aulas, comecei a fazer análises para a comunidade, uma atividade de grande importância no Laboratório de Bromatologia de então, chefiado pela Professora Margarida Ferreira. Nesse período, envolvi-me intensamente no trabalho do laboratório e, terminado o curso, ingressei como docente. Depois, foi só trabalhar, trabalhar e trabalhar, ao longo destes anos.

Consegue identificar 2 ou 3 marcos, na sua carreira profissional, que tenham sido mais relevantes para si?
Todos os momentos da minha vida profissional são relevantes, pois cada dia é uma vitória face às dificuldades em obter resultados, a falta de verbas para adquirir equipamentos, e a falta de recursos humanos. O convite para monitora e, depois, o concurso para docente (1983-84) foram determinantes na minha vida. Como disse, não era um objetivo ficar a trabalhar na FFUP, mas, uma vez que o destino me pregou essa partida, eu aceitei o desafio com o maior empenho. Outro marco importante (1999), e que exigiu de mim grande esforço, foi a aposentação da Prof. Margarida Ferreira (responsável pela Bromatologia). Como docente mais antiga do Laboratório, tive de enfrentar todos os desafios para manter o serviço e o seu funcionamento sem limitações, continuando a responder a todas as solicitações da melhor forma possível, sem descorar as vertentes do ensino e da investigação. Estes marcos determinaram a direção da minha carreira, mas de modo nenhum foram determinantes no seu desenvolvimento. Cada concurso ganho, cada projeto conseguido, cada estudante orientado - e já foram muitos -, foram momentos de grande relevância a nível profissional e pessoal. Outro marco relevante foram os Prémios Empreendedorismo e Inovação Crédito Agrícola 2018, na categoria Produção e Transformação, e BFK (Born from Knowledge) da ANI, atribuídos na cimeira Agro Inovação 2018 ao Projeto Soilife. Talvez tenha sido um marco no reconhecimento do trabalho efetuado a nível da sustentabilidade ambiental, da economia circular e da valorização de subprodutos da indústria agroalimentar. Esta linha de investigação tem crescido no grupo, e estes prémios mostraram que estamos na direção certa.

Sabemos que uma das suas áreas de interesse na investigação é a de desenvolvimento de métodos sustentáveis na valorização dos alimentos. Quer falar-nos um pouco sobre a pertinência e/ou iminência do tema na atualidade?
Está em publicação um artigo que escrevi sobre a urgência de tomar atitudes visando a sustentabilidade alimentar. Aí, apresento várias situações que justificam a preocupação e o cuidado a ter para evitar o agravamento da situação ao nível da escassez de alimentos, recursos e água. Parece que a guerra da Ucrânia veio mostrar isso mesmo, a enorme dependência dos países a nível alimentar, perspetivando-se conflitos e revoltas nos povos com fome, se a guerra perdurar. Dos vários desafios globais que temos pela frente, podemos citar a disponibilidade de alimentos (Food Security) e a diminuição de recursos para os produzir. A sustentabilidade na área alimentar é uma realidade inevitável, emergente e obrigatória. Ao desenvolvermos processos de valorização dos resíduos (subprodutos) das indústrias agroalimentares, estamos a obter novos produtos/ingredientes resultantes de matérias-primas que iriam para aterros; a contribuir para a disponibilidade de alimentos, inovação e diversidade alimentar - e, ao evitar a sua ida para aterros, estamos a pensar em sustentabilidade ambiental -; e, com a introdução de novos processos e produtos, estamos também a contribuir para a sustentabilidade económica das empresas que, para tal, precisam de criar novos empregos (sustentabilidade social). Como os compostos/ingredientes obtidos dos subprodutos têm efeitos benéficos para a saúde e bem-estar da população, vamos também contribuir para a prevenção das doenças crónicas, tão comuns nas sociedades atuais. Mas nem sempre é fácil conseguir-se essa valorização, pois produtos inovadores à base de subprodutos nem sempre são apoiados pelas empresas alimentares ou pelos consumidores e, frequentemente, os legisladores são também um obstáculo a essa aprovação. Parece claro que, além de desenvolvermos a investigação, temos de convencer os possíveis stakeholders das vantagens do que fazemos. Deste modo, pretendemos contribuir para zero resíduos, uma vez que valorizamos os subprodutos, nada sendo descartado. Métodos sustentáveis são os que usam solventes inócuos e condições pouco agressivas, ou, melhor dizendo, os considerados «amigos do ambiente». Ao reduzir o uso de solventes orgânicos, reduzimos os custos, e contribuímos para a sustentabilidade ambiental.

Os resultados do seu trabalho de investigação progridem, numa fase posterior, para patentes. Quantas patentes tem submetidas, fruto da sua investigação, e sobre o que incidem? Em termos de inovação, quais considera que serão as áreas-chave para o setor, no futuro?
Foi mais recentemente, a partir de 2014, que o grupo começou a pensar na possibilidade de submeter patentes. Surgiram assim os primeiros trabalhos direcionados, estando submetidas 2 patentes resultantes de uma parceria com o Brasil. Uma delas consiste no processo de obtenção de um extrato bioativo das folhas de Azadirachta indica (árvore de nome comum «amargosa») por extração com líquidos pressurizados, e respetivo produto obtido (BR 102016029640-4, publicada a 17/07/2018; Classificação Internacional: A61K 36/58; A61K 127/00; A61P 35/00; B01D 11/02). Em 2017, foi submetida outra patente, que descreve o produto derivado das folhas de Azadirachta indica com efeito anti proliferativo contra as células linfoblásticas humanas (PI Processo: BR 10 2017 024898 4). Relativamente ao trabalho feito apenas pelo grupo, está já publicada a patente «SOILIFE - Olive pomace products, method of production and their uses», WO/2017/212450; Pedido internacional: PCT/IB2017/053422, 09.06.2017. Esta patente foi agraciada com prémios atribuídos pelo Crédito Agrícola (Prémio Empreendedorismo e Inovação Crédito Agrícola 2018, categoria Produção e Transformação) e Prémio BFK (Born from Knowledge) atribuído pela ANI na cimeira Agro Inovação 2018. Em 2018/12/14 foi feito o pedido de patente europeia, em exame pelo Instituto Europeu de Patentes, EP 17735631.8.; em 2018/12/09 foi feito o pedido de patente nos Estados Unidos da América, tendo sido concedido pelo US Patent Office, a 19 de novembro de 2019, sob o número de ordem 10479958. Esta mesma patente foi negociada por uma empresa e a U. Porto Inovação, tendo sido emitido um contrato de licença de exploração de direitos emergentes. Foi criada uma spin-off da U.Porto («Naturtech from Nature2nature»), que está a trabalhar no scale-up da metodologia com o apoio científico e laboratorial do grupo. Foi depositada ainda, em 2018, uma outra patente também referente ao bagaço de azeitona, mas, desta vez, sobre um ingrediente ativo para incorporação em alimentos, com uma possível alegação de saúde («SPRELIVE - Foodstuff composition, process and uses thereof»; Pedido nº PCT/IB2018/060111). Esta patente está, atualmente, na forma de PCT (International Application published under the Patent Cooperation Treaty) com International Publication Number WO 2019/116343 A1. Esta encontra-se a ser apresentada pela U.Porto Inovação a possíveis interessados e o grupo de investigação tem estado a responder às solicitações que vão surgindo. Estas patentes respondem a um problema que tem largos anos e que não tem sido encarado convenientemente pelas instituições nacionais. Ou seja, visam valorizar o bagaço de azeitona, um subproduto da produção do azeite, que tem necessidades específicas de armazenagem, dada a sua fitotoxicidade. Com o aumento da produção de azeite (5 kg de azeitonas dão 1 kg azeite e 4 kg de bagaço de azeitona, em termos gerais), aumenta também a produção de bagaço de azeitona. Não tendo vindo a ser apoiadas as empresas que recebem esse produto e o armazenam em piscinas isoladas do ambiente, há vários anos que começa a escassear onde armazenar o referido bagaço. Esta situação viveu-se este ano, aquando da colheita da azeitona, e algumas foram transportadas para Espanha para serem processadas. Os processos patenteados permitem acrescentar valor ao bagaço de azeitona e, assim, permitir o crescimento das empresas envolvidas. O processo SOILIFE valoriza o bagaço extratado, ou seja, o bagaço armazenado nas piscinas ao longo do ano. Conforme a disponibilidade das empresas, este é seco, sujeito à extração com solventes para obter o óleo de bagaço de azeitona bruto, e transformado em biomassa que, por ter muita concorrência de outras disponíveis, tem um valor cada vez menor. O bagaço extratado é a matéria-prima da patente SOILIFE, a qual é, como referi anteriormente, fitotóxica. Neste processo, a biomassa é libertada dos compostos responsáveis por esta característica, e passa a poder ser usada como substrato para a produção de plantas, para melhorar solos e, assim, contribuir para a disponibilidade alimentar. Os compostos responsáveis pela sua fitotoxicidade são usados para diferentes aplicações alimentares e em saúde, dadas as suas propriedades benéficas comprovadas, a nível do cérebro, coração, visão e pele. A obtenção destes produtos vai contribuir para a sustentabilidade económica, ambiental e social, como referi anteriormente. No caso da SPRELIVE, a matéria-prima usada é o bagaço de azeitona fresco, ou seja, após a obtenção do azeite. Este subproduto, logo no lagar, é tratado de forma a obter todos os compostos benéficos na forma de ingrediente, para incorporar em diferentes alimentos. Umas das propostas, defendida num doutoramento, é a obtenção de um creme para barrar rico em hidroxitirosol, com os efeitos referidos anteriormente. Foi também desenvolvido um patê de azeitona com incorporação de até 25% de bagaço de azeitona, com grande aceitabilidade por parte dos consumidores. O bagaço fresco também já foi incorporado em massas, em bolachas, e em produtos cosméticos. Há muito trabalho para fazer apenas neste subproduto. Estamos a tentar continuar o trabalho com novos doutoramentos e mestrados, sendo sempre a grande limitação os recursos humanos - já que as ideias fluem em catadupa. Por todas as razões já elencadas, o futuro da área será a valorização dos subprodutos, visando zero resíduos e a economia circular. Há um enorme desperdício de alimentos - por chegarem ao prazo de validade, por não terem os requisitos para venda, por estarem defeituosos, por os consumidores os rejeitarem… (cerca de 1/3 dos produzidos) -, a juntar aos subprodutos que têm de ser reaproveitados/valorizados, sob pena de, se não se fizer tal, não se conseguir garantir alimentos para todos. Não podemos deixar de acrescentar a este rol as alterações climáticas e a guerra… Claro que a qualidade dos alimentos produzidos não deve ser descurada - a obtenção de novas variedades, mais ricas em certos nutrientes ou resistentes às alterações climáticas, tem de ser conseguida, o controlo microbiológico a todos os níveis tem de prosseguir, o consumo de todos os bens tem de ser cada vez mais sustentável -, bem como a sua obtenção deve privilegiar métodos sustentáveis.

Concorreu, ao longo dos anos, a diversos tipos de projetos, financiados por diferentes organismos e com diferentes parcerias. Qual acredita ser o fator mais importante para ter sucesso na angariação de financiamento competitivo?
A sorte é fundamental para ter sucesso com os projetos. Alguns projetos que submeti não foram financiados por ser farmacêutica - teoricamente, sem competência noutras áreas do conhecimento. O prémio BFK e Crédito Agrícola veio mostrar que não é assim, pois ganhamos numa área de produção e transformação. O facto de ter trabalho na área é outro ponto que pode desfavorecer o financiamento. No caso do bagaço, como tínhamos trabalho e patentes, não conseguimos que fosse financiado - e temos tanto para fazer… Se não tivermos nada feito, não somos financiados por isso mesmo. Mas fomos fazendo trabalho, com e sem projetos financiados, sempre com muita contenção e esforço. Quanto ao bagaço, foi agora financiado um projeto para uma área diferente, embora contribua para os mesmos objetivos de valorização. Parece também ser importante ter muitas instituições participantes, o que nem sempre é vantajoso, pois a partilha das verbas deixa todos sem condições de investimento. Temos tido mais sorte com projetos internacionais, mas esses dão pouco financiamento e são, essencialmente, bonitos para o CV. Claro que são sempre em áreas que já temos trabalho feito, para ser mais fácil dar resposta. A ANI tem sido outra fonte de financiamento importante, mas exige ligação com empresas, o que, felizmente para nós, não é problemático. O que me parece fundamental é desenvolver trabalho, com interesse para a sociedade, com uma equipa resiliente e envolvida - e as verbas acabam por chegar. Pelo menos, tem sido assim comigo.

Conte-nos um pouco sobre os projetos financiados, atualmente em execução, nos quais participa ou lidera. Quais as suas temáticas e principais objetivos, e de que forma estes projetos se complementam?
Na última avaliação de projetos da FCT conseguimos 3 projetos financiados, todos no âmbito da valorização de subprodutos. Não liderava nenhum, mas estava envolvida em todos eles. Um em bagaço de azeitona, conforme já referi; outro na valorização de subprodutos de melão e cladódios de Opuntia («figo-da-Índia», género botânico de catos) para formulação de produtos para diabéticos; e o terceiro em subprodutos do café. Os subprodutos de café são outra área de trabalho que temos vindo a desenvolver desde 2010. Atualmente temos vários doutoramentos e mestrados a decorrer e estamos a pensar na valorização como ingrediente alimentar, mas também como produto funcional, com efeitos de prevenção na diabetes, e como suplemento alimentar. Temos parcerias na U.Porto e fora dela. O que têm em comum este projetos? A equipa, com experiência na área e muito trabalho divulgado; a inovação de produtos e contribuição para a diversidade de oferta e, simultaneamente, responder ao desejo dos consumidores de produtos sustentáveis, com efeito na saúde e bem-estar; e, possivelmente, aquele pedacinho de sorte, tão necessária em tudo… Temos a decorrer também um projeto com a Universidade de Castilla-la-Mancha e a Escola de Engenheiros Agrónomos de Albacete, que visa a valorização de frutos secos. Temos também projetos financiados com o Brasil, mas a pandemia tem dificultado o seu desenvolvimento. Apesar disso, estamos a iniciar uma parceria para valorização da produção de insetos/larvas para nutrição animal e humana. Terminou agora um projeto financiado pela ANI, em copromoção com uma empresa torrefatora de café, visando a valorização da pele de prata, o principal subproduto da empresa. Até agora iria para aterros ou era usado em acendalhas, e passou a ser uma fonte de compostos bioativos com interesse alimentar e para a saúde. Conforme demonstrei, todos os projetos visam acrescentar valor a produtos não valorizados, sempre com objetivo de introdução na alimentação e na sustentabilidade ambiental, económica e social. Mas não há vertente alguma desprezada e, como já referi, temos muitas ideias «na gaveta», pois não temos gente para desenvolver esses trabalhos / ideias.

Com um currículo consolidado na investigação, o que perspetiva para o futuro? Tem algum sonho profissional que gostaria de ver concretizado?
Eu não considero nada consolidado, e cada dia é mais um dia na luta para obter mais. Agora com uma visão diferente, pois não preciso para mim (cheguei ao topo da minha carreira), mas precisam as minhas colaboradoras, bolseiras e estudantes de PhD e MSc. Tenho várias bolseiras e preciso de garantir as suas bolsas. Se não tiver verbas, fico ainda mais pobre em recursos humanos e só me resta fechar a investigação. Lamentavelmente, a política atual é para onde nos encaminha. Os bolseiros só podem ficar 5 anos, depois têm de mudar… ou seja, quando já são autónomos, vão embora e temos de começar de novo e voltar a ensinar tudo, com perda de eficiência. O sonho profissional? Deixar a minha equipa estruturada, a continuar a linha de investigação que temos andado a desenvolver.

Uma das funções importantes do setor científico é colaborar com o setor empresarial. Considera que empresas e ensino superior atuam de forma conjunta ou de forma distinta, no que respeita à procura de estratégias, cooperação e resultados práticos para a sociedade?
A minha relação com empresas iniciou-se ainda era eu estudante/monitora na Bromatologia. As primeiras análises que fiz foram ensaios de compatibilidade do corante caramelo, a pedido de uma empresa. Depois comecei a desenvolver a metodologia para determinação da composição em ácidos gordos de óleos e gorduras por GC, tema das minhas provas pedagógicas e doutoramento. Desde que pus a técnica a funcionar não parou mais, respondendo à solicitação de várias empresas. É uma técnica fundamental na investigação, na caraterização das matérias-primas e na sua valorização. Atualmente, a ligação a empresas é mais difícil, pois os tempos de resposta da Universidade e das empresas são muito diferentes. A empresa quer os resultados no momento e, frequentemente, eu não tenho as condições para responder de imediato. Tenho um equipamento para responder a várias solicitações e nem sempre temos recursos humanos disponíveis. Mas a nossa política é adaptarmo-nos às situações e, por norma, não deixamos ninguém sem resposta. Este trabalho é frequentemente a nossa fonte de financiamento e, por isso, nunca negamos a colaboração. Exemplos do nosso trabalho com empresas são os projetos financiados pela ANI. Um deles envolveu uma parceria com uma empresa de fabricação de máquinas (lagar móvel para a produção de azeite no local de colheita); o nosso trabalho seria o controlo da qualidade do azeite obtido, e foi aí que se iniciou o trabalho com o bagaço de azeitona. No outro, foi a valorização da pele de prata a nível empresarial com o scale-up da metodologia desenvolvida no laboratório. Aqui, o parceiro foi uma empresa torrefatora de café. O projeto de valorização de cladódios de Opuntia (figo-da-Índia) surgiu a pedido de um pequeno produtor com problemas de venda do figo-da-Índia. Com o desenvolvimento do contacto, além de estudarmos os frutos (2 MSc), estamos agora envolvidas no projeto de valorização dos cladódios. As empresas têm interesse em colaborar com a Universidade, mas nem sempre conseguem chegar a acordo. Frequentemente não há confiança para divulgarem as ideias, pois - de um lado e do outro - há quem aproveite essas ideias e as utilize em proveito próprio, sem haver colaboração. Isto é frequente em quem não tem ideias e anda a ver se as capta de alguém. E há bastante gente assim… Para as empresas é de interesse, nas suas páginas de apresentação, referir a colaboração com Universidades e o seu empenho e preocupação com a sustentabilidade dos processos e das matérias-primas e do ambiente. Esta informação agrada aos consumidores. O grupo que lidero tem várias empresas interessadas em colaboração e estamos a trabalhar em algumas áreas. Sempre com os mesmos constrangimentos: espaço, recursos humanos e equipamentos.

Fale-nos um pouco sobre a sua visão acerca das problemáticas que afetam atualmente as indústrias agroalimentares e as futuras necessidades de investigação, nomeadamente na ótica da economia circular e na preservação ambiental.
O grande problema das indústrias alimentares vai ser a falta de matéria-prima, a falta de alimentos. Agora já se começa a falar desse problema, por causa da guerra na Ucrânia, mas este problema não é novo. Mas é mais fácil ignorar que atuar… E Portugal é um bom exemplo da perfeita dependência a nível alimentar. O caso dos cereais é gritante, pois importamos a grande maioria do que consumimos e vemos agora o resultado da falta de políticas adequadas. Outra situação é o caso do bagaço de azeitona. O problema é falado entre outubro e janeiro, altura da colheita de azeitonas e produção de azeite. Depois, não se fala no problema e não se trata o assunto, até haver nova colheita e não se saber o que fazer ao bagaço de azeitona. E não faltariam mais exemplos nesta área. Sem dúvida que a investigação tem de se preocupar com a utilização total da matéria-prima, sem desperdício - ou seja, zero resíduos. Tem de se pensar num produto alimentar, animal ou vegetal, e ver como o aproveitar completamente. O principal objetivo será usar como alimento para a população, e os subprodutos valorizados nas áreas mais convenientes. A utilização de um subproduto para alimentação animal vai evitar o consumo de produtos que podem ser usados na alimentação humana, contribuindo assim para a disponibilidade de alimentos (Food Security). A implementação da economia circular, com a utilização total das matérias-primas, vai ter um impacto positivo na sustentabilidade ambiental, económica e social, como referido anteriormente. Não é só inovar e criar produtos com valorização dos subprodutos. Há que fazer todo um trabalho de convencimento dos consumidores para os adquirirem, mostrando-lhes os benefícios ambientais, e para a saúde, do seu consumo. Outro grande obstáculo é a legislação, que dificulta tremendamente a inovação e a introdução de novos produtos no mercado. O legislador tem de estar mais atento à realidade e legislar com maior rapidez, sob pena de se perderem muitas oportunidades. Uma grande necessidade é o incentivo à produção agrícola, tornando o nosso país menos dependente a nível alimentar.

Como cientista, que apreciação faz do panorama científico português, na sua área de investigação e em outras áreas, de um modo geral? Considera que a ciência é devidamente valorizada em Portugal?
Relativamente à produção científica, a U.Porto ocupa a 15ª posição no 2021 Global Ranking of Academic Subjects (Ranking de Shangai, 2021) na disciplina Ciência e Tecnologia dos Alimentos. É a área com a melhor colocação da U.Porto e do país. As 14 universidades à frente da U.Porto são: 8 chinesas, 2 brasileiras, 1 americana, 1 australiana e 2 europeias. Parece que estamos entre concorrentes de peso. Relativamente à FFUP, apraz-me dizer que está envolvida em 47% das publicações da U.Porto nesta disciplina, onde se incluem as publicações de que sou autora. A ciência, valorizada em Portugal? Talvez alguns cientistas sejam, mas a generalidade não o é. Na U.Porto, o tratamento é igual para todos, tenham muitos resultados ou não. Eu, como docente, tenho de cumprir todas as tarefas da docência, não tendo nenhum benefício por ter muitas publicações ou projetos. Também ter muitas orientações não é considerado positivamente. Portanto, só se investiga por paixão, pois é procurar problemas e não encontrar apoios. Há uma grande vontade em aumentar o número de patentes, mas também aqui é complicado avançar, pois são precisas verbas avultadas, mesmo em casos que a U.Porto apoia. Temos de investir e não podemos publicar, ou seja, perdemos verbas duplamente - deixamos de receber porque não publicamos, e temos de pagar para cumprir as diferentes etapas. Pode dizer-se que a vida de cientista é complicada; mas eu gosto.
 


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